A vitória de Jair Bolsonaro deu vez a especulações sobre as condições de governabilidade que ele encontrará quando assumir o poder. No próximo Congresso, 30 partidos estarão representados, e o presidente só contará com o apoio de 5% do Senado (quatro senadores) e de pouco mais de 10% da Câmara (52 deputados), menos que os 13,4% obtidos pelo Partido dos Trabalhadores da presidente Dilma Rousseff na eleição de 2014. O sistema político brasileiro é um dos mais fragmentados do mundo, e vem batendo seu próprio recorde a cada eleição. Em 2014, 28 partidos conseguiram representação na Câmara Federal. Dos 30 partidos que elegeram representantes este ano, 15 terão menos de 10 deputados. Em 2014, essa descrição se aplicava a 12 partidos.
Se bem que o avanço da fragmentação possa ser pequeno ante a legislatura anterior, sua dimensão é preocupante, se levarmos em conta os problemas de governabilidade que a presidente Dilma enfrentou desde o começo de seu segundo governo, e que a levaram ao impeachment, embora tenha sido eleita por uma ampla coalizão de partidos. Uma diferença importante é que Bolsonaro emergiu das eleições mais forte do que Dilma em 2014. Não só por ter conseguido uma porcentagem de votos maior –55,1% ante 51,6% para Dilma naquele ano– mas também porque não precisa arcar com o peso do desgaste de um primeiro governo, e se beneficia do “crédito” dado a presidentes em início de mandato.
A estabilidade desses apoios em médio e longo prazo dependerá em alto grau da recuperação econômica.
Outro precedente para problemas de governabilidade é o governo de Fernando Collor, eleito em 1989 por uma coalizão de pequenos partidos e com uma bancada de apenas 10% dos deputados, e que também terminou sendo alvo de impeachment. Mas o perfil mais conservador da maioria dos partidos e dos legisladores do próximo Congresso, e o respaldo mais ou menos explícito de alguns deles a Bolsonaro no segundo turno, tornam factível que ele conte com o apoio de mais de 50% dos congressistas. E atingir os três quintos de votos necessários a aprovar reformas constitucionais tampouco parece impossível. Mesmo assim, a estabilidade desses apoios em médio e longo prazo dependerá em alto grau da recuperação econômica.
O possível apoio legislativo ao novo presidente apresenta dois obstáculos importantes, ainda assim. Por um lado, uma das promessas mais repetidas por Bolsonaro em campanha foi a de que em seu governo as indicações para cargos públicos seriam baseadas apenas em critérios técnicos, sem acordos políticos. Não se trata simplesmente de só mais uma promessa. Esse foi um dos principais motivos para a adesão de boa parte de seus eleitores: o distanciamento da classe política tradicional. Mas sem cargos públicos a negociar, o que representa o principal mecanismo de formação de coalizões nas democracias pluripartidárias, Bolsonaro dificilmente obterá uma maioria estável. O segundo obstáculo a afirmar apoios é a falta de experiência de muitos colaboradores mais próximos do presidente eleito quanto a aspectos básicos das normas que regem a atividade política. O excesso de “ruído” junto a potenciais aliados pode minar possíveis acordos.
Mas declarações recentes de um dos filhos de Bolsonaro, ele mesmo eleito para o Senado, sobre a possibilidade de acordos com o MDB, o camaleônico partido do atual presidente Michel Temer, sugerem que existe disposição de negociar. Por outro lado, algumas indicações, como a do polêmico juiz Sergio Moro para o Ministério da Justiça, que encontraram forte aceitação pelo eleitorado do presidente eleito, podem oferecer espaço para manobra e para alguma medida de negociação política sem que isso desperte grande reprovação entre os eleitores de Bolsonaro.
A governabilidade além disso está associada ao debate sobre a força das instituições para resistir a possíveis excessos autoritários do futuro presidente. O debate não é infundado, diante das declarações polêmicas de Bolsonaro em sua trajetória como deputado, que deixam clara sua baixa adesão a valores democráticos básicos –declarações que ele repetiu em sua campanha eleitoral. Esse é um tema central porque Executivos comandados por presidentes com baixa adesão a valores democráticos e que contem com maiorias no legislativo costumam gerar conflitos institucionais com o Poder Judiciário. Quanto a isso, o presidente do Supremo Tribunal Federal e a procuradora geral da república enfatizaram em mais de uma ocasião, desde a eleição, que o novo presidente deverá cumprir a constituição e respeitar os direitos individuais e das minorias. Pronunciamentos como esses, bastante incomuns, sinalizam a preocupação que o futuro governo Bolsonaro desperta.
Por fim, as críticas reiteradas dele a alguns meios de comunicação sinalizam outra possível frente de conflito. E se bem o leque de opiniões dos analistas políticos sobre a força das instituições democráticas brasileiras seja amplo, eles parecem discordar menos em que estas provavelmente serão colocadas em questão nos próximos anos.
Autor
Professor Assistente de Ciência Política na Carnegie Mellon University. Especializado em comportamento presidencial e estudo comparativo de instituições políticas na América Latina. Mais informações em www.ignacioarana.org