Luiz Inácio Lula da Silva é provavelmente o político latino-americano que mais vezes concorreu à presidência nas últimas quatro décadas e, juntamente com o dominicano Leonel Fernández, o que mais ganhou eleições competitivas. Sua idade, 77 anos, fará dele o presidente mais velho da região a partir do próximo janeiro. Seus dois mandatos presidenciais anteriores (2002-06 e 2006-10) não apenas marcaram a histórica chegada ao poder de um homem de esquerda, mas também constituíram um período de avanço da democracia, de crescimento econômico e de repartição da riqueza, com a consequente redução da desigualdade e a eliminação de significativos focos de pobreza.
O boom econômico, os débeis mecanismos de controle e uma distribuição indiscriminada da torta política entre amplos setores da classe política desencadearam casos de corrupção que atingiram níveis generalizados. Os inimigos políticos de Lula apontaram para ele como o principal culpado, mas sua culpabilidade não chegou a ser provada de forma confiável, embora tenha sido condenado a 580 dias de prisão. Esta circunstância o impediu de ser um candidato em 2018.
O Brasil, por outro lado, é um caso singular de presidencialismo de coalizão, o que significa que os governos estão acostumados a gerar amplas coalizões no Poder Legislativo a fim de fazer avançar suas políticas públicas. O elevado número de formações políticas, bem como critérios de alta proporcionalidade em seu sistema eleitoral legislativo, fazem do país um dos de maior fragmentação de seu sistema de partidos.
Também se trata de um país federal com estados como São Paulo, com uma grande população e uma economia que o colocaria em terceiro lugar entre os países latino-americanos se fosse independente. O país conta, além disso, com uma diferença notável entre seus próprios estados em termos das principais variáveis sócio-econômicas. Por outro lado, desde 1985 vem consolidando instituições políticas no âmbito da Administração Pública, do Judiciário e do Tribunal Superior Eleitoral, cujo desempenho é exemplar. Além disso, conseguiu submeter os militares ao poder civil.
Quatro anos atrás, no entanto, a eleição incomum de um candidato com poucas qualificações políticas mudou o cenário político em duas direções marcadas por um nível preocupante de desinstitucionalização. Em primeiro lugar, o vencedor das eleições, Jair Bolsonaro, lançou uma operação de personalização extrema e, seguidamente, questionou uma parte fundamental da ordem democrática, como o sistema eleitoral, fazendo dele o centro de suas diatribes e a consequente erosão da democracia.
Após quatro anos questionando um sistema eleitoral modelo, estabelecido desde 1996 com o voto eletrônico, as denúncias sobre supostas irregularidades se multiplicaram por 20, passando de cerca de 700 em 2018 para 14.000 em 2022. No primeiro turno presidencial, que também assistiu à eleição do Congresso e das autoridades eleitorais, os cerca de 700 milhões de votos emitidos foram contabilizados em menos de três horas, sem que fossem relatados desvios notáveis, e o trabalho do Tribunal Superior Eleitoral foi revalidado pela pluralidade de observadores internacionais.
As eleições no Brasil tiveram certas semelhanças em termos de resultados em comparação com os países vizinhos. A mais evidente é o fato da alternância política, como tem sido o caso em todas as eleições livres e competitivas realizadas nos últimos três anos na América Latina, onde a oposição conquistou o poder. Em segundo lugar, como aconteceu recentemente no Chile e na Colômbia, um candidato de esquerda chegou ao poder. Em terceiro lugar, o governo terá que trabalhar para montar uma aliança que o apoie no Congresso, algo que também está acontecendo nestes dois países, assim como na Costa Rica, Peru e Uruguai, que também realizaram eleições recentes. Finalmente, a margem de vitória do vencedor sobre o perdedor foi de pouco mais de dois milhões de votos, ou 1,8% do eleitorado, um número superior ao que se registrou no Peru e no Uruguai, onde a vitória de Pedro Castillo e de Luis Lacalle, respectivamente, foi por uma margem ainda menor.
No entanto, um bom número de artigos de opinião que foram publicados insistiram obsessivamente na ideia de um país radicalmente dividido, quando o cenário é mais complexo. Não é somente uma questão de avanço da denominada polarização afetiva frente à clássica de caráter ideológico; o que ocorreu deve vincular-se com os efeitos do presidencialismo em que a lógica que se segue é a de “soma zero” e o resultado é que o vencedor leva tudo.
Além disso, em um cenário em que apenas dois candidatos competem, a tendência só consolida a batalha midiática que vem se arrastando há meses, se não anos. As campanhas eleitorais centradas nos candidatos estão agora aperfeiçoando suas estratégias sobre o hiper-individualismo que está tomando conta das sociedades líquidas através do uso de novas tecnologias de informação e comunicação. A explosão de esquemas e o manejo das caixas de ressonância que constituem as redes sociais esvaziam as campanhas de qualquer conteúdo programático.
Lula tem o apoio de um partido político que fundou há quatro décadas, que mantém uma certa solvência no cenário político do país e conta com o apoio de políticos tradicionais do sistema político brasileiro que estão no espectro centro-direita, como é o caso de seu companheiro de candidatura Geraldo Alckmin, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a candidata Simone Tebet.
Por outro lado, a localização geográfica da votação representa uma divisão do país que é histórica em termos de sua renda, o que se reflete no fato de Lula ter vencido em 13 estados, e Bolsonaro em 14. Um estado relevante, como é Minas Gerais, mais uma vez votou como a média do país.
Diante disso, Bolsonaro vê dilapidado seu capital político ao ficar fora das instituições e não tem sequer a segurança de contar com o partido emprestado que apoiou sua candidatura, mas que agora enfrenta uma gestão de seus próprios ativos no âmbito legislativo e estadual. Por sua vez, o complexo mundo do evangelismo que apoiou Bolsonaro concentrou sua atenção para os próximos quatro anos na gestão de sua transversal bancada legislativa sem ter necessidade daquele que há quatro anos e meio foi batizado de novo no rio Jordão como uma vã premonição do desastre do manejo da COVID-19. A política brasileira tem um presidente, mas não líder da oposição.
*Tradução do espanhol por Giulia Gaspar
Autor
Diretor do CIEPS – Centro Internacional de Estudos Políticos e Sociais, AIP-Panamá. Professor Emérito da Universidade de Salamanca e UPB (Medellín). Últimos livros (2020): “O gabinete do político” (Tecnos Madrid) e em coedição “Dilemas da representação democrática” (Tirant lo Blanch, Colômbia).