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Transição na Venezuela?

Após as eleições de 28 de julho, quais são as probabilidades de que se produza uma mudança política na Venezuela?

Construir uma alternativa política

As eleições presidenciais de domingo, 28 de julho, foram um rito fundamental para o futuro dos venezuelanos. Depois de um quarto de século com Hugo Chávez e Nicolás Maduro no comando, haveria alguma chance de mudar o rumo político do país? Essa mudança poderia ser realizada pela via eleitoral?

Para a oposição política, os desafios eram enormes. Em um primeiro momento, era necessário construir uma candidatura unitária capaz de chegar ao dia da eleição. Ademais, deveria fazê-lo sem grandes possibilidades de financiamento para os partidos políticos, sem acesso livre à mídia, sem a possibilidade de livre circulação pelo território nacional, com partidos sob intervenção judicial e que já não dispõem de seus símbolos e cartões, etc.

A isso foram agregados novos obstáculos no caminho: as desqualificações políticas; a perseguição de diversos membros do comando da campanha; o assédio a pessoas que ajudaram durante a campanha; as dificuldades para registrar testemunhas na semana anterior às eleições; e tantos outros. Em suma, para jogar o jogo, era preciso jogar de acordo com as regras impostas pelo sistema.

No final, a oposição conseguiu construir uma opção que se manteve viva até o dia decisivo, encarnada no binômio Edmundo González-María Corina Machado. Organizou também um aparato de vigilância cidadã em todas as seções eleitorais, apesar dos riscos envolvidos. E criou um website para publicar as atas emitidas pelas máquinas de votação associadas a cada seção, documentos oficiais identificados com um código QR e dos quais o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e os representantes das várias forças políticas têm o direito de manter uma cópia.

Resultados e reações

Vários dias após a eleição, o CNE ainda não publicou resultados detalhados, mas já declarou Nicolás Maduro como vencedor com 51% dos votos. Alega que o processo foi prejudicado por ataques de computador realizados da Macedônia do Norte e culpa Elon Musk pelo envolvimento (o magnata sul-africano começou a polemizar com Maduro em sua rede social “X”). Argumenta que as atas apresentadas pela oposição, segundo as quais Edmundo González teria obtido 67% dos votos, estão adulteradas.

Os protestos iniciaram em várias cidades da Venezuela na segunda, dia 29. Maduro e outros porta-vozes do alto escalão do governo indicaram que se trata de “surtos fascistas” liderados por “terroristas”, observando que foram capturadas mais de 2.000 pessoas envolvidas nesses processos. No momento de escrever este artigo, o Foro Penal identificou 1.152 desses detidos. Várias organizações civis, incluindo a Provea, registraram mais de 20 mortos. A promotoria acusa González e Machado de usurparem as funções do CNE, e os mandados de prisão estão se multiplicando.

Resposta internacional

O Centro Carter, que, diferente da União Europeia (UE), pôde assistir in situ a eleição, emitiu uma declaração dizendo que as condições sob as quais as eleições foram realizadas eram antidemocráticas. Alguns países reconheceram Maduro como presidente eleito, como é o caso de Bolívia, Honduras, China, Rússia, Irã, Cuba e Nicarágua. Outros reconheceram Edmundo González como o vencedor, como Argentina, Costa Rica, Equador, Estados Unidos, Panamá, Peru e Uruguai. O governo venezuelano retirou sua equipe diplomática de vários deles, convidando-os a fazer o mesmo com suas legações credenciadas na Venezuela.

A maioria dos países, entretanto, declarou-se a favor de um período de espera, aguardando – antes de se pronunciar de forma definitiva – a apresentação dos resultados de cada seção eleitoral pelo CNE. Nesse sentido, destacam-se os membros da UE e o Brasil de Lula, que está liderando uma abordagem diplomática junto aos presidentes López Obrador, do México, e Petro, da Colômbia, para facilitar uma solução política para a atual crise na Venezuela.

Várias opções seriam consideradas nesse sentido, enquanto o governo brasileiro se encarregou da proteção dos seis membros do comando da campanha de Machado/González que estavam asilados na embaixada argentina em Caracas, agora desocupada pelos sulistas. Em outras ocasiões, o Brasil de Lula facilitou o diálogo político na Venezuela, tanto internamente quanto com outras nações (2004, 2009, 2014).

Desafios e perspectivas

Os resultados da eleição de 28-J marcam um antes e um depois na Venezuela. Salvo que possa provar o contrário – até agora não o fez – o chavismo-madurismo enfrenta sua primeira derrota clara em uma eleição presidencial. Nesse meio tempo, nenhum de seus principais representantes contemplou publicamente a possibilidade de abandonar o poder, nem ofereceu maiores gestos de conciliação em face da alternativa política. Pelo contrário.

Mas o desgaste acumulado em um quarto de século no poder tornou-se mais do que evidente. A oferta política do partido governista não convence a grande maioria da população do país. A demanda por mudanças é generalizada, inclusive dentro das fileiras do chavismo. E embora a repressão possa produzir resultados no curto prazo, permitindo que quem está no poder mantenha sua posição atual por hora, também incide negativamente em sua coesão interna e base de apoio social.

Após o ocorrido em 28-J, o chavismo-madurismo tem a oportunidade de sair de seu atual declínio irremediável e se renovar de forma abrangente. Pode – como aconteceu com outras forças políticas pró-governo em meio a outras transições – se reestruturar para se tornar competitivo novamente em condições democráticas. Pode evitar um eventual colapso no médio prazo e negociar agora a base para um novo sistema político, com um facilitador amigável como Lula, no contexto de uma eleição presidencial e cooperando para estabelecer as condições para uma mudança ordenada.

Claramente, nem todos no atual partido governista têm os mesmos incentivos para proceder de acordo. Nem todos têm o mesmo a perder, nem o mesmo a ganhar. Mas o que é certo é que o futuro do chavismo depende de sua capacidade de se renovar nesse momento crítico. Da mesma forma, o futuro da Venezuela como nação parece estar ligado a essa possibilidade.

Autor

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Professor de Estudos Políticos na Universidade Austral do Chile. Doutor em Conflitos Políticos e Processos de Pacificação pela Universidade Complutense de Madrid.

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