Laura, uma jovem profissional equatoriana, começou a trabalhar em 2019 em uma empresa de tecnologia em Quito. Desde o primeiro dia, ela começou a sofrer assédio no local de trabalho. Seus colegas homens faziam comentários depreciativos sobre suas habilidades e a excluíam de reuniões importantes. Com o tempo, essas ações prejudicaram sua saúde mental, levando-a a desenvolver ansiedade e depressão. Apesar de seus esforços para denunciar, Laura não encontrou o apoio necessário dentro da empresa, o que acabou forçando-a a pedir demissão. A história de Laura não é um caso isolado; ela reflete uma realidade que muitas mulheres enfrentam diariamente na América Latina.
O assédio moral no local de trabalho, essa forma insidiosa de assédio que corrói a dignidade e a autoestima de quem o sofre, é uma realidade desoladora para muitas mulheres, não apenas no Equador, mas também em nível regional. Esse fenômeno, caracterizado por comportamentos hostis e humilhações sistemáticas, tem profundas repercussões tanto na saúde mental e física das vítimas quanto em seu desenvolvimento profissional. Apesar das leis e políticas existentes, o medo de represálias e a falta de apoio institucional perpetuam o silêncio e a invisibilidade dessa problemática.
Um padrão sistemático
O assédio moral no local de trabalho não é apenas uma série de incidentes isolados, mas um padrão sistemático de comportamentos hostis. Geralmente este fenômeno tem um forte enfoque de gênero, sendo as mulheres as principais afetadas devido a fatores culturais, econômicos e sociais que perpetuam sua vulnerabilidade no ambiente de trabalho. O assédio moral inclui comentários ofensivos, humilhações, exclusão social e exigências irracionais, e seu impacto na vida das mulheres é devastador.
As cifras são claras e alarmantes: em 2019, 2 em cada 10 mulheres no Equador sofreram alguma forma de violência no local de trabalho, e 97% delas não denunciaram por medo de represálias. Esses dados, fornecidos pelo Ministério do Trabalho e pela ONU Mulheres, não são apenas assustadores, mas destacam a gravidade do problema e a urgência de abordá-lo de forma efetiva.
Em nível regional, a situação é igualmente preocupante. De acordo com um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Gallup, um em cada cinco funcionários em todo o mundo já sofreu pelo menos uma forma de violência ou assédio no trabalho durante sua vida profissional. Mais de três em cada cinco vítimas de violência e assédio no trabalho afirmam ter sofrido esse tipo de situação várias vezes e, para a maioria delas, o incidente mais recente ocorreu nos últimos cinco anos. De fato, a América Latina apresentou a maior prevalência de violência psicológica e assédio, com 29,3% de incidência, seguida pela África, com 20,2%.
Além disso, o estudo destaca que a violência e o assédio psicológico são as formas mais comuns de violência no local de trabalho, afetando 17,9% dos funcionários em nível mundial, enquanto 8,5% sofreram violência física e 6,3% foram vítimas de violência sexual, sendo que as mulheres são particularmente vulneráveis a essa última.
As consequências do assédio no trabalho para as mulheres são múltiplas e profundas. Em nível psicológico e emocional, pode levar à depressão, ansiedade e baixa autoestima. Em nível laboral, as vítimas costumam apresentar queda de produtividade, absenteísmo e, em muitos casos, são forçadas a pedir demissão, o que afeta sua estabilidade econômica e oportunidades de carreira. Nas palavras de uma vítima, “o assédio não tira apenas a sua paz, mas também o seu futuro”.
Esses números enfatizam a urgência de combater o problema de forma efetiva e a necessidade de implementar políticas públicas e estruturas regulatórias que não apenas punam os agressores, mas também protejam e apoiem as vítimas.
Políticas para combater o assédio
O Equador conta com leis e políticas destinadas a combater o assédio no local de trabalho. O “Protocolo de Prevenção e Atenção a Casos de Discriminação, Assédio Laboral e Todas as Formas de Violência contra a Mulher nos Espaços de Trabalho“, implementado pelo Ministério do Trabalho e pela ONU Mulheres, é um passo importante nessa direção. Esse protocolo estabelece medidas para prevenir e tratar de casos de assédio no trabalho, fornecendo uma estrutura para a denúncia e a intervenção nesses casos. Entretanto, a efetividade dessas políticas depende, em grande parte, de sua implementação e do apoio institucional às vítimas.
