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Renovar a centro-direita na América Latina

O mal-estar atual nas democracias latino-americanas – e da espanhola também – tem muito a ver com o fato de que os partidos social-democratas mais importantes, essas organizações políticas que ajudaram a construir várias transições para a democracia durante a segunda metade do século passado, nem sempre se abstêm de flertar com as novas extremas esquerdas. Estas, por sua vez, não perderam sua vontade de chegar ao poder. Em vez disso, conseguiram se remodelar para continuar operando no mundo pós-Guerra Fria. Este foi transformado pela Terceira Onda de Democratização, pela queda da União Soviética e pela abertura generalizada das fronteiras comerciais.

Centro-esquerda embaçada

No novo contexto global, a extrema esquerda abandonou os princípios mais ortodoxos do marxismo convencional. Nas últimas décadas, ela tem trabalhado para gerar novas correntes ideológicas e renovadas práticas políticas. Na América Latina, essas práticas vão desde a ampliação dos repertórios de protesto até a implementação de vários processos constituintes. Passando pela colonização massiva dos meios acadêmicos e culturais. Diante de tais novidades, os social-democratas tradicionais mostram-se agora com escassez de ideias. Estão inseguros de sua própria tradição política e sobrecarregados pelo impulso de seus parentes mais extremistas. Tanto é assim que muitas vezes acabam se curvando às diretrizes que estes propõem.

Essa vassalagem está incorporada em instâncias novas como o Foro de São Paulo, o Grupo de Puebla e a Internacional Progressista. Esses são espaços novos, variados e diversos que surgiram na tradição do internacionalismo comunista. Neles, tanto democratas como autocratas acabam compartilhando ideologia e linhas de ação. Participam uma multiplicidade de partidos social-democratas que, assim, vão rompendo, de forma tácita ou explícita, um entendimento saudável com a centro-direita ou, em outras palavras, com o fundamento do centro político que, durante os anos noventa, permitiu a estabilização da difícil transição para a democracia em muitos países.

Paralisia da centro-direita

Entretanto, se a centro-esquerda tradicional parece estar sucumbindo lentamente ao peso do costume e de sua própria falta de convicções e ideias, o mesmo acontece com os partidos tradicionais da centro-direita latino-americana. Seus quadros e estruturas tendem a se mover preguiçosamente no marco de uma inércia esterilizante. Muitas vezes, estão sob o domínio de certas figuras que demonstram mais alergia a mudanças do que ao nepotismo. Há uma falta de vontade de se engajar na luta cultural e de renovar o debate político com discussões sobre valores e propostas. Enquanto isso, há uma reação cética a qualquer iniciativa inovadora.

Assim como seus colegas social-democratas, os partidos de centro-direita latino-americana vêm se alternando no governo há várias décadas, com o consequente desgaste de suas capacidades de representação e articulação das demandas populares. Seus vínculos consolidados com determinados setores da sociedade às vezes tendem a distanciá-los do sentimento popular, levando-os até mesmo a classificar como populista qualquer tentativa de falar com as pessoas comuns. Os efeitos colaterais e perniciosos dessa inércia aumentam em sociedades tão desiguais como as da América Latina. O vácuo de contrapesos à esquerda deixado pela centro-direita tradicional acaba sendo preenchido por lideranças que são verdadeiramente populistas e, às vezes, autoritárias.

Mas é aí que surge uma diferença crucial com os social-democratas. A centro-direita tende a ser mais exigente do que a centro-esquerda quando se trata de se associar com aqueles que emergem em seu lado mais extremo. Enquanto as social-democracias regionais às vezes vão além de piscar para eles e cooperam abertamente com as ditaduras de Cuba, Venezuela e Nicarágua. É muito mais difícil para os partidos tradicionais de centro-direita fazerem o mesmo com figuras como Bukele, que frequentemente questionam em declarações públicas.

Reflexão e renovação

Às vezes, esse distanciamento se deve a uma genuína consciência democrática. Em outras ocasiões, trata-se mais de defender os interesses de determinados partidos da centro-direita tradicional. E essas figuras disruptivas podem colocá-los em xeque. E, às vezes, também acontece que – por convicção fervorosa ou conveniência circunstancial – a centro-direita tenha se desviado tanto para a esquerda que, por exemplo, alguns quadros políticos sociais-cristãos na América do Sul dão a impressão de estar mais próximos da ideologia socialista – no estilo do Foro de São Paulo – do que das posições defendidas pelas organizações que compõem o Partido Popular Europeu.

Como consequência de tudo isso, as posições da centro-direita tradicional na América Latina estão estruturalmente debilitadas pelos blocos filo-autoritários que reúnem toda a esquerda, bem como pela ascensão de certos populistas de direita. Os reiterados chamados que eles fazem a seus antigos parceiros social-democratas para reconstruir o centro político não parecem produzir muitos resultados. Estes nem sempre aceitam as hegemonias de esquerda que podem estabelecer junto com seus sócios mais extremistas.

Inovação necessária

A questão, em suma, é que muitas vezes faltam nas forças sociais e políticas da centro-direita tradicional os reflexos, a acuidade e a vontade de poder necessários para realizar uma profunda renovação de suas práticas políticas. A realidade parece demonstrar que o centro político não pode ser reconstruído apenas questionando alguns e suplicando lamentavelmente a outros. Muito menos por copiá-los. Consequentemente, a única alternativa é aceitar o desafio da inovação política e, ao mesmo tempo, manter a própria tradição. E, para isso, devemos defender os valores, participar plenamente do debate de ideias e voltar à política além dos partidos.

Da mesma forma, os liberais clássicos, os humanistas cristãos e os conservadores democráticos precisam recuperar o desejo e a vontade de se tornarem forças políticas genuinamente populares, enfatizando os vínculos que os unem e não as diferenças que os separam. Essa é a única maneira de formar um núcleo duro capaz de forjar, por si só, um amplo espaço político orientado para a defesa e a promoção da liberdade e da democracia. Não há outra maneira de exercer, com força, coragem e firmeza, a moderação necessária para sustentar o curso de uma democracia liberal. Algumas iniciativas já estão apontando nessa direção, muitas vezes tendo as mulheres como protagonistas, mas esse é um assunto para outro artigo.

*Este texto foi publicado originalmente no Diálogo Político

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Professor de Estudos Políticos na Universidade Austral do Chile. Doutor em Conflitos Políticos e Processos de Pacificação pela Universidade Complutense de Madrid.

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