A “reinserção da Argentina no mundo” é uma meta que tem sido proclamada como um mantra por quase todos os governos argentinos no início de seus mandatos. Uma suposição alegórica que se refere a uma cena mítica original: houve um tempo em que a Argentina “estava no mundo” e foi expulsa – ou saiu – desse paraíso terrestre, como resultado das más políticas e dos erros de sucessivos governos. Até que eles se deram conta disso, e é por isso que estão propondo, neste momento, mudar drasticamente de rumo e voltar a ele.
Ouvimos isso ao longo das décadas, em uma direção e em outra. Foi há 20, 30, 80 ou 90 anos? O Presidente Javier Milei levou a linha do tempo muito mais para trás e, assim, aumentou a magnitude de sua ambição atual: há cem anos, diz ele, “fomos deixados de fora do mundo”. E tem certa razão, sempre esclarecendo a que “mundo” está se referindo: a crise da esfera de influência britânica e do modelo agroexportador que permitiu à Argentina uma inserção bem-sucedida no mundo, com crescimento sustentado, instituições políticas republicanas e progresso social, a partir da década de 1930, teria deixado a Argentina ” à margem”.
O modelo peronista de autarquia e substituição de importações (1946-1955) acabaria sendo frustrado, abrindo caminho para um ciclo pendular de tentativas malsucedidas de “reinserção no mundo” que corresponderia, por sua vez, à instabilidade institucional e à crise de legitimidade de nosso regime político. A Argentina, dizia-se, havia se tornado um “pária internacional”. A erraticidade da política externa, as relações triangulares com terceiros países como gestos de aproximação – ou distanciamento – com as potências dominantes, e a diplomacia paralela ou as relações de via dupla foram corolários dessas flutuações no comportamento internacional da Argentina, que encontraram sua expressão máxima na derrota nas Malvinas em 1982, que pôs fim à última ditadura militar e levou à recuperação da democracia.
Alguns desses padrões de comportamento persistiram e persistem até hoje. Por exemplo, a introdução da política internacional nos desacordos políticos internos e a projeção da política partidária doméstica na política externa do país. Comportamentos e gestos que contrastam com a contribuição da diplomacia argentina para a paz, a segurança e o direito internacional, a participação proeminente em organizações multilaterais e a identificação com os princípios de não intervenção, não interferência, autodeterminação, ajuda humanitária, resolução pacífica de conflitos e defesa dos direitos humanos.
Os governantes argentinos que saem para explicar ao mundo como seus antecessores estavam errados parecem não perceber a incredulidade que despertam em seus interlocutores. Especialmente quando lhes é dito que eles próprios estavam errados, como faz o Presidente Milei toda vez que deixa o país. Nove viagens internacionais em seis meses – nenhuma para os vizinhos da região – colocam Milei no topo da lista dos presidentes que mais viajaram desde o retorno da democracia em dezembro de 1983. Além do número de viagens, o propósito das viagens também é importante, pois, além de sua notória preferência pelos Estados Unidos, várias delas tiveram a ver com preocupações pessoais ou com o recebimento de prêmios de diferentes instituições e think tanks, praticamente sem reuniões de Estado e com uma lista já extensa de altercações com outros governantes que levaram a conflitos diplomáticos bilaterais: México, Colômbia, Espanha, Brasil e Bolívia.
A agenda lotada de viagens de Milei ao exterior durante seus primeiros seis meses no cargo terminou em junho com sua participação na cúpula do G7 em Bari, Itália, e na Cúpula Global pela Paz na Ucrânia, realizada na Suíça com a presença de cem presidentes, onde o presidente argentino expressou seu total apoio ao presidente ucraniano Volodimir Zelenski. Milei enfatizou: “Isso faz parte da grande virada que estamos dando como país, depois de décadas dando as costas ao mundo“. Alguns dias depois, ele viajou novamente para a Espanha e, em seguida, para a Alemanha e a República Tcheca para receber prêmios por seu ativismo libertário. Em Praga, ele também expressou sua intenção de tornar a Argentina “um parceiro global da OTAN“.
Assim, em seus primeiros seis meses de mandato, o governo de Milei expôs a validade e a persistência dessas “tendências profundas” da política externa argentina e seus corolários – reação exagerada, erraticidade, unilateralismo, pendularidade -, transitando entre o pragmatismo e a ideologia, com a forte marca de um estilo pessoal caracterizado por seus traços de excentricidade. Uma ironia curiosa é a tentativa de se reinserir em um mundo que não existe mais e de brigar a todo momento com o mundo que existe e do qual fazemos parte, um mundo complexo e interdependente que deveria esperar de seus líderes prudência, inteligência, equanimidade e ductilidade, a capacidade de despertar confiança. O presidente Milei parece seguir mais as linhas escritas por Enrique Santos Discépolo na década de 1920, naquele famoso tango cantado por Carlos Gardel, “você verá que tudo é mentira, verá que nada é amor, que o mundo não se importa com nada: yira, yira…“.
Autor
Cientista político e jornalista. Editor-chefe da seção Opinião do jornal Clarín. Prof. da Univ. Nacional de Tres de Febrero, da Univ. Argentina da Empresa (UADE) e de FLACSO-Argentina. Autor de "Detrás de Perón"(2013) e "Braden o Perón. La historia oculta"(2011).