Há tempo que as relações entre a Suprema Corte de Justiça da Nação e os poderes Executivo e Legislativo do México são tensas, afetando a independência judicial. Desde que a ministra Norma Piña se tornou a primeira mulher a presidir a Suprema Corte, a pressão do Palácio Nacional não cessou. As disputas começaram em 5 de fevereiro, Dia da Constituição, quando a ministra não se levantou quando o presidente foi apresentado. Após o incidente, o mandatário enfatizou: “Não era necessário, pois é um poder autônomo e que, talvez, ela estivesse cansada”. Mas dias depois afirmou: “A ministra está lá para mim”. O comentário foi tomado como uma agressão e provocou várias críticas.
Ao assumir o cargo, o novo presidente afirmou que “a Corte falará através de suas decisões”, o que vem ocorrendo. Nesse sentido, o desagrado do presidente com a mais alta corte permite ver o funcionamento de pesos e contrapesos. Atualmente, no México, o partido governista Morena tem maioria simples no Congresso e ocupa a presidência. No entanto, a Corte, encabeçada por Norma Piña, tem dado sinais de ser um contrapeso às leis que prejudicam a democracia ou violam os direitos humanos.
Até o momento, a Corte tem cumprido com suas funções de árbitro entre poderes, mas esse não tem sido um caminho fácil, pois, com essas decisões, se tornou alvo da Presidência, que aprofundou e radicalizou seus ataques contra os ministros.
Em 18 de abril, a Corte declarou que o decreto que transferiu a Guarda Nacional, um corpo de segurança, para a Secretaria de Defesa Nacional era inconstitucional. Essa foi uma das principais reformas do presidente e, ao ser declarada inconstitucional, Andrés Manuel López Obrador acusou, sem provas até o momento, que Piña queria negociar com a Secretaria de Segurança Cidadã. Diante desses incidentes, simpatizantes do governo se manifestaram na sede do Poder Judiciário para pedir a renúncia da presidente, a quem acusam de traição à pátria.
Depois que os governistas aprovaram no Congresso o “Plano B” para uma reforma eleitoral, a oposição impugnou seu conteúdo e as violações ao processo legislativo e, com isso, o levou à Suprema Corte. No final, o ministro da Corte, Javier Laynez, concedeu uma suspensão indefinida, que freou a reforma. López Obrador então o chamou de “alteza sereníssima” e o acusou de não ser eleito pelo povo e de não ser um representante popular. Lembremos que o sistema judiciário mexicano se caracteriza por ter um sistema baseado em méritos e, para a nomeação de magistrados eleitorais e ministros, o Senado é a autoridade encarregada. Entretanto, a rejeição do “Plano B” levou à radicalização dos governistas contra a Corte.
Em 7 de maio, um dia antes do ministro Alberto Pérez Dayán apresentar ao plenário o projeto para invalidar a segunda parte dessa reforma, a Assessoria Jurídica da Presidência pediu à mais alta corte que não votasse (argumentando que não era suficientemente independente). Essa parte da reforma eleitoral também foi, no final, invalidada com nove votos a favor e dois contra.
No dia seguinte, o presidente dedicou grande parte de sua conferência de rádio matinal para desqualificar a Suprema Corte e chamou seus ministros de corruptos. Ademais, um mês antes de terminar o final de seu mandato, anunciou que se seu partido alcançar a maioria qualificada no Congresso, enviará uma iniciativa para que os juízes sejam eleitos por voto popular. Isso, caso se concretize, não seria só um ataque ao sistema judiciário, mas à própria democracia mexicana.
No momento, os manifestantes (influenciados por um discurso radicalizado) se mantém fora da sede da Corte e intensificaram seus protestos com insultos e acusações. Ademais, o discurso penetrou no Congresso e alguns senadores e deputados governistas acusam a Corte de tentar substituir o Legislativo em suas funções.
O líder do Morena no Senado, Ricardo Monreal, ameaçou que existem vários mecanismos para responsabilizar os ministros da Corte, como audiências e juízo político. Enquanto isso, o próprio partido acusa a Corte de forjar um lawfare, termo utilizado para falar de um golpe de Estado brando através de decisões judiciais contra um presidente ou uma figura política.
Em última análise, o objetivo da radicalização da retórica do partido governista em relação ao Judiciário é abrir caminho para justificar a reforma judicial e, com ela, fazer campanha e, por outro lado, corroer a independência do sistema judicial e, assim, alinhá-lo à órbita presidencial.
Sem dúvida, as relações entre esses poderes continuarão a ser tensas, pois a Corte ainda não analisou a primeira parte do “Plano B”. Caso o invalide, provavelmente o assédio e a campanha de desprestígio e perseguição aos ministros provavelmente se aprofundarão.
Autor
Cientista político. Formado na Universidade Nacional Autônoma de México (UNAM). Diploma em Jornalismo pela Escola de Jornalismo Carlos Septién.