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Se afirma o caminho ao autoritarismo no Peru

Já em seu terceiro mês, o governo de Dina Boluarte deixa poucas dúvidas acerca de seu perfil. Mais do que o discurso, são os fatos que o definem como um governo autoritário que responde com dureza aos protestos que pedem seu fim. Pelo contrário, a presidente parece se encaminhar para permanecer no cargo até 2026, enquanto que suas palavras jogam para o Congresso a responsabilidade de encurtar seu mandato e realizar eleições gerais.

A repressão tem custado, até agora, mais de cinquenta mortes, que os procuradores investigam com lentidão. O jornalismo investigativo tem contribuído para esclarecer alguns dos casos que mostram como o Exército e a polícia dispararam para matar. Um trabalho de investigação de “IDL reporteros” indagou minuciosamente a forma que vários civis morreram em 15 de dezembro de 2022 ao receber alguns disparos de fuzis de guerra em Ayacucho. Esse episódio inaugurou semanas de repressão violenta que logo se estendeu para a região de Puno.

Embora as mortes tenham ocorrido, sobretudo, no interior do país, em Lima também ocorreu o homicídio de Víctor Santisteban. Sobre este caso, circularam dois vídeos. Um deles não deixa dúvidas acerca de como um policial dispara uma bomba de gás lacrimogêneo a queima-roupa na vítima quando este estava parado em uma rua sem realizar nenhum ato indevido. 

Os três partidos de direita que têm representação no Congresso respaldam, junto a vários meios de comunicação conservadores, estas atuações. Além disso, o partido Avanza País propôs a necessidade de anistiar os militares e policiais responsáveis pelas mortes que houveram ao reprimir os protestos. Nas palavras de um de seus dirigentes, Aldo Borrero disse: “Uma das nossas grandes preocupações é a Polícia Nacional do Peru e nossos militares […] acreditamos que devemos ter mecanismos de defesa para todos eles. Inclusive, propusemos à presidente uma anistia para todos os policiais e militares neste intervalo de tempo que houveram manifestações. Nós não podemos abandoná-los […] quando o Peru mais necessitou, eles saíram na frente e defenderam nossa democracia”.

A justiça nacional deve julgar os delitos que o pessoal das forças de ordem possam ter cometido nestas semanas de repressão e, se suas decisões forem absolvidas, poderão ser levadas ao sistema interamericano de direitos humanos.

Antecipando esta possibilidade, um representante de outro partido de direita, Renovación Popular, almirante aposentado Jorge Montoya, se dirigiu por escrito à presidente Boluarte para solicitar a retirada do Estado peruano da competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Segundo o texto, a soberania nacional “não pode estar submetida ao arbítrio de uma entidade estrangeira”, dado que, afirmou, os membros da Corte IDH são “designados mediante procedimentos obscuros manejados por ONGs de esquerda”. Acrescentou que, com a retirada da Convenção Americana de Direitos Humanos (medida já adotada pelo ditador Alberto Fujimori em 1999), a pena de morte poderia ser reintroduzida no Peru.

Fazendo apenas uma menção (“essa agitação”) aos protestos, mas sem se referir ao saldo de mortos, produto da atuação governamental, Mario Vargas Llosa expressou seu apoio à gestão de Boluarte. “Você vem exercendo seu cargo de forma muito valiosa, com o apoio de um número importante de peruanos. Permita-me felicitá-la também por isso”, escreveu o prêmio Nobel peruano em uma carta enviada ao presidente.

A direita aparece, portanto, respaldando o governo e tentando traçar-lhe um rumo muito pesado para ele. As mensagens e declarações da presidente à imprensa a mostram como alguém que não compreende totalmente a situação que enfrenta, mas está decidida a permanecer no cargo o maior tempo possível, mesmo que tenha que recorrer à renovação e ampliação do estado de emergência nas regiões com mais protestos. No entanto, seu índice de aprovação foi de 18%, segundo uma pesquisa da IPSOS na primeira quinzena de fevereiro (enquanto o do Congresso, que a apoia, era de 11%).

O conselho diretivo da Assembleia Nacional de Governadores Regionais, junto ao da Associação de Universidades Nacionais do Peru, pediu a Boluarte que renuncie ao cargo e force, assim, o presidente do Congresso a convocar eleições. Apesar destas exigências, dos protestos e da rejeição da maioria presente nas pesquisas de opinião, ela permanece no cargo.

Enquanto isso, nas redes sociais se constata um aumento no confronto entre dois setores irreconciliáveis. Um deles considera que a retirada de Pedro Castillo da presidência (a retirada foi declarada pelo Congresso em 7 de dezembro) foi um golpe de Estado, ignorando que foi precisamente Castillo quem, horas antes, anunciou um golpe que fechava o Congresso e intervia no sistema judiciário que o investigava por corrupção.

O outro setor afirma que os protestos e manifestações que já duram mais de dois meses são o resultado da agitação e do extremismo comunistas, que conta com o apoio de Evo Morales e, em algumas versões mais delirantes, de mãos venezuelanas e cubanas. Mostrando o maior desprezo pela filiação étnica dos manifestantes, muitas mensagens não mostram a menor reserva em exigir que sejam fuziladas como forma drástica de acabar com os protestos que bloqueiam as estradas e realizam ataques a instalações públicas e privadas. Em meio a esta polarização, os apelos ao diálogo de vozes bem-intencionadas como o ex-presidente Francisco Sagasti caem no vazio. Se não houver uma mudança importante na situação do país, este pode estar caminhando, com este governo ou o que o substitui, para o estabelecimento de um regime autoritário que só poderá restabelecer a ordem exigida pelos setores de extrema-direita a um custo muito alto em vidas humanas. Talvez uma reação preventiva e vigorosa da comunidade internacional possa evitar isto.

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Sociólogo do Direito. Estuda os sistemas de justiça na América Latina, assunto sobre o qual tem publicado extensivamente. Desempenhou-se como docente no Peru, Espanha, Argentina e México. É membro sênior de Due Process of Law Foundation.

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