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A arriscada aposta de Kamala Harris

Ao estabelecer uma candidatura totalmente progressista com a escolha de Tim Walz como seu companheiro de chapa, Harris coloca o eleitorado americano num forte contraste político.

De novo, Kamala Harris corrige a proposta da cúpula do Partido Democrata. Nesse caso, na hora de eleger a pessoa que completaria sua fórmula eleitoral, como candidato a vice-presidente. O perfil das equipes democratas apresentava três requisitos eleitorais: homem, branco e de pensamento político centrista. Kamala aceitou duas dessas três características. Tinha de ser homem, porque uma fórmula com duas mulheres seria progressista demais para o público estadunidense. Tinha que ser branca, porque não poderia excluir a maioria racial da chapa presidencial. E era preferível um pensamento moderado e centrista para compensar as tendências progressistas californianas de Harris.

Ao eleger Tim Walz como companheiro de chapa, Kamala aceitou dois dos requisitos eleitorais: é um homem, bastante grande e masculino, raivosamente branco e com antecedentes marciais, ligado há 25 anos à Guarda Nacional. É verdade que essas duas características, homem e branco, os últimos cinco candidatos que foram finalmente reduzidos para três também tinham. Mas quem cumpria plenamente a terceira condição (pensamento centrista) não era Waltz, mas o governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, que encabeçou a lista até o final. Amigo e colega de Harris (foi Procurador Geral da Pensilvânia, assim como Harris foi da Califórnia), é uma figura popular a nível nacional e tem uma influência eleitoral importante: três em cada dez simpatizantes de Donald Trump o apoiariam.

Mas Shapiro tem um ponto controverso. É judeu confessional. De fato, ele seria o primeiro judeu a ocupar um cargo de vice-presidente no país. E isso, na atual conjuntura, fez dele uma vítima colateral do conflito militar no Oriente Médio. Sua defesa irrestrita de Israel não se encaixou bem com a posição mais favorável de Kamala – e de outros setores democratas – em favor de uma negociação entre todas as partes. Ademais, Shapiro tem outra característica dissonante: tem um peso político próprio a nível federal, inclusive dentro do partido, algo que Harris viu como inconveniente, embora o tenha dito em código: “Não quero alguém que só me faça ganhar eleições, mas alguém que compartilhe meus valores e em quem eu tenha confiança pessoal”. Alguns democratas acrescentaram: “e que não me ofusque muito”.

A escolha final, Tim Walz, claramente atende ao terceiro parâmetro que Kamala queria. Compartilha totalmente as abordagens progressistas de sua chefe e é, de fato, o preferido dos vários grupos progressistas e de esquerda dentro do partido, especialmente com relação aos pontos altos do programa (direitos sexuais e reprodutivos, migração, serviços sociais, etc.). Por outro lado, Walz, que não tem tanto capital político quanto Shapiro, tem uma fama de confiável em sua vida política e atende ao nível de lealdade exigido por Harris.

Entretanto, ao ter estabelecido uma fórmula totalmente progressista, Harris coloca o eleitorado estadunidense em um cenário de forte contraste político. É difícil encontrar uma imagem mais oposta do que cada um dos candidatos a presidente apresenta. A questão é saber se essa eleição polarizada favorece Harris ou Trump. Como disse um observador democrata: “não importa tanto o quanto Kamala pareça simpática e progressista, mas se isso é o que realmente precisamos para impedir que Trump retorne ao governo dos Estados Unidos”. Nessa perspectiva, a escolha de Kamala por Walz como seu companheiro de chapa pode ser invertida: pode ser que alguém que compartilhe seus valores e lhe dê confiança pessoal não a ajude o suficiente para vencer a eleição.

Em todo caso, Harris elegeu um caminho distinto do preferido pela liderança democrata, que buscava evitar o cenário polarizado, no qual as apostas são altas e oferece um flanco fácil, o que a equipe de Trump atacou imediatamente: “é a fórmula do esquerdismo radical”, disse um de seus porta-vozes; enquanto Trump garantiu: “Estou encantado com a decisão de Kamala de escolher Walz, porque isso mostra seu verdadeiro grau de esquerdismo”. Harris definitivamente conseguiu arrastar seus apoiadores pelo caminho do entusiasmo, mas não há dúvida de que ela optou por uma arriscada aposta eleitoral. Tomara que dê certo.

Autor

Enrique Gomáriz Moraga tem sido pesquisador da FLACSO no Chile e outros países da região. Foi consultor de agências internacionais (UNDP, IDRC, BID). Estudou Sociologia Política na Univ. de Leeds (Inglaterra) sob orientação de R. Miliband.

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