Recentemente, circularam fragmentos de uma entrevista com o atual presidente da Guiana, Irfaan Ali, para a BBC, na qual foi questionado sobre as emissões de gases de efeito estufa (GEE) que a extração e consumo de petróleo da Guiana gerará nas próximas décadas.
A entrevista deixou no ar algumas ideias incompletas sobre a rota para avançar na redução das emissões de GEE associadas ao setor energético. Isso porque o questionamento do entrevistador tenta inferir que a descarbonização desse setor se limita a uma redução da oferta de combustíveis fósseis, quando, na realidade, esses esforços de mitigação deveriam fazer parte de um plano organizado para avançar gradualmente na redução da demanda por essas fontes de energia.
Contrário ao que se espera para as indústrias de energia, há uma grande incerteza sobre a ocorrência de um pico na demanda de petróleo até 2040. Mesmo que isso ocorra, o petróleo provavelmente continuará tendo uma participação significativa na matriz energética global. Nesse sentido, o petróleo que a Guiana deixar de colocar no mercado internacional será fornecido por outro país produtor.
Desenvolvimento e planos de ação climática
O caso guianês ilustra perfeitamente o dilema que os países em desenvolvimento com reservas importantes de petróleo e gás natural enfrentam: a necessidade de balancear as necessidades de desenvolvimento com os planos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
Guiana é um dos países mais pobres das Américas. As condições da economia guianense antes da descoberta de petróleo no bloco Stabroek mostravam um pequeno país com poucas perspectivas de conseguir impulsionar grandes transformações em sua matriz produtiva devido a um sério déficit de recursos financeiros, recursos humanos capacitados e infraestrutura.
Assim, o auge das operações de extração e exportação de petróleo guianês abriu uma janela de oportunidade única para impulsionar o desenvolvimento econômico e social do país. Essa oportunidade é entendida, com considerável consenso, pelas elites políticas guianenses como uma fonte de recursos para avançar na transformação do país através da implementação de planos de diversificação econômica e de ação climática.
Além disso, a Guiana tem uma contribuição insignificante nas emissões globais de GEE. O petróleo produzido, quase todo exportado, não é só de boa qualidade, mas também tem uma intensidade de emissões de carbono associada às operações de extração muito abaixo da média global. Isso torna o petróleo bruto guianense competitivo frente a outros países produtores em um mercado em que, além do custo de produção, os países consumidores tendem a favorecer a importação de petróleo com menor intensidade de emissões.
Alternativas para uma transição energética justa para a Guiana
Considerando o exposto, é importante analisar alternativas para garantir que a Guiana e outros países em situação similar possam atingir seus objetivos de desenvolvimento e contribuir na contenção das mudanças climáticas.
Uma alternativa é que os principais países consumidores coordenem ações planejadas para satisfazer sua demanda de energia mediante a compra desses recursos de países em desenvolvimento como a Guiana.
Entretanto, essa opção tem seus desafios. O primeiro está associado à capacidade guianense de gerir de forma adequada a receita do petróleo, devido a fenômenos como a maldição dos recursos naturais. Nesse sentido, a compra de petróleo bruto poderia ser acompanhada de planos de cooperação para apoiar os países em desenvolvimento em termos de fortalecimento institucional. O caso guianês já ilustra esse ponto, dado que nos últimos anos, recebeu assistência financeira e técnica do PNUMA, do Banco Mundial e do governo dos Estados Unidos no processo de implementação de seus planos de política petrolífera e de desenvolvimento sustentável.
Outro aspecto para considerar são os riscos para a segurança energética derivados da importação de petróleo. O impacto do conflito na Ucrânia nos mercados de energia resgatou a centralidade da segurança no abastecimento na agenda da política energética dos Estados. Para mitigar esses riscos, a Guiana deve trabalhar em fortalecer sua reputação de provedor confiável que respeita e honra seus compromissos e evita se alinhar em conflitos internacionais.
Por outro lado, os países industrializados podem adotar outras iniciativas para compensar a Guiana pela decisão de não monetizar parte de suas reservas de petróleo e gás. Dessa forma, se aceito, o novo petroestado sul-americano também poderia encontrar uma fonte de recursos para financiar seus planos de desenvolvimento sustentável.
A transição energética de baixo carbono já é um processo irreversível. Como estabelece o Artigo 2 do Acordo de Paris, a responsabilidade dos Estados por sua implementação é compartilhada, porém diferenciada. Nesse sentido, não há dúvida de que a Guiana também deve contribuir para conter a crise climática descarbonizando sua economia, preservando seus sumidouros naturais e aproveitando os co-benefícios de tais ações para melhorar a qualidade de vida de seus cidadãos.
Entretanto, em um mundo que seguirá demandando petróleo para satisfazer suas necessidades energéticas, parece injusto negar ao pequeno país sul-americano a oportunidade de dar um salto ao desenvolvimento a partir do uso e da boa gestão de seus recursos naturais.
A comunidade internacional tem a capacidade de apoiar a Guiana em seu caminho para o desenvolvimento através de uma transição energética organizada e justa.
Autor
Doutor em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-doutorando no Programa de Recursos Humanos da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (PRH / ANP).