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Os desafios das primárias da oposição venezuelana

Após as profundas repercussões da recente implosão do Governo Interino para a oposição venezuelana, e após numerosas deliberações, a Comissão Nacional de Primárias definiu uma data para que as distintas forças políticas de oposição pudessem medir-se eleitoralmente e definir uma candidatura unitária para as próximas eleições presidenciais. Além da data (22 de outubro de 2023), foi anunciado um cronograma de atividades e o regulamento das postulações, pautas de campanha e logística de um processo que ainda deixa muitas dúvidas. Especialmente se levarmos em conta que esta nova tentativa de resistência democrática é marcada por um entorno autoritário no qual fazer política, fora do chavismo, representa grandes riscos.

Este processo eleições primárias da oposição se desenvolve em um país com mais de 300 presos políticos, exilados forçados, desqualificações, judicialização de partidos, ataques legislativos à sociedade civil organizada e à liberdade de imprensa em no meio de uma investigação em andamento da Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade. 

Perguntas sem respostas

Diante deste cenário, surgem algumas perguntas cujas respostas seguem dividindo a oposição. A questão principal é: que garantias o escolhido ou escolhida tem de não ser detido ou desqualificado pelo governo antes de registrar oficialmente sua candidatura para a eleição presidencial de 2024? Esta é uma pergunta que todo político de oposição faz, mas cuja resposta não é clara devido à falta de garantias. De fato, no registro de desqualificações do Ministério Público, que não é publicado desde 2018, há figuras políticas proeminentes como Tomás Guanipa, Delza Solórzano, Henrique Capriles Radonski, entre outros.

Outra das interrogações diante deste novo processo é que papel terá a autoridade eleitoral nas primárias da oposição? O desempenho institucional do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), tradicionalmente controlado pelo governo, tem sido muito questionado, e o registro eleitoral está intencionalmente desatualizado. De fato, de acordo com o jornalista Eugenio Martínez, estima-se que três milhões de eleitores tenham sido deslocados dos centros de votação perto de seus domicílios, e mais de quatro milhões de venezuelanos entre 18 e 30 anos não estão registrados para votar. 

Esta desatualização é muito maior se levarmos em conta a enorme emigração que o país tem sofrido nos últimos anos e que só uma minoria dos que abandonaram o país estão registrados nos consulados do país receptor, se é que existe um consulado. A isto se soma a longa história de irregularidades documentadas, parcialidade política e pouca disposição em aceitar a observação internacional desde 2018.

O financiamento deste processo também gera dúvidas. Estima-se de forma extraoficial que esteja entre 7 e 12 milhões de dólares, cifras muito elevadas para os padrões da economia venezuelana, considerando também que segue sendo um país submetido a controles cambiais, sanções internacionais e restrições de todo tipo que dificultam o financiamento da oposição, tanto a nível nacional como internacional. Tudo isso poderia ser consideravelmente mais barato se houvesse um acordo com a CNE. No entanto, isso ameaçaria reavivar a divisão, dada a percepção majoritária de parcialidade do árbitro eleitoral e um descrédito intransponível da autenticidade dos resultados.

Muitos desafios e uma oportunidade

Cabe destacar também que, segundo diferentes estudos, nos últimos meses a oposição venezuelana vive seu ponto de maior fragmentação e descrédito em termos de apoio popular nos últimos anos, e houve um ressurgimento de opiniões antipartidárias, bem como um aumento da desconfiança generalizada na representação de suas expectativas políticas. Segundo a consultora Datanálisis, 61% gostaria de mudança política, mas só um em cada dez entrevistados acredita que há uma possibilidade real de alcançá-la nos próximos dois anos.

À margem das limitações, controvérsias e incertezas predominantes, a história contemporânea da oposição venezuelana tem sido, desde 2008 – e passando por 2012 – um importante aprendizado coletivo do grande valor político que os processos democráticos internos trazem consigo. O panorama parece desalentador e adverso, mas as primárias de 2023 são, atualmente, a única estratégia de ação coletiva ainda em pé. 

Estas eleições não estão isentas de perigos e polêmicas, mas poderiam ser, mais uma vez, o processo unificador de relegitimação e mobilização eleitoral que os venezuelanos tanto anseiam. Portanto, as oposições, apesar de suas diferenças, erros, desencontros e limitações, poderiam consolidar uma opção política para resistir à opressão e à barbárie.

Autor

Politólogo egresado de la Univ. Central de Venezuela y la Universidad Autónoma de Barcelona. Master en Estudios Latinoamericanos, Universidad de Salamanca. Analista de asuntos parlamentarios.

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