Muita coisa mudou na América Latina do século XXI, um período marcado por um ciclo pendular de ideologias: primeiro a esquerda governou, depois a direita e agora a esquerda novamente. A primeira onda progressista é muito diferente da segunda devido às condições políticas, sociais e econômicas da região. Entretanto, há apenas uma semelhança, que é o fato de alguns de seus líderes ainda estarem no poder, terem garantido a presidência, enquanto outros retornaram por meio das urnas.
Nesses casos, pode-se analisar que não houve uma mudança de elites, como escreveram Wright Mills ou Gaetano Mosca, que mencionam que parte da conservação do poder tem a ver com a renovação de quadros, seja no poder ou nos partidos. Temos exemplos disso em várias partes do mundo, como Cristina Fernández como vice-presidente da Argentina, Luiz Inácio da Silva como presidente do Brasil, Evo Morales como candidato de seu partido para as próximas eleições, Daniel Ortega no poder desde 2006 na Nicarágua e Nicolás Maduro na Venezuela.
Os contextos de cada país são diversos, mas todos têm em comum o fato de seus líderes terem permanecido vigentes na política, impedindo a renovação de quadros políticos. O peronismo argentino tem se concentrado no casal Néstor-Cristina, o que foi prejudicial para o partido no poder, já que com as eleições de outubro, seu correligionário Sergio Massa enfrentou dificuldades para consolidar sua própria imagem. Inclusive, a possibilidade de Cristina Fernández concorrer à presidência vinha sendo discutida desde 2022, mas em março de 2023 ela declarou que não o faria porque havia sido desqualificada por uma decisão judicial.
No Brasil, Lula da Silva derrotou o presidente Jair Bolsonaro. Sua imagem despertou entusiasmo entre os cidadãos, mas agora ele enfrenta outros problemas que o impediram de repetir os êxitos de seus dois primeiros mandatos (2003-2010). A guerra na Ucrânia, a polarização no país e um Congresso com maioria oposicionista são os desafios do presidente. Sua aproximação com a Rússia e as nulas condenações às esquerdas autoritárias lhe renderam críticas, juntamente com o déficit fiscal do país e a queda nos investimentos.
Enquanto isso, a Bolívia é um caso particular na região. Após os protestos de 2019 que culminaram na renúncia de Evo Morales e na presidência interina de Janine Áñez, o partido Movimento ao Socialismo recuperou a presidência com Luis Arce Catacora. No entanto, o presidente e o ex-presidente entraram em conflito sobre o modelo de desenvolvimento, a produção de cocaína e o aumento da criminalidade. As críticas entre os dois chegaram a tal ponto que Morales já foi respaldado por seu partido para concorrer à presidência e Arce foi expulso durante o Décimo Congresso do Movimento ao Socialismo.
Esse é um dos cenários mais interessantes, pois a liderança carismática de Evo Morales se impôs sobre a liderança tradicional ou legal de Luis Arce Catacora, de acordo com as tipologias de Max Weber. No entanto, isso também é semelhante ao romance do mexicano Martín Luis Guzmán, La sombra del caudillo, que retrata que há presidentes constitucionais, mas o poder político reside no Líder Máximo da Revolução. O mesmo está acontecendo na Bolívia: a figura de Evo Morales foi sobreposta à do atual presidente, apesar de pertencer ao mesmo partido, e há uma disputa que clama pelo retorno do ex-presidente ao Palácio Quemado.
Por outro lado, a Nicarágua e a Venezuela se tornaram autocracias modernas, ambas lideradas por líderes autoritários que suprimiram as liberdades políticas, enfraqueceram as eleições e a institucionalidade. As duas nações enfrentam crises políticas, econômicas e sociais. Por exemplo, Daniel Ortega lutou contra a ditadura de Somoza para construir uma república, mas agora que ele está enraizado no poder desde 2006, o país se tornou hermético e retrocedeu no tempo. O ideal de Augusto César Sandino de um país livre e soberano foi dissolvido pelo governo orteguista.
Da mesma forma, a Venezuela se transformou em uma autocracia desde que Hugo Chávez reformou a constituição, os poderes e o Estado. A transferência de poder para Nicolás Maduro representou a continuidade do chavismo, mas, diferentemente do primeiro governo, o país não desfruta mais do boom do petróleo e o regime se tornou hostil aos opositores. A Venezuela é um daqueles casos paradoxais em que os personagens prometeram um futuro melhor em nome da democracia, mas esta foi sufocada.
A crítica a esses casos não tem nada a ver com a forma como eles exercem o poder, mas sim com o fato de que as lideranças descritas personificaram o poder político, impedindo que novos rostos revitalizem as estruturas partidárias. Os líderes mencionados tiveram acertos e erros em seus governos, mas o mundo mudou e a sociedade também. Seguir estratégias que não correspondem mais à contemporaneidade pode gerar mais custos do que benefícios; há outras necessidades e desafios que só podem ser atendidos com a chegada de novos perfis.
No entanto, os distintos casos abordados devem nos fazer pensar em algo: o que acontecerá quando esses líderes não estiverem mais no cargo? Especular é inútil, mas a Ciência Política e a História nos permitem fazer previsões. No caso de líderes autoritários, seus regimes não conseguem se manter na ausência do líder. Talvez alguns iniciem transições para outros modelos. Enquanto que os líderes eleitos que governam hoje podem se tornar pilares ou guias políticos, alguns podem até ter sua própria corrente ideológica, como o lulismo ou o kirchnerismo.
Autor
Cientista político. Formado na Universidade Nacional Autônoma de México (UNAM). Diploma em Jornalismo pela Escola de Jornalismo Carlos Septién.