Na última rodada de negociações sobre migração entre Cuba e os Estados Unidos, realizada em Washington DC em 16 de abril de 2024, o regime cubano mais uma vez recorreu ao seu bode expiatório: o embargo econômico estadunidense. Ao atribuir o recente êxodo massivo principalmente ao embargo, o regime aderiu à sua tática de décadas de desviar os problemas internos para fatores externos.
No entanto, essa narrativa repetitiva esconde uma dura verdade: o assombroso êxodo é uma consequência direta de um sistema sociopolítico opressivo que sistematicamente torna os indivíduos indefesos, privando-os de qualquer meio para escapar de suas circunstâncias de miséria e opressão.
Crise humanitária e migração massiva
Os cubanos enfrentam hoje uma crise multissistêmica devido ao declínio das exportações de petróleo da Venezuela desde 2019, às reformas econômicas impopulares do regime de 2020 e ao impacto da pandemia no turismo e nas remessas. Essa crise levou ao colapso da infraestrutura, ao declínio do poder de compra, à desvalorização da moeda, ao aumento vertiginoso da inflação e à grave escassez de alimentos, medicamentos e moradia.
Como resultado, Cuba sofreu a maior migração de sua história. De acordo com a Agência de Aduanas e Proteção Fronteiriça dos Estados Unidos, aproximadamente 600.000 cubanos foram interceptados na fronteira sul desde outubro de 2021, um número maior do que qualquer êxodo massivo na história de Cuba desde o início das Guerras de Independência em 1868.
Os cubanos carecem de opções para evitar a miséria e a opressão
Os cubanos deixam a ilha porque não têm outra opção. O governo, que atua como o principal empregador dentro de um antiquado sistema econômico de planificação centralizada herdado da era soviética, controla rigidamente o setor autônomo por meio de altos impostos e multas punitivas. Os trabalhadores autônomos precisam de permissão do governo para abrir seus próprios negócios.
Vários estudos sugerem que, desde a década de 1990 até o presente, tem sido uma tendência e prática sistemática do regime cubano restringir significativamente a emissão de licenças para trabalhadores autônomos, deixando os indivíduos em um estado de impotência sujeito ao controle do Estado. Atualmente, há uma lista de 124 atividades operacionais privadas proibidas, que abrange os principais setores econômicos e profissões qualificadas. Além disso, a proibição de organizações não governamentais que poderiam abordar a pobreza, as crises humanitárias, a desigualdade, o racismo e outros conflitos sociais em Cuba exacerba a falta de agência do cidadão comum para melhorar suas circunstâncias econômicas.
A recusa do regime cubano em implementar reformas econômicas cruciais, como a liberação das forças produtivas do país e a permissão de um mercado livre com liberalização de preços, intensificou ainda mais a crise. Essencialmente, os cubanos comuns enfrentam restrições significativas e não têm autonomia para alterar de forma independente suas condições de pobreza e opressão. Diante da ausência de oportunidades, os cubanos se encontram em uma situação de vulnerabilidade exacerbada, forçando muitos a buscar refúgio em outros países.
Embora o regime cubano atribua a emergência humanitária e a crise econômica ao embargo estadunidense, uma pesquisa realizada em Cuba durante o verão de 2022, que abrangeu 1.227 pessoas em 14 províncias, revela disparidades significativas nas percepções populares. Mais de 70% dos entrevistados atribuem a responsabilidade pela crise à má governança e ao sistema vigente, e apenas 8% atribuem os conflitos econômicos e sociais ao embargo. Mais de seis décadas de fabricação de uma narrativa que culpa o embargo pelos problemas internos de Cuba não tem mais credibilidade entre muitos cubanos.
A falta de liberdade como um estímulo para o êxodo massivo
É fundamental prestar atenção especial à falta de liberdades como um estímulo fundamental que força os cubanos a fugir do país. Ao contrário de muitos na América Latina, os cubanos não têm a liberdade de mudar suas circunstâncias. O artigo 4 da constituição cubana criminaliza os esforços para alterar o sistema político e econômico. Por mais de 65 anos, os cubanos não tiveram eleições livres, o que deu ao Partido Comunista um poder incontestável.
