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O que há em um nome? A deformação institucional em Honduras e Nicarágua

São pessoas de poder. Não filósofos ou filólogos: são políticos. Eles tendem a ter um domínio limitado do idioma como um dardo portador de beleza, mas grande eficiência na hora de usá-lo como uma ferramenta política. Podem ser incapazes de escrever um hendecassílabo, mas podem fazer com que milhões de cidadãos aceitem a definição que idealizaram – estritamente para sua própria conveniência – de uma palavra ou conceito.

Assim, por exemplo, com a democracia. O impulso para redefinir este conceito de acordo com as necessidades de cada circunstância é diretamente proporcional à inconsistência de seu uso. Para simplificar: cada vez que um político fala sobre democracia, crescem as contradições e se entende menos o que está se referindo com esse termo. Alguns simulam compreendê-lo, porque aspiram a saturar a palavra “democracia” com um conteúdo ético, despreocupando-se de que isso implique em esvaziá-la de conteúdo técnico-político. Ou seja, consideram que democracia equivale a bem; tudo que soa bem cabe dentro da democracia. Pode ser um método (como as eleições), pode ser um valor (como a igualdade), pode ser um sistema (como a divisão de poderes), pode ser um símbolo (como a república).

Algo similar ocorre com a soberania. Em algum momento da história, isso significou algo. Significou uma coisa: uma coisa única, clara e muito concreta. Entretanto, quem lê escritos sobre soberania publicados no século XXI e logo se aproxima de Jean Bodin, o pai do conceito moderno no século XVI, sofrerá uma espécie de colapso térmico. Em termos gerais, podemos dizer que a soberania deixou de ser uma descrição de uma simples circunstância, ou seja, que um ator ostenta mais poder do que outro; para representar com estupefata abstração as aspirações de dignidade de qualquer grupo que se auto-percebe como oprimido.

Não casualmente, os conceitos que se esticam como chicletes na boca política são os que acabam remetendo ao poder do povo. Ou seja, os que servem para bajulá-lo. Democracia: o poder do povo para decidir. Soberania: a dignidade do povo frente a poderes que pretendem oprimi-los. Os exemplos poderiam continuar até constranger.

A partir desta ideia geral, pode-se abordar uma grande variedade de eventos políticos relatados cotidianamente pela mídia em todo o mundo. Neste caso, vejamos o que aconteceu na Nicarágua e em Honduras, com apenas algumas semanas de diferença.

Primeiro ato: Nicarágua, 25 de outubro de 2021. Daniel Ortega nomeia sua esposa e vice-presidente, Rosario Murillo, como co-presidente. Em outras palavras, ele a eleva ao posto presidencial. Entretanto, trata- se de uma operação meramente discursiva: o cargo de co-presidente não existe e não pode ser criado sem reformar a constituição. Além disso, Murillo nem sequer recebe as atribuições de presidente. Usemos, agora, a palavra soberania em toda sua potência: entre Ortega e Murillo, a relação de soberania, o equilíbrio de poder, se inclina forçosamente a favor do presidente. A co-presidência é o brilho deslumbrante de uma rainha nua.

Segundo ato: Honduras, 28 de novembro de 2021. As eleições presidenciais são ganhas por uma coalizão: presidente de um partido, primeiro designado presidencial (equivalente a vice-presidente) de outro. Ninguém fala de co-presidências ou põe em dúvida as hierarquias formais: primeiro, a presidente; abaixo, os vices. No entanto, Salvador Nasralla, o designado presidencial da fórmula eleitoral vencedora, não demorou para marcar território: “Tomaremos decisões junto com [a presidente] Xiomara, estaremos no poder porque não seremos designados como nos partidos tradicionais. (…)não seremos figuras decorativas, vamos concordar com as decisões e participar das decisões que o governo vai tomar a partir de 27 de janeiro”, assegurou o vice-presidente ao El Heraldo.

Posto que estamos situados entre bastidores, vamos recorrer ao grande mestre inglês do gênero. “What’s in a name?”, se perguntava Shakespeare fazendo a voz de Julieta tremer. O que há em um nome? E seguiu: “Isso que chamamos de rosa, perfumaria com outra designação” (em tradução de Matías de Velasco y Rojas, Marquês de Dos Hermanas). Ou seja: os nomes não importam; o que importa são as realidades que eles representam. Romeu ainda seria Romeu se não tivesse Montéquio como sobrenome.

Esta ideia funciona se a levarmos do palco para o cenário político prosaico? Lembremos: os políticos usam palavras como bombas que caem grosseiramente e verticalmente, causando um grande estrondo; não como dardos que deslizam graciosamente, silenciosamente, horizontalmente pelo ar. O “O que há em um nome?” alinhado com a delicadeza de Capuleto se transforma na arena política em um “isso faz alguma diferença se nos entendemos!”

“Pois faz”, respondeu sabiamente Lázaro Carreter. Ele não o escreveu pensando nas instituições políticas, mas é tão aplicável a elas quanto a qualquer outra esfera de nossas sociedades. Pela mesma razão que é perigoso confundir democracia simples com democracia liberal, e essa última com o Estado de Direito; pela mesma razão que é arriscado confundir vice-presidência com co-presidência, e esta última com designação presidencial. E qual é o motivo? Tais confusões não são aleatórias nem inocentes. São bombas rudes e verticais, mas também eficazes e estrondosas. A única coisa que nos protege contra os abusos de poder são as instituições. Se os significados das instituições e seus contornos forem alterados, se as palavras que marcam seus limites forem depreciadas, é uma mera questão de tempo até que ocorram abusos de poder.

As declarações de Salvador Nasralla citadas acima são um exemplo temível. Reiteremo-las: “Tomaremos decisões junto com [a presidente] Xiomara, estaremos no poder porque não seremos designados como nos partidos tradicionais. (…)não seremos figuras decorativas, vamos concordar com as decisões e participar das decisões que o governo vai tomar a partir de 27 de janeiro”.

Nasralla prestou alguma atenção ao artigo 235 da Constituição de Honduras? “ A titularidade do Poder Executivo é exercida em representação e para o benefício do povo pelo Presidente e, em sua ausência, pelos Designados à Presidência da República”. Somente na ausência do Presidente. Enquanto houver um Presidente, os Designados não exercem o Poder Executivo.

Isso faz alguma diferença? Nasralla se perguntará. É a mesma pergunta que Daniel Ortega deve ter feito a si mesmo ao nomear Rosario Murillo como co-presidente. Honduras e Nicarágua se encontram nas posições mais baixas de todos os índices de qualidade democrática. Em outras palavras: faz. E como faz.

*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima

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Politólogo e Doutor em Ciência Política pela Universidade de Salamanca. Especializado na sucessão do poder e na vice-presidência na América Latina.

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