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Haiti: “entre a anarquia política e o caos social”

O assassinato do presidente do Haiti, Jovenel Moïse, ocorreu em “um contexto político marcado pela anarquia e por uma sociedade em caos”, como define o analista político haitiano Joseph Harold Pierre. Um país onde os bandos criminosos têm mais poder que a polícia e onde o vácuo de poder, com a morte do presidente, termina de apropriar do pouco que restava do Estado mais antigo da América Latina.

O presidente foi assassinado a tiros na madrugada de quarta-feira em sua residência em Porto Príncipe por um grupo de mercenários estrangeiros, mas ainda não se conhece o ou os autores intelectuais do crime. O que se sabe é que o presidente tinha uma longa lista de inimigos, dentro e fora da política, devido a seu comportamento conflituoso. A isto se soma o fato de que a política haitiana é regida por códigos corruptos e criminosos e que é o único mercado que funciona atualmente, de modo que os interesses por trás do sistema político são frequentemente maiores do que em outros países da região.

Qual é a situação política no Haiti?

Por enquanto, “Haiti vive uma calma aparente. A sociedade está em choque” explica Harold Pierre. As pessoas evitam sair de suas casas e o primeiro-ministro, Claude Joseph, que não é no papel, declarou estado de sítio.

De um ponto de vista político, segundo a constituição haitiana, quando ocorre um vácuo deste tipo pelo falecimento ou incapacidade do presidente, é o primeiro-ministro que tem que assumir o cargo. Entretanto, para isso, o primeiro-ministro teria que ser ratificado pelo parlamento, mas o país carece de um. Isto porque em janeiro do ano passado a legislatura terminou sem que houvesse eleições para renovar a Câmara dos Deputados e o Senado, devido à crise generalizada.

Além disso, o primeiro-ministro, nunca tendo sido ratificado por um parlamento, é de fato primeiro-ministro. E para terminar de complicar a situação, “o primeiro-ministro de fato, que em condições normais deveria assumir a presidência, foi revogado pelo próprio presidente na segunda-feira passada” e o primeiro-ministro recém-nomeado está formando seu governo e não tomou posse. Portanto, para o analista político haitiano, o país se encontra diante da situação particular de ter dois primeiros-ministros, um saindo e outro entrando, e nenhum deles tem as condições legais para assumir a presidência.

Como se chegou aqui?

A origem do caos político atual se desencadeou a partir das eleições de 25 de outubro de 2015. Após um primeiro turno no qual nenhum candidato obteve maioria absoluta, foi convocado um segundo turno para 27 de dezembro de 2015. Este, no entanto, foi adiado pela primeira vez para 24 de janeiro de 2016 e, devido aos distúrbios e enfrentamentos, foi novamente adiado para 24 de abril. Após um terceiro cancelamento, a eleição foi realizada em novembro de 2016, com a vitória de Moïse.

Segundo a constituição haitiana, explica Harold Pierre, o mandato do presidente é de cinco anos. Mas os sucessivos cancelamentos e o atraso da posse do presidente levaram a um debate em torno da extensão de seu mandato. Embora as eleições tenham sido realizadas em 2015 e 2016, o debate se desenvolveu em torno de uma única eleição ou duas eleições diferentes, o que estabeleceria claramente a extensão do mandato. Entretanto, as instâncias que teriam autoridade para resolver a questão – o Tribunal Constitucional e o Conselho Eleitoral Permanente – também não existem no país, o que levou a uma situação em que não se sabia se o mandato de Moïse havia terminado ou não.

Simultaneamente ao aprofundamento do caos político, “se produziu durante os últimos anos uma acelerada decomposição da instituição policial devido a uma vontade política expressa”, segundo o analista, com o objetivo de poder operar livremente e com impunidade. O vácuo deixado por um sistema político decadente e uma força policial debilitada começou a ser ocupado por bandos criminosos, o que levou a um aumento acelerado dos crimes e da violência. Isto em meio a uma profunda crise econômica e sanitária que atingiu uma sociedade já duramente castigada de forma ainda mais dura.

Diante de semelhante panorama, se apresentam dois cenários. O primeiro seria uma onda de violência onde os bandos criminosos, aproveitando o conflito entre os primeiros-ministros que entram e saem, aumentam seu poder e acabam assumindo o país. O segundo cenário seria a intervenção da comunidade internacional para participar da resolução do conflito, com um protagonismo dos Estados Unidos. Entretanto, é provável que a comunidade internacional, “que não compreende totalmente o problema haitiano”, segundo Harold Pierre, considere que o país não conta com as condições necessárias ou com os atores adequados para sair desta situação.

Como sair desta situação?

Em uma situação normal, as eleições presidenciais deveriam ser convocadas para este ano. Entretanto, a ausência de um consenso político mínimo, a grave insegurança, a desconfiança no governo e o fato de que o órgão eleitoral não tem capacidade jurídica ou logística torna inviável a convocação de eleições. E se fosse organizada em breve, provavelmente exacerbaria o caos e a anarquia.

O país necessita de uma solução sócio-política, explica o analista, um consenso dos principais atores incluindo partidos políticos, o setor privado, universidades e autoridades religiosas para concordar em selecionar – não eleger – pessoas moralmente competentes para formar um governo de transição até que as eleições possam ser organizadas em condições aceitáveis. E para garantir este processo, seria indispensável a presença e o apoio da comunidade internacional.

A situação dramática a que o Haiti chegou deve-se à soma de uma miríade de fatores que não permitiram a consolidação de uma democracia decente. E neste contexto, segundo Harold Pierre, “o problema fundamental do país tem sido a rejeição de qualquer cultura institucional” que lhe permita construir seus próprios alicerces.

*Este texto é baseado em uma entrevista com Joseph Harold Pierre: economista, politólogo e consultor internacional haitiano, especialista em América Latina e Caribe e doutorando em ciência política na Universidade Nottingham Trent na Inglaterra.

* Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima

Autor

jeronimogiorgi@hotmail.com | Otros artículos del autor

Jornalista, mestre em Jornalismo pela Universidade de Barcelona e em Estudos Latino-Americanos pela Universidade Complutense de Madrid.

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