Coautora André Bakker da Silveira
Passados 75 anos do nascimento da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, é espantoso notar que o clima de ódio, opressão e violência que instigaram o desenvolvimento desse importante documento estão bastante vivos e influenciando todo o nosso campo político, inclusive a elaboração de nossas políticas públicas. Em especial, jovens são hoje alvo fácil de discursos extremistas que buscam desestabilizar as instituições, notadamente, aquelas voltadas à construção e disseminação de uma cultura cidadã, democrática e de respeito aos direitos humanos: as escolas.
Como mostram dados do levantamento Raio-x de 20 anos de ataques a escolas no Brasil, realizado pelo Instituto Sou da Paz, ataques, infelizmente, tornaram-se frequentes no Brasil e, por isso, ganharam grande atenção. Por trás desses eventos, há uma gama de situações, como a cooptação pelo extremismo, questões de saúde emocional e a disseminação crescente de discursos de ódio por agentes políticos influentes.
Diante desses fatores que, em última análise, envolvem a efetivação de políticas públicas (de educação, segurança, saúde etc.), torna-se incontornável apontar que o Estado brasileiro vem falhando nos últimos 20 anos na concretização de uma política fundamental: a de construção de uma cultura de respeito aos direitos humanos. Política que deve ter, no centro, os jovens.
Segundo pesquisa da Open Society Foundations, em 2023, 26% dos jovens brasileiros entre 18 e 35 anos não acreditam que a democracia é a melhor forma de governo. Na média dos 30 países em que o levantamento foi realizado, esse número chega a 43%.
Essa cultura de ódio, que atua nos espaços públicos e privados e é intencionalmente pautada em valores contrários à pluralidade e aos direitos humanos, toma as pessoas pelas vias dos afetos, mas, vende-se como sendo estritamente técnica e racional.
São os memes e piadas machistas, racistas e fascistas; as ideias que põem a economia como tendo prioridade sobre a vida; e os rompantes autoritários que defendem a invasão de espaços como escolas e universidades para controlar o que é dito e ensinado. Todos esses acontecimentos alçaram o papel de política pública nos últimos anos e é também por isso que têm se tornado parte do atual caldo cultural.
Essa estratégia de pânico moral só é frutífera porque encontra solo fértil em problemas reais da nossa sociedade. No caso das escolas, é importante sublinhar que convivem com episódios de violência cotidianamente, muitas vezes passando despercebidos ou naturalizados indevidamente. Discriminação, bullying, conflitos interpessoais, agressões físicas, são apenas alguns exemplos do que estudantes e profissionais da educação vivenciam. Enfrentar as violências que afetam as escolas demandam ações em diferentes níveis e envolvem atores diversos.
Dentre as políticas públicas que devem ser fortalecidas no enfrentamento do extremismo violento contra as escolas, destacamos a de Educação em Direitos Humanos. Como mostra uma pesquisa do Instituto Aurora, essa área foi enfraquecida durante o governo de Jair Bolsonaro, tendo estruturas vitais descontinuadas — como é o caso do extinto Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos.
Não à toa, a Educação em Direitos Humanos é mencionada nos relatórios dos dois grupos de trabalho criados pelo Governo Federal para estudar e propor ações sobre o fenômeno da violência contra as escolas e o discurso de ódio, do Ministério da Educação e do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, respectivamente.
De acordo com os documentos, é preciso fortalecer e ampliar a presença da Educação em Direitos Humanos nos espaços educativos e de formação; capacitar agentes públicos; revisar documentos; e ampliar os espaços de escuta e diálogo participativo sobre o tema.
Uma política pública de Educação em Direitos Humanos revista e atualizada deverá ser capaz de fortalecer iniciativas que promovam uma cultura de respeito aos direitos humanos.
Além da educação há um grande destaque para a segurança pública, que é dever do estado e um direito que deve ser oferecido a todos e todas e, a partir disso, precisa ser compreendida como uma política pública que necessita articular os diferentes níveis de governo e desempenhar ações multidisciplinares, possibilitando a prevenção de crimes e violências e não apenas à sua repressão.
No Brasil, a atuação repressiva é comumente utilizada. Não à toa lidamos com o elevado número de jovens mortos, em sua maioria negros, por agentes do Estado. Essa ação institucionalizada é chamada de necropolítica. É evidente que a dimensão de controle e repressão à criminalidade é importante, porém exige planejamento, inteligência e investimento. Investir nas políticas de prevenção à violência deve ser uma prioridade, ou seja, os recursos seriam focados nas causas do problema e na promoção de soluções mais efetivas e não apenas em combatê-las após suas ocorrências.
Considerando que os ataques a escolas cometidos com armas de fogo geraram três vezes mais vítimas fatais do que com armas brancas e que em 60% dos casos cometidos com arma de fogo, esta foi adquirida pelo agressor em sua própria residência (resultado das políticas de facilitação do acesso a armas do governo Bolsonaro), uma primeira ação é a efetivação das medidas de controle e fiscalização na compra e posse de armas de fogo. Restringir acesso de armas a agressores é fundamental, além disso, reforça-se a exigência de local de guarda (cofre) da arma, diminuindo as chances de acesso ao armamento por criança ou adolescente.
Outra medida importante é o treinamento de policiais civis estaduais no reconhecimento de ideologias extremistas e grupos que promovem crimes de ódio, assim como metodologias de pesquisa em ambiente digital (onde tradicionalmente estes crimes são planejados, fomentados e celebrados). O foco no mapeamento e desmantelamento dos grupos que cooptam adolescentes e jovens é urgente. Através do monitoramento de redes sociais, inúmeras pessoas foram presas no decorrer deste ano, outras seguem sendo investigadas e possíveis ações motivadas por extremismo, racismo e misoginia foram desbaratadas, mostrando a efetividade desta ação investigativa e de inteligência.
Em paralelo, é possível acompanhar as ocorrências escolares e os boletins de ocorrência de polícia civil que mostrem sinais de escalonamento de violência, para atuar de forma a inserir, nestas unidades, ações mais urgentes, guiadas pela Educação em Direitos Humanos. Para que possamos ter uma sociedade sem ataques extremos contra as escolas, precisamos pensar na prevenção de violência em todas as instâncias, começando pelas práticas cotidianas escolares e envolvendo todas as políticas públicas, tais como saúde, cultura e assistência social.
Tamanha desigualdade social e falta de investimento público no acesso a serviços públicos de qualidade contribuem com a descrença nas instituições e com o esfacelamento da vida em sociedade. Políticas públicas que garantam o acesso aos direitos básicos são estratégicas na contenção de políticas públicas baseadas na cultura de ódio e, só assim, poderemos promover uma cultura de respeito aos direitos humanos.*Este texto faz parte do projeto (Re)conectar: aproximando pessoas para superar a violência às escolas, realizado pelo Instituto Aurora, com apoio institucional do L21. Para apoiar a iniciativa, acesse: https://bit.ly/projeto-reconectar