É sabido que, em certo momento, surgiu um consenso de que o fim do século XX ocorreu por volta de 1989. Dessa maneira, aparentemente uma nova ordem surgia sob o crisol da consolidação de ideias que vinham se firmando pouco a pouco. Democracia, a complexa relação entre mercado e sociedade, pluralismo, um certo esboço de ordem internacional. É possível que as afirmações intelectuais que gozavam de maior ou menor profundidade, às vezes elaboradas com engenhosidade, outras com argumento baseados em evidência empírica meticulosamente coletadas com rigor metodológico, fossem urgentes demais. Ansiosas por enquadrar os eventos em um marco geral abrangente, sucumbiram aos acontecimentos que se desenrolaram de forma vertiginosa.
Não se tratava de que os avatares representassem eventos que não tivessem ocorrido anteriormente, mas sim que seu alcance consolidava uma dimensão planetária com implicações generalizáveis para uma população incomum de cerca de oito bilhões de pessoas e que se estruturava em unidades políticas cujo número se aproximava de duzentos Estados-nação criados nos últimos dois séculos da evolução da humanidade.
No entanto, em menos de duas décadas, o 11 de setembro, a crise econômico-financeira de 2008 e a pandemia da COVID-19 estabeleceram um triângulo particular. Em seu seio, os Estados-nação se moviam enfrentando problemas particulares com distintos graus de impacto para seus habitantes em relação às suas definições identitárias e aos laços de convivência, bem como ao nível de satisfação das necessidades mínimas. A gestão do conflito em sociedades que começaram a mudar exponencialmente como consequência da revolução digital agravou a tarefa da política, que carecia de mecanismos para lidar com o cenário vertiginoso estabelecido.
O fim de uma era é o mantra que acompanha praticamente todos os anos deste século, de modo que não se sabe o que esperar ao definir esse momento. Stefan Zweig é talvez um dos autores mais citados quando se fala do mundo de ontem, que em determinado momento deixa de existir para dar lugar a uma nova etapa. Mas 83 anos após sua morte, o mundo que se invoca e se utiliza para avaliar o presente é muito diferente.
Mas a nova era parece que não acaba de emergir, apesar de escrevermos com assiduidade sobre ela e da abundância de propostas para todos os gostos que delineiam cenários mais ou menos apocalípticos. Os sinais que estão ao nosso alcance, mas que ignoramos, são silenciosos. Aos poucos, essas coisas se tornaram extraordinariamente comuns. Você se deu ao trabalho de olhar os rótulos dos seus presentes de Natal para descobrir o país de origem? Sabe o tempo médio que passa conectado ao seu celular por dia? Tem consciência da vasta quantidade de dados que fornece livremente sobre suas decisões, gostos, decepções, hobbies, dificuldades, satisfações e hábitos? Gestos simples que podem oferecer pistas sobre o presente e a turbulenta definição do espírito dos tempos em que vivemos, um espírito cuja origem agora precisamos identificar.
A chamada ruptura trumpiana pode justificar uma reflexão sobre o declínio desenfreado do legado do sonho americano em um contexto no qual o próprio ator supremacista subverteu o status quo. Isso também nos obriga a avaliar sua projeção na desintegração europeia ao quebrar uma aliança atlântica forjada ao longo de três quartos de século. Também incentiva uma análise do significado do retorno do amigo americano em boa parte do quintal continental, onde Nayib Bukele, Rodrigo Chaves, Daniel Noboa, Javier Milei, Santiago Peña e, agora, José Antonio Katz e Nasry Asfura são camaradas de primeira linha, acompanhando a timidez de José Raúl Mulino, Bernardo Arévalo e Luís Abinader. Eles engrossam as fileiras de capangas ansiosos para compartilhar a mesa. Isso não é nada particularmente novo, já que o padrão remete a outros momentos do passado.
O Brasil e o México têm uma população estimada em 2025 de 213 e 132 milhões de habitantes, respectivamente. Representam pouco mais da metade da população considerada para a América Latina, estimada em 668 milhões. Como é sabido, Lula da Silva e Claudia Sheinbaum não se alinham com a ruptura promovida por Trump, embora sofram seus efeitos. Algo semelhante ocorre com Yamandú Orsi. Seu cenário político é bastante diferente; um certo grau de autonomia e respeito à dignidade está emergindo, embora também precisem lidar com problemas antigos e lamentáveis, como a persistência da violência e da corrupção. Contudo, as questões levantadas acima seriam igualmente aplicáveis aos seus cidadãos, sem dúvida gerando respostas semelhantes às de seus vizinhos.
Miguel Díaz-Canel, Daniel Ortega e Nicolás Maduro são déspotas que se agarram ao poder com diferentes estratégias que inibem qualquer expressão livre e soberana da vontade popular. Seu exercício brutal, porém narcisista, do poder favorece os setores mais fanáticos inclinados ao trumpismo, que veem nele uma tábua de salvação instável. Somente para os milhões de seus concidadãos que deixaram seus países é que a ruptura de suas vidas teve um significado doloroso.
O Peru e a Colômbia trocarão de governo no primeiro semestre de 2026, com pouca perspectiva de consolidar o fim de uma era, como já foi previsto tantas vezes antes com resultados insignificantes. Gustavo Petro e os sucessivos presidentes peruanos cairão no esquecimento, deixando para trás confusão e desilusão.
Em todos os lugares, espalha-se uma espécie de alienação militante, que não parece sinalizar o nascimento de nenhum novo ciclo, ou pelo menos não nos termos comumente usados. A desigualdade desenfreada, a certeza de manter a vida, a segurança pessoal e níveis mínimos de dignidade, bem como as dificuldades em institucionalizar práticas assumidas de forma responsável pelas pessoas, figuram como os principais argumentos de uma nova era desejável que está sempre por vir.
Tradução automática revisada por Isabel Lima










