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A consulta e as eleições no Equador: o tiro pela culatra

Os resultados da jornada eleitoral de 5 de fevereiro no Equador geraram um terremoto político que altera os equilíbrios de poder e reconfigura os cenários para a segunda metade do mandato do presidente Guillermo Lasso. Duas grandes agendas políticas entraram em jogo nesta consulta: por um lado, as eleições de autoridades seccionais, prefeitos e prefeitos provinciais, assim como de membros do Conselho de Participação Cidadã; por outro lado, as oito perguntas da consulta ou referendo, sobre temas de segurança, institucionalidade e proteção ambiental. Duas linhas que, combinadas, iriam produzir mais de uma confusão, não só pela complexidade técnico-jurídica das perguntas, mas pela possível utilização ou instrumentalização política que poderiam sofrer ao estarem inseridas em um processo eleitoral no qual as forças estavam fragmentadas e com tendência à polarização.   

Qualquer consulta popular tem um componente plebiscitário sobre a gestão de quem governa, em particular quando este é quem a convoca. Incluir a consulta sobre temas altamente delicados para os cidadãos, que se esperava ser facilmente aprovada, sugeriu que o objetivo oculto do governo era sua própria legitimação. Os temas possuem enorme relevância e para muitos setores abriram a possibilidade de discutir aspectos necessários da reforma política. O desafio então era impedir que a linha plebiscitária sobre a gestão do governo empurrasse o debate sobre as perguntas da consulta em segundo plano, mas o turbilhão e a vertigem das eleições se encarregaria de engoli-las.

Nas 8 perguntas da Consulta, os resultados são negativos para o governo, embora a margem de diferença não seja substancialmente alta. Na pergunta 1 sobre extradição em casos de delitos transnacionais, o não ganhou com uma escassa margem de 2%. As perguntas 5 e 6 visavam restaurar a capacidade da Assembleia de designação dos órgãos de controle, assim como a redução do tamanho da assembleia e a regularização das organizações políticas locais. Aqui, a margem de diferença não ultrapassa 10 pontos em média.

O mesmo aconteceu com o resultado eleitoral, o triunfo da oposição é generalizado e amplo em todo o país. O movimento correísta ganhou as prefeituras nas quatro províncias mais populosas (Guayas, Pichincha, Manabí e Azuay), bem como as prefeituras de Quito e Guayaquil. A participação do partido do governo foi completamente marginal, confirmando a falta de apoio organizacional do regime. É provável, ademais, e talvez por esta mesma razão, que o governo tenha posto todas as suas energias na consulta, descuidando da presença de seu apoio político.

O resultado, no entanto, permanece surpreendente. Diferentes estudos de opinião registravam, poucos dias antes do evento eleitoral, uma alta aprovação dos temas da consulta. Parecia que a conjuntura mostrava o crescimento de debate genuíno entre as distintas opções apresentadas, mas a tendência à polarização inerente do enfrentamento eleitoral tendia a se sobrepor à dinâmica deliberativa. A contaminação inevitável entre o objeto da consulta e a tentação, tanto por parte do regime de usá-la para se re-legitimar, como da oposição para enfraquecer o governo, acabou tirando qualquer sentido da proposta de reforma institucional.

O triunfalismo não é um bom conselheiro, gera a impressão de que o poder não tem limites. Assim que a contagem eleitoral terminou, o ex-presidente Correa propôs a possível destituição do presidente Lasso antes de terminar seu mandato, uma proposta que ecoa nas posturas maximalistas da Revolução Cidadã instaladas na Assembleia Nacional, que poderiam ativar o processo de juízo político e a destituição do presidente. O governo, por sua vez, levado a um impasse virtual sem saída, poderia optar pelo expediente da morte cruzada, que consiste na destituição da Assembleia e convocação de eleições antecipadas para o presidente e membros da Assembleia dentro de seis meses.   

O panorama ainda não é muito claro. Por um lado, resta saber se prevalecerá o apetite do maximalismo correísta para tomar o poder, sem respeitar as margens impostas pela Constituição, ou, pelo contrário, se optará por manter a estabilidade do regime e postulará uma mudança para as eleições presidenciais de 2025. Para as autoridades eleitas do próprio correísmo se apresenta uma grave encruzilhada: apresentar resultados de gestão em prazos curtos para aplacar a demanda cidadã, ou trabalhar em função do interesse e da fome de poder de seu líder carismático.

As lições deixadas pelo resultado, tanto do referendo quanto das eleições, são muito significativas: a necessidade de ter muito claro os alcances e limites da consulta como expediente da democracia direta. Certamente não é muito aconselhável a opção plebiscitária para tratar de temas transcendentais de redesenho institucional, que requerem doses menores de politização e paixão política, e pior ainda se faz no contexto de um processo eleitoral onde as considerações e cálculos imediatistas da conjuntura atual são dominantes.  

O resultado do referendo indica que a reforma institucional permanece válida e é um importante leit motiv para setores amplos que votaram pelo sim. A médio prazo, esta demanda certamente voltará a ser apresentada. O que é difícil prognóstico é o resultado da situação atual: resta verificar se o governo ainda tem força e inteligência política suficiente para realizar um giro de 180 graus e modificar suas linhas políticas que exacerbaram as assimetrias sociais e econômicas, e, por outro lado, se o correísmo pode ou não demonstrar seu compromisso com o fortalecimento da democracia e de suas instituições.

Em 2007, o movimento de revolução dos cidadãos arrasou com toda institucionalidade democrática em nome da necessidade de refundar o Estado. Agora, com sua própria Constituição vigente e quase sem modificações, qual seria a justificativa para violar a ordem que eles mesmos criaram?

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Sociólogo. Lecionou em diferentes universidades do Equador e é autor de vários livros. Doutor em Sociologia pela Università degli Studi di Trento (Itália). Especializado em análise política e institucional, sociologia da cultura e urbanismo.

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