Um dos princípios cardinais no estudo da política é a distribuição, o acesso e a conservação do poder político. Essa dinâmica é crucial, não só para determinar quem governa, mas também para compreender como é exercido e perpetuado o controle dentro de um sistema político. O processo político venezuelano é um exemplo contemporâneo para examinar como foi imposto um modo autoritário de exercer o poder. Nesse sentido, é fundamental reconhecer que o que realmente está em jogo na Venezuela é o controle democrático dos instrumentos constitucionalmente estabelecidos para o exercício do poder.
A política pode ser conceituada como o conjunto de interações mediante as quais indivíduos e grupos buscam influenciar a distribuição de poder e as decisões que dele derivam. Em um sistema democrático, a política se baseia na construção de regras consensuais para o acesso e o exercício de poder; os conflitos são resolvidos por meios institucionalizados, em que as partes envolvidas gozam de direitos iguais e espera-se cooperação mútua para o bem comum.
Em contrapartida, em um sistema autoritário, as regras são manipuladas para favorecer quem detém o poder ou, em casos mais extremos, são criadas maneiras arbitrárias segundo a conveniência dos governantes para satisfazer exclusivamente seus próprios fins. Como resultado, não existem mecanismos institucionais efetivos para a resolução de conflitos, que são transferidos para o nível de contestação política não institucional.
Na Venezuela, a democracia foi profundamente distorcida por um processo sistemático de cooptação e manipulação autoritária de instituições que, de acordo com a Constituição, deveriam ser independentes e estar a serviço da sociedade como um todo. Desde a chegada de Hugo Chávez ao poder e a subsequente consolidação do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), liderado por Nicolás Maduro, o país tem testemunhado uma estratégia deliberada dirigida a concentrar o poder nas mãos do Executivo, resultando em uma erosão total da independência dos poderes públicos e na obstrução efetiva da vontade popular.
As eleições de 28 de julho de 2024 representam um ponto de inflexão nesse processo. Historicamente, o governo venezuelano tem empregado táticas de vantagismo eleitoral, restrições ao espaço cívico, limitações ao debate público e repressão seletiva de jornalistas, líderes e ativistas. No entanto, nessa ocasião, essas estratégias foram insuficientes para garantir um resultado eleitoral favorável antes do dia da votação. Diante desse cenário, o governo optou por recorrer à fraude eleitoral como último recurso para manter o poder, uma decisão que reflete uma ruptura definitiva com qualquer pretensão de legitimidade democrática.
Esse contexto provocou uma transformação radical na política venezuelana, na qual a violência, tanto política quanto institucional, tornou-se a principal forma de interação do governo com seus oponentes, com a sociedade civil e com o povo em geral. A dimensão cooperativa da política, caracterizada pelo diálogo e pelo compromisso, foi completamente desmantelada por um governo que se recusa terminantemente a reconhecer a derrota nas urnas e a demanda dos venezuelanos por mudanças políticas. Nesse sistema, a vontade do povo não é só ignorada, mas é percebida como uma ameaça existencial para os que estão no poder.
Assim, a política na Venezuela deixou de ser um meio de alcançar o bem comum e se transformou em uma ferramenta de dominação, em que a sobrevivência do regime depende exclusivamente de sua capacidade de manter o poder a todo custo, sem importar as consequências para a sociedade e a nação. Enquanto isso, será cada vez mais difícil para a sociedade venezuelana levantar sua voz como resultado da repressão, e muitos venezuelanos optarão por deixar um país que lhes nega as oportunidades de realizar seu projeto de vida em um ambiente relativamente estável, pacífico e democrático. Em meio a essa situação, a comunidade internacional democrática se vê acuada por sua própria incapacidade de promover mudanças democráticas no país.