Além disso, em um país onde o Estado é essencialmente o principal empregador e onde o acesso à educação e ao trabalho está condicionado a requisitos discriminatórios de apoio político ao sistema governante, opor-se ao regime é um empreendimento perigoso. Conforme documentado por organizações de direitos humanos, os efeitos cumulativos dessas práticas, juntamente com a ausência de um recurso efetivo para responsabilizar os violadores dos direitos humanos, contribuíram para um sentimento de desesperança que levou inúmeros profissionais e indivíduos cubanos de todos os âmbitos da vida a fugir do país nos últimos anos.
A perseguição por motivos políticos e a ameaça de processo e encarceramento após a repressão aos protestos pró-democracia de 11 de julho de 2021 forçaram muitos a deixar o país. Muitas pessoas que se juntaram a esses protestos e aos subsequentes correram o risco de serem processadas, forçando-as a fazer uma escolha difícil entre ir para a prisão ou abandonar o país. Outras, que haviam participado dos protestos sem serem presas, temiam ser identificadas posteriormente pelas autoridades em imagens de vídeo. No final, o medo da perseguição forçou muitos a fugir.
Conclusão
O êxodo cubano é impulsionado por um sistema ultrapassado, violações contínuas dos direitos humanos, perseguição por motivos políticos e governança ineficaz, o que resulta em uma crise humanitária. O estado de desamparo é a principal causa desse êxodo, pois os cubanos fogem diante da incapacidade de mudar suas circunstâncias. Essas condições de vulnerabilidade e impotência, que são os principais motivadores do êxodo, poderiam ser aliviadas em um sistema democrático regido pelo Estado de Direito, em que os cidadãos pudessem se mobilizar por mudanças e desfrutar de liberdades econômicas e políticas para melhorar suas vidas.
Os governos de todo o mundo devem respeitar o direito de buscar asilo político, um direito humano fundamental segundo o direito internacional. Embora o programa de liberdade condicional dos Estados Unidos tenha ajudado cerca de 86.000 cubanos, ele exclui muitas pessoas perseguidas politicamente sem patrocinadores estadunidenses ou acesso ao aplicativo CBP One próximo à fronteira entre os Estados Unidos e o México. Ações imediatas devem restabelecer o programa de admissão de refugiados na Embaixada dos Estados Unidos em Havana, conforme solicitado por ativistas cubanos, e revogar a proibição de asilo na fronteira. Essa proibição, criticada por grupos como a ACLU, nega injustamente asilo a imigrantes com base em seu método de entrada nos Estados Unidos.
A deportação de cubanos, especialmente depois que seus pedidos de asilo foram negados, viola a Convenção sobre Refugiados e levanta sérias preocupações éticas. As leis cubanas contra saídas ilegais, as regulamentações restritivas que limitam os direitos dos profissionais e os artigos do Código Penal que restringem a liberdade de expressão e associação colocam os deportados em risco. Os ativistas deportados para Cuba enfrentam sentenças de prisão e outras medidas arbitrárias.
Uma abordagem multilateral para o êxodo cubano envolve o Canadá e a União Europeia, que se juntam aos Estados Unidos para impor sanções específicas às principais figuras responsáveis pela repressão, incluindo o presidente Miguel Díaz-Canel. A prestação de contas e a justiça para as vítimas da repressão são cruciais. O apoio a movimentos democráticos pacíficos dentro de Cuba e iniciativas como o projeto de lei de 21 de março apresentado na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos para promover uma cidadania informada são passos essenciais para a criação de condições que capacitem as pessoas a exigir eleições livres e justas, permitindo que elas escolham o sistema político de sua preferência.
Autor
Pesquisador e diretor da Espacios Democráticos, ONG dedicada a promover a solidariedade no Canadá com os defensores dos direitos humanos e a sociedade civil em Cuba. Mestre em História da América Latina pela Universidade de Toronto