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A mirada ambiental das negociações na Venezuela

A invasão russa à Ucrânia gerou importantes mudanças na geopolítica mundial. A aliança do Atlântico Norte foi fortalecida e enfrentou, ainda com ostensiva unidade de critérios, a agressão do Kremlin com sanções financeiras e comerciais importantes. Um efeito secundário deste conflito foi o aumento da volatilidade no mercado energético global e o consequente ressurgimento dos interesses da indústria dos hidrocarbonetos, que vinha em declínio por conta da luta contra os efeitos das alterações climáticas e das pressões globais para se alcançar uma transição energética. 

Estas mudanças também foram sentidas na Venezuela. No contexto da proibição de importação de petróleo bruto proveniente da Rússia para os Estados Unidos, a administração de Joe Biden enviou uma comitiva oficial à Venezuela com a intenção de reativar as negociações entre o regime de Nicolás Maduro e a oposição. 

No centro da iniciativa estaria o possível levantamento de sanções petrolíferas que facilitariam retomar os investimentos de empresas petrolíferas estagnadas no país e o fornecimento progressivo de petróleo ao mercado estadounidense. Até agora, o levantamento das sanções era interesse exclusivo do governo de Maduro, mas um fator exógeno, a volatilidade do mercado energético global, gera interesses semelhantes na administração estadounidense, que busca aliviar o seu abastecimento interno e mitigar as pressões crescentes dos preços nos postos de gasolina. 

É evidente que a Venezuela não tem a capacidade de competir com o fornecimento de petróleo bruto russo a nível global, e que mesmo a substituição do fornecimento exclusivamente no mercado estadounidense exigiria investimentos e mudanças importantes, especialmente no regime de sanções. A produção venezuelana caiu drasticamente nos últimos cinco anos, subtraindo mais de um milhão de barris por dia do mercado global. A Venezuela produz atualmente cerca de 800.000 barris por dia, menos de um terço de sua maior produção no final dos anos 90 do século passado.

Um aspecto pouco explorado da situação da indústria petrolífera venezuelana é o efeito ambiental do seu declínio. Para além da necessidade de acordos políticos para retomar a democracia e recuperar uma trajetória de crescimento econômico, é necessário também voltar-se para a mirada ambiental e forjar acordos que convoquem a uma transição sustentável. 

Uma transição depredadora

O colapso da indústria petrolífera venezuelana assemelha-se ao que denominei uma transição depredadora. Refere-se a um declínio não planejado e nem desejado na produção de hidrocarbonetos de um petro-Estado tradicional, incapaz de cuidar da origem das fontes de renda das quais vive.

Este desmantelamento tem sido em parte consequência da crescente autocratização do país e da capacidade da elite política de subverter restrições institucionais e sociais ao seu poder, e em parte, efeito das sanções impostas pelos Estados Unidos. Uma consequência evidente desta transição depredadora é que o declínio da dependência do petróleo foi, simultaneamente, destrutivo para os ecossistemas do país e para a proteção social da sua população

Com o desmantelamento do Estado petrolífero, foram instauradas e expandidas dinâmicas depredadoras como a mineração informal e ilegal por grupos armados e com escassos mecanismos de controle e proteção ambiental e laboral. Há mais: a indústria petrolífera tem sido incapaz de fornecer energia ao mercado local, e o governo estabeleceu alianças opacas com o Irã e outros países que envolvem o intercâmbio de ouro por diluentes e gasolina. 

As dificuldades na produção de gás natural conduziram a uma grave escassez e os preços das bombonas de combustível para consumo doméstico dispararam no mercado informal. O resultado foi, inicialmente, a desflorestação espontânea de florestas para converter madeira de árvores em lenha nas populações mais necessitadas e, posteriormente, o crescente corte de árvores em áreas urbanas para a distribuição de mercados informais de madeira. 

O país se viu, além disso, mergulhado numa espiral de falhas elétricas, resultado de abandono e desinvestimento na infraestrutura hidroelétrica, o que incentiva o uso de instalações que dependem de combustíveis fósseis. 

A reinstitucionalização em foco

Embora a possível reativação das negociações entre governo e oposição devem ser bem-vindas após os fracassos de outras estratégias de pressão, é importante reconhecer que o governo Maduro chega a esta negociação fortalecido e a oposição dividida e debilitada. 

As tentativas de reavivar as rodadas de conversações não são novas e levam meses em preparação através de canais de comunicação discretos entre os atores e mediadores, mas o renovado interesse estadounidense vem de um fator exógeno – a guerra russo-ucraniana – e não das condições internas da Venezuela. 

Na atualidade, as negociações buscam a reinstitucionalização do país: encontrar mecanismos que facilitem o encontro de atores opostos sob regras claras, formas de resolução de conflitos e prestação de contas perante a população. Essa reinstitucionalização seria sem dúvida uma pedra angular para uma possível democratização a médio prazo.

Contudo, a reinstitucionalização deve considerar o contexto nacional após anos de declínio económico e de abertura direcionada. Gerar pontos de encontro que facilitem o retorno do abastecimento de petróleo venezuelanos aos Estados Unidos deve implicar, como contrapartida, acordos entre os atores nacionais para solucionar problemas urgentes que a transição depredadora provocou. 

Os atores políticos devem acordar sobre o retorno do Estado de direito e o controle político territorial de áreas ecológicas sensíveis e zonas protegidas no maciço das Guiana e na Amazônia venezuelana. Se o petróleo venezuelano começa a fluir nos mercados, deverá fazê-lo segundo critérios de transparência e instituições inclusivas, e em troca de restringir o fluxo de ouro informal e ilegal que enriquece as máfias violentas que exploram as comunidades e destroem o ambiente. 

O aumento progressivo da produção nacional deve ser acompanhado de um plano de satisfação de necessidades locais, não apenas internacionais, de energia. A satisfação destas necessidades permitirá deter a curto prazo a desflorestação e a destruição ambiental. 

Nos últimos anos, o foco do desenvolvimento econômico venezuelano deslocou-se do Cinturão Petrolífero do Orinoco para o mal denominado Arco Mineiro do Orinoco (a mineração estende-se muito para além desta zona demarcada pelo governo) na margem sul do rio. A possível reativação da indústria petrolífera requer uma avaliação dos efeitos ambientais destas transformações, a atribuição de responsabilidades e a reparação de danos, bem como um plano a longo prazo que inclua considerações sobre as alterações climáticas e a necessária redução da extração de hidrocarbonetos. 

Pensar no desenvolvimento econômico venezuelano de uma perspectiva sustentável está interligado com o retorno da democracia e com instituições plurais que não só incluam diversos atores políticos, mas que também prestam contas perante as comunidades.

Autor

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Professor de Ciências Sociais da Universidade de York (Toronto, Canadá). Doutor em Governo Global pela Universidade de Waterloo (Canadá). Suas investigações se concentram em temas de economia política, extração de recursos naturais, energia e democracia.

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