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Raio-X da extrema direita nas assembleias latino-americanas

Mais da metade dos legisladores de extrema direita consideram que os imigrantes se aproveitam dos benefícios sociais e das ajudas públicas e agravam os problemas de insegurança do país.

A América Latina está vivenciando um avanço das forças políticas de extrema direita, com casos como os liderados por Milei na Argentina, Bolsonaro no Brasil e Kast no Chile, entre outros. A maioria das análises tende a se concentrar nos presidentes e partidos dessa corrente política, mas não nos legisladores, que representam a vontade popular e têm em suas mãos o poder de levar adiante os programas governamentais. Surge então a pergunta: como são os legisladores de extrema direita latino-americanos? Quais são suas opiniões sobre democracia, o papel do Estado na economia, ou em temas como a imigração e a paridade de gênero? Quais são suas posições em relação ao aborto, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, à eutanásia e à legalização das drogas? Para responder a essas perguntas, é possível consultar o banco de dados do Projeto Elites Latino-Americanas da Universidade de Salamanca (PELA-USAL), que realiza pesquisas periódicas com parlamentares dos países da região para descobrir como eles são e como se comportam.

Antes de descrever o perfil do parlamentar latino-americano de extrema direita, dois pontos devem ser destacados. Por um lado, apresentamos dados de pesquisas realizadas entre 2020 e 2023, período em que apenas 5,6% dos legisladores pesquisados nessa região se posicionaram na extrema direita da escala ideológica (9 e 10 em uma escala de 1 a 10). Por outro lado, foram incluídas informações sobre Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, República Dominicana, Equador, Honduras, México, Peru e Uruguai, mas não sobre o Brasil, o único país que teve um presidente dessa persuasão política durante esse período.

Levando em conta essas limitações, a primeira coisa que se destaca é que o perfil sociodemográfico dos deputados de extrema direita não difere muito do perfil dos demais deputados: sua idade média é de 48,6 anos, 39% são mulheres, 92% têm formação universitária ou de pós-graduação e 46% afirmam frequentar serviços religiosos com frequência. 

Pelo contrário, as opiniões e atitudes são muito distintas de acordo com o autoposicionamento ideológico.

Observando as atitudes autoritárias, há diferenças marcantes entre legisladores ideologicamente opostos. Os centristas e os direitistas concordam mais do que os demais que às vezes os governos devem priorizar o bom desempenho econômico em detrimento da governança democrática. 30% dos que estão na extrema direita acreditam que a polícia deve se concentrar no combate ao crime organizado, sem se preocupar com o respeito aos direitos humanos. Por outro lado, há convergência entre os parlamentares dos extremos ideológicos entre aqueles que argumentam que, às vezes, é necessário limitar os direitos da oposição quando seu exercício impede a implementação de políticas benéficas para o país, embora eles representem apenas 20% de seus respectivos grupos. Por fim, 20% das pessoas de extrema direita consideram que, às vezes, o presidente tem justificativa para implementar políticas públicas benéficas para o país, mesmo que os juízes tenham decidido contra essas políticas. Esse percentual é o dobro do da centro-direita (10%), mas contrasta com 65% dos entrevistados da esquerda e 34% da centro-esquerda. Essa atitude hostil dos legisladores do bloco de esquerda em relação aos juízes pode ser decorrente do fenômeno do lawfare na região.

Fonte: elaboração própria a partir de dados da PELA-USAL.

Outro aspecto que caracteriza a extrema direita é sua posição sobre o papel do Estado e sua relação com o mercado. Na América Latina, 77% dos deputados dessa família se posicionam a favor do livre mercado, sendo o grupo ideológico mais favorável a este e mais contrário à intervenção do Estado na economia. Embora em abstrato esses legisladores tenham posições mais pró-mercado, quando questionados sobre questões concretas, a maioria deles expressa atitudes mais favoráveis ao papel do Estado do que a centro-direita em todas as questões levantadas, exceto em matéria de igualdade de gênero.

