Uma região, todas as vozes

L21

|

|

Leer en

Panamá: um quarto de século que pode ir para a lixeira da história

Panamá é um dos elos mais fracos da cadeia de globalização cada vez mais contestada que o MAGA agora ameaça diretamente para atingir seus objetivos.

Não é original pensar a política como uma performance teatral. A metáfora funciona porque todos a entendem. O espetáculo evolui à medida que a humanidade, suas artes e técnicas mudam. A novidade está de acordo com essas transformações e sua maior ou menor adaptação é uma função da velocidade e do alcance das mudanças. Hoje, a maquinaria do palco virtual dissemina por todo o mundo com enorme rapidez oferece uma forma de fazer política à qual as pessoas vão se habituando. Mensagens breves, apenas algumas frases que abordam um assunto bastante conhecido, com um forte componente emocional e instantaneamente catapultados a milhões de pessoas, é o que funciona.

Entre os muitos personagens que deram forma a atual Kakistocracia (governo dos piores), Donald Trump é, sem dúvida, o mais relevante, pois pertence ao país hegemônico por excelência. Trata-se de uma figura que, quatro anos depois de ter deixado o poder incentivando sub-repticiamente uma rebelião popular por não reconhecer o mandato das urnas, assumirá novamente o cargo em 20 de janeiro. Seu grande argumento para alcançar o triunfo eleitoral articulou-se em torno de quatro letras -MAGA- que resumem quatro palavras – Make America Great Again. Uma simples piscadela capaz de arrastar e iludir multidões alienadas pelas distintas crises econômicas e pela evolução sociocultural dos últimos anos.

Mas nem tudo é marketing político, nem os slogans são meros estimuladores de emoções. Por trás do texto, há sempre um relato, um argumento. Quem pensava que era simplesmente um artifício não quis perceber o significado profundo da oferta de um projeto de recuperação da grandeza imperial. Hoje, de repente, muitas pessoas se deparam com uma realidade incômoda e ouvem atônitos as proclamações que leem nos livros de história. O Canal do Panamá não foi a prova mais óbvia do Destino Manifesto? O lema anterior de América para os americanos não foi só o selo de entrada na história com consequências dramáticas para a vizinhança? O Big Stick não era o mecanismo para impor a vontade sobre acordos, sobre negociações?

Por outro lado, politicamente falando, de acordo com a leitura feita pelos trumpistas, a fraqueza de presidentes aparentemente frágeis como o democrata Jimmy Carter deveria ser definitivamente enterrada na história como ignominiosa. Agora é uma questão de recuperar o sinal inequívoco de liderança global. O resgate do controle do Canal do Panamá é o símbolo por excelência disso. Como sempre foi e nunca deveria deixar de ser, segundo suas orações.

Por que se surpreender, então, com a recente ameaça feita pelo presidente eleito, e mais ainda se no mesmo contexto foi formulada a reivindicação da Groenlândia, território que, diferente do Canal, nunca foi estadunidense. Quando a ordem internacional foi minada por tanto tempo e sua deterioração se agravou nos últimos tempos, a atual lei da selva facilita todo tipo de explosões, especialmente se forem proclamadas do proscênio. O espetáculo mina a confiança e abre caminho para o pior.

O Panamá se separou da Colômbia em 1903, após uma das muitas guerras civis entre liberais e conservadores. Entretanto, a intervenção dos Estados Unidos foi decisiva. Isso se refletiu na assinatura de um tratado acelerado que deu sinal verde para a construção do canal interoceânico, dando continuidade à obra iniciada algumas décadas antes pelos franceses, algo que a Colômbia jamais teria aceitado nas condições propostas. Pouco mais de 70 anos depois, o governo de Omar Torrijos canalizou a velha demanda de amplos setores da sociedade panamenha da reivindicação da soberania do canal e da faixa de segurança que estava nas mãos dos Estados Unidos. Em 7 de setembro de 1977, Torrijos e Jimmy Carter assinaram os tratados que entraram em vigor um ano depois, após serem aprovados por uma margem estreita pelo Congresso dos EUA.  A consequência foi a saída norte-americana do país em 31 de dezembro de 1999, com o consequente reconhecimento da soberania panamenha e de sua capacidade de administrar o Canal.

O Canal não foi só um opróbrio para a sociedade panamenha, mas durante décadas também serviu no imaginário latino-americano como um símbolo de poder colonial norte-ameiricano. Intelectuais do primeiro terço do século XX, como José Enrique Rodó, Rubén Darío, José Vasconcelos e Víctor Raúl Haya de la Torre, consideraram bem a situação com uma denúncia aberta, exigindo a retirada dos EUA. Por sua vez, o governo dos Estados Unidos consolidou sua presença de forma mais sólida, com o Canal e seus arredores sendo decisivos durante a Segunda Guerra Mundial. O estabelecimento do Comando Sul e da Escola das Américas teve efeitos igualmente dramáticos na expansão da doutrina de segurança nacional na região e na consolidação dos regimes autoritários que a minaram entre 1960 e 1980.

O Panamá é um dos elos mais fracos da cadeia de globalização cada vez mais contestada que o MAGA agora ameaça diretamente para atingir seus objetivos. O nacionalismo no qual ele se baseia promove o velho e conhecido imperialismo, no qual o intervencionismo de novo estilo é apresentado como o corolário inevitável. Hoje, a desculpa é o maltrato dos interesses dos norte-americanos por meio de altas tarifas sobre navios de sua bandeira e o suposto tratamento favorável da China. Ambos os aspectos não são respaldados por nenhum tipo de evidência. A força que as redes sociais possuem prepara o terreno para sustentar a demanda, despertando a honra patriótica. Essa também é uma estratégia que serve para suavizar o trauma e tirar qualquer tipo de drama que a exposição, não mais teatral, mas real, possa acarretar. Elon Musk, o inseparável e recente amigo de Donald Trump, facilitará o processo.

Este não é o momento para espectadores silenciosos e ativismo digital banal. A história é escrita todos os dias e seus elos às vezes são construídos com pequenos gestos. O silêncio costuma ser um deles, mas também, na direção oposta, a denúncia, o repúdio e a manifestação explícita. Não só a soberania é inalienável, mas também os mecanismos muito variados que viabilizam a administração cotidiana do Canal por mãos experientes e profissionais, como foi demonstrado exatamente no último quarto de século. É um momento de orgulho e de repúdio à interferência de megalomaníacos.

Tradução automática revisada por Isabel Lima

Autor

Otros artículos del autor

Diretor do CIEPS – Centro Internacional de Estudos Políticos e Sociais, AIP-Panamá. Professor Emérito da Universidade de Salamanca e UPB (Medellín). Últimos livros: “O gabinete do político” (Tecnos Madrid, 2020) e “Traços de democracia fatigada” (Océano Atlántico Editores, 2024).

spot_img

Postagens relacionadas

Você quer colaborar com L21?

Acreditamos no livre fluxo de informações

Republicar nossos artigos gratuitamente, impressos ou digitalmente, sob a licença Creative Commons.

Marcado em:

Marcado em:

COMPARTILHE
ESTE ARTIGO

Mais artigos relacionados