Durante o governo de Xi Jinping, a América Latina e o Caribe (ALC) têm desempenhado um papel importante no fornecimento de capital político e de espaços de maior influência na região em favor da China em relação aos Estados Unidos. Fatores particularmente importantes têm sido o crescimento sustentado da economia chinesa como demandante de produtos latino-americanos exportáveis, a recepção regional de investimento estrangeiro direto (IED) chinês, parcerias produtivas nos setores de manufatura e serviços e financiamento chinês para obras de infraestrutura, entre outros.
Sob Xi Jinping, a estratégia da China em relação à região tem sido consistente e persistente. A postura proativa da China em relação à globalização e ao livre comércio global aproxima a região de sua esfera de interesses. Conforme expresso pelo Presidente Xi Jinping, as aspirações da China de construir uma “globalização menos assimétrica”, fomentar a “cooperação internacional mútua” e promover a construção de uma “Comunidade de destino comum para a humanidade” coincidem com os interesses e valores latino-americanos.
Desde a ascensão ao poder do Presidente Xi Jinping, a trajetória da China como potência emergente evolui sob o paradigma do “sonho chinês” de restauração, desenvolvimento e modernidade para meados deste século; no nível político, este horizonte serve para consolidar a figura presidencial como líder máximo e centro das principais decisões sobre políticas públicas; no nível econômico, a visão de uma China restaurada promove a reconversão do aparelho produtivo nacional através de políticas ativas de desenvolvimento científico e tecnológico, bem como a projeção de seu poder militar para a região e o mundo.
Xi Jinping e a transformação da China contemporânea
Durante toda essa trajetória – passada e presente – a liderança presidencial tem sido e continua sendo inquestionável. Uma liderança construída com base em uma reengenharia normativa dos estatutos do partido que permite que Xi Jinping permaneça no poder indefinidamente, pondo assim fim aos arranjos institucionais e equilíbrios inter-faccionais dentro do Partido Comunista da China (CPC) estabelecidos por Deng Xiaoping na aurora do processo de reforma.
Os argumentos apresentados para confirmar a centralidade de sua figura como “núcleo” (hexin) são a necessidade de garantir a estabilidade interna e assegurar a governança em tempos de crescentes tensões internas e externas (leia-se conflito com os Estados Unidos), sustentando a campanha anti-corrupção como um instrumento-chave para garantir a disciplina partidária, expandir a participação estatal na economia nacional, persistir na construção do poder tecnológico, promover planos de modernização militar a fim de assegurar a defesa do país contra ameaças externas e proteger as áreas marítimas vizinhas consideradas pela China como sob sua soberania (Mar do Sul da China).
Internamente, o estilo de liderança do Presidente Xi Jinping tem sido caracterizado pelo abandono do estilo predominante de “centralismo democrático”, reavivando um discurso baseado na supremacia ideológica do marxismo-leninismo como guia político do partido, a rejeição dos valores ocidentais, dos padrões de direitos humanos ou das formas pró-democráticas de organização política, alusões presentes nos discursos e pronunciamentos voltados para quadros políticos, oficiais, Forças Armadas, empresários e a sociedade em geral.
Na esfera externa, a adoção de posições assertivas por parte de Xi Jinping mostra características de militarização da política externa chinesa na região, posições menos conciliatórias em questões sensíveis como a reunificação com Taiwan sob o governo pró-independência do Partido Democrático Progressista (DPP) ou a democratização de Hong Kong, aumento da atividade militar no Mar do Sul da China, tensões fronteiriças persistentes com a Índia e a escalada de tensões (políticas, comerciais e militares) com os Estados Unidos.
Enquanto a situação dos direitos humanos de minorias étnicas como os Uigur, ou dúvidas sobre a responsabilidade da China pelo início da pandemia da COVID-19 corroeu sua imagem internacional, uma mistura de “diplomacia de lobos” (Wolf warriors) e “diplomacia das vacinas” mitigou os impactos negativos sobre seu soft power, reposicionando o país como um promotor da “universalização” das vacinas, considerando-as um “bem público global” (BPG).
Neste contexto, na era pós-Trump e sob o Presidente Biden, persistem os “esforços bipartidários” dos EUA para conter a China. A estratégia é multifacetada: neutralizar os esforços chineses para reformular as “antigas instituições” herdadas da ordem mundial do século XX, conter sua expansão militar no Mar do Sul da China e no Indo-Pacífico (IOR), sustentar suas vantagens em áreas de alta tecnologia, reafirmar alianças com parceiros asiáticos (coalizões entre democracias), prevenir a espionagem cibernética chinesa e mitigar o déficit comercial bilateral. Neste contexto, diante de um mundo instável, a China e a América Latina e o Caribe em geral estão avaliando as vantagens e desvantagens mútuas de uma abordagem que suscita desconfianças em Washington.
Relações China-América Latina
A incorporação dos países latino-americanos nos planos de conectividade global da China sob a abordagem de parceria global (OBOR/BRI), e sua integração ao Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB), são linhas de ação incentivadas sob a presidência de Xi Jinping. Neste contexto, os Estados Unidos, de perfil mais conservador e militarista estão relutantes em consentir com a expansão da presença da China na ALC e aspiram a reconstruir a confiança e recuperar os espaços regionais de influência perdidos.
Sem renunciar aos princípios históricos de ação no sistema internacional, uma China poderosa no século XXI só poderia aspirar a modificar uma ordem mundial herdada em grande parte do século XX. A empatia da China com a ALC possibilita a abertura de canais diplomáticos formais e informais por parte dos governos, incentiva o ativismo empresarial, o desenvolvimento de estudos acadêmicos e uma maior compreensão mútua. Como foi o caso durante a Guerra Fria, apesar da cautela dos EUA, prevalece a percepção da China como um “parceiro de desenvolvimento regional” e pressupõe a futura densificação de uma agenda de cooperação sino-latino-americana.
Coluna inicialmente publicada no site da REDCAEM.
Foto do Gobierno do Chile
Autor
Coordenador do Centro de Estudos Ásia-Pacífico e Índia (CEAPI) da Univ. Nacional de Tres de Febrero (Argentina). Mestre pela Universidade de Pequim. Membro da Rede China e América Latina: Abordagens Multidisciplinares (REDCAEM).