Fonte: elaboração própria a partir de dados da PELA-USAL.

Em relação à imigração, os resultados da pesquisa reforçam a ideia de que essa é uma questão central para a extrema direita, inclusive na América Latina. Em comparação com outros grupos ideológicos, esse é o grupo que mais se opõe à imigração. De fato, a imigração é uma das questões em que mais se diferencia em relação à centro-direita. Mais da metade dos legisladores de extrema direita consideram que os imigrantes se aproveitam dos benefícios sociais e das ajudas públicas e agravam os problemas de insegurança do país; mais de 60% acreditam que o governo deveria adotar políticas restritivas em relação à imigração; e mais de 70% concordam que, quando o emprego é escasso, os nacionais devem ter prioridade sobre os imigrantes no acesso aos postos de trabalho e que os imigrantes devem se adaptar aos costumes e à cultura do país.

Fonte: elaboração própria a partir de dados da PELA-USAL.

Com relação à paridade de gênero, os parlamentares de direita são moderados, pois, embora se mostrem menos entusiastas do que o restante dos legisladores, mais de 60% concordam que a paridade eleitoral contribui para uma melhor democracia. Isso pode ser devido ao fato de que a extrema direita é, depois da esquerda, o grupo ideológico com a maior porcentagem de mulheres nos parlamentos latino-americanos. Por outro lado, quase a metade dos parlamentares de direita acredita que as cotas favorecem as mulheres que não estão suficientemente preparadas para entrar no Congresso, uma opinião que gira em torno de 40% no grupo de centro-direita e 30% nos demais grupos. Diferentemente da imigração, nesse assunto não há uma grande diferença entre a extrema direita e a direita mais centrista.

Fonte: elaboração própria a partir de dados da PELA-USAL.

Por fim, os temas que mais caracterizam a extrema direita são a desaprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, do aborto, da eutanásia e da legalização das drogas, embora a intensidade varie dependendo da política pública questionada. 80% dos parlamentares de direita desaprovam o aborto e a legalização das drogas, mas a porcentagem cai para cerca de 55% quando se trata de casamento entre pessoas do mesmo sexo e eutanásia. Nessas questões morais, as diferenças entre os grupos ideológicos de esquerda, centro e direita são muito marcantes, sendo a centro-esquerda a mais progressista e a extrema direita a mais conservadora. Há também uma certa distância entre as posições da centro-direita e da extrema direita, especialmente nas questões do casamento igualitário e da legalização das drogas.

Fuente: elaboración propia a partir de los datos de PELA-USAL.

Em síntese, esses dados fornecem uma radiografia do perfil médio dos legisladores de extrema direita na América Latina. Uma porcentagem significativa deles possui atitudes autoritárias, especialmente em questões econômicas e de segurança pública. Embora tenham posições fortemente pró-mercado, elas são matizadas quando se trata da intervenção do Estado na redução das desigualdades e na prestação de serviços públicos; embora com menos consenso interno do que o restante dos grupos ideológicos, a maioria compartilha a visão de que o Estado deve desempenhar um papel central. Da mesma forma, esses legisladores aceitam a paridade de gênero, embora em menor grau do que as outras ideologias. Mas suas opiniões mais fortes são a favor de medidas mais restritivas em relação à imigração e à desaprovação de políticas públicas sobre assuntos morais, especialmente o aborto e a legalização das drogas.

O conteúdo deste artigo é parte de um trabalho acadêmico que será apresentado nos congressos da ALACIP e da AECPA em julho de 2024.

Autor

Cientista politico. Doutorando em Política Comparada pela Universidade de Salamanca. Colaborador do Projeto Elites Parlamentares Latino-Americanas (PELA-USAL).

Cientista político. Professor da Univ. Jorge Tadeo Lozano (Bogotá). Doutor em Estado de Direito e Governança Global e Mestre em Estudos Latino-Americanos pela Universidade de Salamanca.

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