Diante da recente declaração sobre a exitosa conclusão das negociações comerciais entre o Mercosul e a União Europeia (UE), já circulam avaliações sobre os custos e benefícios atribuídos às concessões acordadas. Os analistas tendem a seguir os critérios de avaliação aplicados a compromissos similares entre países de distintos níveis de desenvolvimento e sob o formato dos acordos de livre comércio denominados de “última geração” (TLC).
Sem desmerecer esses esforços, talvez seja útil também uma aproximação preliminar, porém diferente e sistemática. Nesse sentido, deve-se priorizar a importância ou o peso dos diversos ordenamentos regulatórios adotados unilateralmente por alguns países antes do acordo em questão para proteger seus mercados em termos de saúde, segurança, qualidade e exigências de rendimento ou desempenho. Essas distinções nas modalidades e nos graus de proteção são muitas vezes chamadas genericamente de “assimetrias” e se somam às disparidades e insuficiências estruturais que apontam à uma inclinação predeterminada do campo de jogo.
Porém, mesmo advertindo essas disparidades e assimetrias, deve-se reconhecer que os países em desenvolvimento – como os integrantes do Mercosul – se beneficiam quando formalizam seus TLC com países de maior desenvolvimento econômico relativo. O benefício consiste em dispor de numerosas alternativas para obter compensação frente à violação ou erosão das concessões. De fato, dada a extensão e o detalhamento da matéria negociada nesses tratados, forjam-se laços de interdependência que, para as partes menos desenvolvidas, facilitam a busca de propostas destinadas a neutralizar práticas restritivas ou intrusivas adotadas em seu detrimento.
Em contraposição a esse benefício, há riscos potenciais derivados da escassa transparência da última fase da negociação entre a UE e o Mercosul, quando as pressões políticas apressaram a conclusão do processo. Nesse sentido, a fórmula single-undertaking implica que, uma vez concluída a negociação, o TLC passa a constituir um compromisso único e indivisível, de modo que já não pode dar lugar a segmentações para justificar o desconhecimento de algumas de suas regras. Esse critério é difícil para os órgãos legislativos que devem aprovar o tratado, quando seus integrantes ou os representantes de atividades econômicas ou membros da sociedade civil não tiveram a oportunidade de intervir ou ser informados oportunamente na “sala anexa” sobre as tratativas em curso. Se, nesse marco de falta de transparência, certas são finalmente acordadas determinadas regras suscetíveis de causar dano, então a fórmula de single undertaking pode ter derivações insuperáveis, pois os órgãos legislativos devem aprovar ou rejeitar o TLC in totum, sem margem alguma para segmentar ou parcializar seu pronunciamento.
Assimetrias inter-regionais em nome de bens públicos globais
É sabido que os TLCs entre países com diferente nível de desenvolvimento relativo tendem a consolidar relações comerciais e econômicas pré-existentes, em princípio devido às prioridades atribuídas por cada uma das partes para expandir suas exportações “tradicionais” e resguardar setores e produtos “sensíveis”.
Mas nos últimos anos agregou-se outros motivos para que os países de maior desenvolvimento relativo – e a UE é um exemplo paradigmático disso – buscassem, através de compromissos internacionais, validar as assimetrias preexistentes a seu favor.
O fundamento é o imperativo da época: combater os processos agudos de degradação ambiental e da biodiversidade. Por esse motivo, as disciplinas multilaterais da Organização Mundial do Comércio (OMC) têm se sobreposto a outras regras emanadas de distintos acordos e que remetem à necessidade de proteger os “bens públicos globais”. No entanto, a extraordinária importância atribuída a esses valores contrasta com a incapacidade ou o desinteresse dos países mais desenvolvidos quando tentaram chegar a um acordo sobre as vias institucionais adequadas para protegê-los. Em consequência, invocando tais “bens públicos globais”, a UE se arroga o direito de estabelecer unilateralmente padrões de proteção ambiental que, sob o princípio do tratamento nacional, se aplicam tanto à produção doméstica quanto às importações.
Assimetrias inter-regionais de dependência tecnológica
As disrupções tecnológicas estão ampliando a lacuna entre os regulamentos técnicos vigentes em países com distintos níveis de desenvolvimento. Essa lacuna facilitaria a penetração no Mercosul de materiais, insumos e bens acabados que já são desvalorizados por seu atraso tecnológico na UE.
Por razões similares, até que os países do Mercosul consigam regular adequadamente os mercados e serviços digitais, suas sociedades seguirão expostas a produtos digitais emitidos na UE, mesmo que sua oferta no território da UE já tenha sido proibida ou restrita. No entanto, em uma questão tão sensível hoje como a inteligência artificial generativa (IA), deve-se ter em mente que a própria legislação interna da UE prevê, no caso de adotar no exterior de regras similares a ela (cláusulas-espelho), a possível celebração de acordos de reconhecimento mútuo sobre os procedimentos de avaliação da conformidade às respectivas regras. Isso evitaria a intrusão no Mercosul de sistemas e conteúdos digitais já proibidos ou catalogados como de alto risco na UE por suas aplicações de manipulação e controle discriminatório sobre as pessoas em âmbitos onde sua segurança, inserção laboral e educacional e acesso a benefícios de assistência social poderiam ser prejudicados.
Assimetrias intrarregionais
Durante muitos anos, minimizou-se a incapacidade de harmonizar as políticas macroeconômicas entre os países membros do Mercosul. Nesse aspecto, essa falha não teve um impacto sistêmico, mas apenas gerou crises ocasionais. Isso se deveu às aspirações limitadas exibidas pelos sucessivos governos com relação à criação de um mercado comum, bem como à pouca disposição de firmar TLC com países de maior desenvolvimento relativo.
Mas o TLC com a UE obriga a concentrar a análise nessa questão delicada, em especial devido às diferenças óbvias no tamanho das economias e dos sistemas produtivos do Mercosul. Embora os diferentes estados-membros tenham apresentado listas particulares para diferentes concessões outorgadas à UE, deve-se ter em mente que, em princípio, o regime atual entre os Estados-membros do Mercosul garante a livre circulação de bens. Portanto, a escolha do ponto de entrada no Mercosul de bens originários da UE será decisiva, seja como estratégia comercial ou como local de investimento direto para a produção ou montagem de bens destinados ao mercado ampliado.
Assim, pelo simples fato de não se ter avançado na harmonização das políticas macroeconômicas, as assimetrias intra-Mercosul tenderiam a aumentar diante de um fluxo significativo de importações oriundas de terceiros países de maior desenvolvimento relativo. Nesse sentido, a conclusão das negociações Mercosul-UE é um sinal de alerta.
Tradução automática revisada por Isabel Lima
Autor
Professor and researcher at the Center for International Studies of the Univ. Institute of Lisbon (CEI/IUL). PhD in Contemporary Political Processes from the Univ. of Salamanca. Specialist in corruption, illegal markets and criminality.