Na América Latina, vários países implementaram políticas efetivas para combater o assédio no local de trabalho e proteger as vítimas. Por exemplo, no Chile, o “Protocolo de actuación ante el acoso laboral” estabelece procedimentos claros para a denúncia e o tratamento de casos de assédio laboral, e foram desenvolvidas campanhas de conscientização para promover um ambiente de trabalho saudável. Além disso, a Lei 1010 de 2006 na Colômbia define e sanciona o assédio laboral, estabelecendo mecanismos de prevenção e proteção para as vítimas. Essa lei inclui a criação de comitês de convivência laboral nas empresas para mediar conflitos e prevenir situações de assédio. No México, a NOM-035-STPS-2018 é uma regulamentação que obriga os empregadores a identificar, analisar e prevenir fatores de risco psicossociais no trabalho, incluindo o assédio no local de trabalho, e a promover um ambiente organizacional favorável.
Essas iniciativas demonstram um esforço crescente na região para abordar e reduzir o assédio no local de trabalho, fornecendo um marco legal e mecanismos de apoio que buscam proteger os trabalhadores e promover um ambiente de trabalho seguro e respeitoso.
Além da história de Laura, muitas outras mulheres em diversos setores laborais compartilharam suas experiências de assédio no trabalho. Esses testemunhos destacam a diversidade de contextos em que o assédio ocorre e a necessidade de estratégias específicas para cada setor. Por exemplo, as trabalhadoras do setor de saúde no Equador relatam uma alta incidência de assédio moral devido à pressão extrema e às longas horas de trabalho, enquanto no setor de tecnologia o assédio geralmente está relacionado a estereótipos de gênero e à sub-representação das mulheres em cargos de liderança.
Qual é a solução?
O assédio no local de trabalho é uma manifestação clara de violência de gênero que perpetua a desigualdade e o sofrimento das mulheres no âmbito laboral. É essencial implementar e fortalecer políticas públicas que não apenas punam os assediadores, mas também criem um ambiente seguro e de apoio às vítimas. As empresas devem assumir um papel ativo na prevenção do assédio, promovendo uma cultura de respeito e igualdade.
Para romper o silêncio em torno do assédio no local de trabalho, é essencial capacitar as vítimas, permitindo que elas denunciem sem medo de retaliação por meio de canais anônimos e seguros. Além disso, as instituições devem garantir uma resposta eficaz e justa, incluindo a capacitação do pessoal e a implementação de políticas de tolerância zero em relação ao assédio. Os governos têm a responsabilidade de fortalecer as leis existentes e criar novas políticas que protejam as vítimas e punam severamente os assediadores, garantindo sua implementação efetiva.
É fundamental realizar campanhas de conscientização e educação para mudar a percepção cultural sobre o assédio moral e promover um ambiente de respeito e dignidade no trabalho. Além disso, é essencial fornecer apoio psicológico e aconselhamento jurídico às vítimas para ajudá-las a superar o trauma e orientá-las no processo de denúncia.
Nesse sentido, o compromisso empresarial é vital para promover uma cultura de respeito e igualdade por meio da formação contínua dos funcionários e da criação de um ambiente de trabalho inclusivo e seguro. Não se trata apenas de uma questão de justiça social, mas de uma necessidade urgente para garantir que as futuras gerações de mulheres possam se desenvolver profissionalmente em um ambiente livre de assédio e discriminação.
A responsabilidade recai sobre os governos, as empresas e a sociedade civil para construir um mundo laboral em que a dignidade e o respeito sejam a norma e não a exceção. Somente assim poderemos avançar em direção a uma sociedade mais equitativa e justa, onde todas as pessoas possam trabalhar em um ambiente livre de assédio e discriminação.
Autor
Graduada em relações internacionais e ciências políticas pela Universidade San Francisco de Quito e mestre em direitos humanos e governança pela Universidade Autônoma de Madrid.