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A (nova) Constituição do Chile: uma oportunidade perdida?

O processo de criação de uma nova Constituição como o que está acontecendo no Chile é importante não apenas para a sociedade chilena, mas para toda a região. Se a proposta for finalmente aprovada no plebiscito de “saída” de 4 de setembro de 2022, a nova Constituição se juntaria às novas Constituições da região, como as aprovadas na Venezuela em 1999, no Equador em 2008 e na Bolívia em 2009. Entretanto, o caso do Chile apresenta algumas peculiaridades.

O processo de criação de uma nova Constituição como o que está acontecendo no Chile é importante não apenas para a sociedade chilena, mas para toda a região. Se a proposta for finalmente aprovada no plebiscito de “saída” de 4 de setembro de 2022, a nova Constituição se juntaria às novas Constituições da região, como as aprovadas na Venezuela em 1999, no Equador em 2008 e na Bolívia em 2009. Entretanto, o caso do Chile apresenta algumas peculiaridades.

Primeiro, desde sua transição para a democracia em 1989, esse país tem mantido uma relativa estabilidade política, superior a grande parte dos países da região, já que não foi até 2019 que protestos em massa revelaram insatisfação social, particularmente com o sistema econômico.

Em segundo lugar, o Chile é um dos poucos países cuja população manteve um grau médio-alto de satisfação com a democracia, já que, de acordo com dados do Latinobarómetro de 1995 a 2020, a preferência pela democracia superou constantemente a preferência pelo autoritarismo. E em terceiro lugar, embora o Chile tenha mantido a Constituição de 1980, de origem pinochetista, em 2005 suas elites conseguiram adaptá-la à democracia. Mas esse modelo parece estar esgotado, e em outubro de 2020 a maioria dos chilenos (78%) votaram para criar uma nova Constituição, e em maio de 2021 a Convenção Constitucional foi eleita.

Enquanto os processos na Venezuela, Equador e Bolívia tiveram uma forte influência de lideranças populistas, no Chile há uma pluralidade de atores envolvidos, embora com uma clara maioria com inclinação para a esquerda. Neste contexto, é preocupante a vantagem em favor da “rejeição” no plebiscito de ratificação.

 Uma Constituição é essencialmente um pacto para assegurar direitos, distribuir obrigações e organizar relações entre grupos de poder que em um dado momento estão disputando a hegemonia da política. Há constituições que duram no tempo, e outras que não, e há aquelas que são eficientes, e outras que se tornam letra morta. As constituições democráticas não são as mesmas que aquelas que sustentam regimes não-democráticos. As constituições escritas, ao contrário das não escritas, próprias da tradição da common law, devem mudar com o espírito do tempo. Ou se adaptam ou devem ser substituídas. 

As constituições são o espaço onde os fatores de poder medem suas forças dentro dos sistemas políticos. Portanto, o projeto institucional corporificado em uma Constituição é fundamental e deve favorecer um equilíbrio entre uma adequada representação política e uma eficiente governabilidade do sistema.

Se a representação for favorecida em relação à governabilidade, criam-se situações de instabilidade e se a governabilidade for favorecida em relação à representação, gera-se um sistema rígido. A longo prazo, ambas as situações levam à deslegitimação do regime político. O êxito das Constituições democráticas e escritas não depende necessariamente de sua origem, se foram redigidas democraticamente; depende se os princípios que postulam são universais e se a cidadania os internaliza.

Independentemente de quão democraticamente a Convenção Constitucional foi formada, parece que não houve um diagnóstico profundo do que a cidadania chilena expressou por outras vias, e a ausência disto está levando a uma proposta de Constituição pouco inovadora. Segundo o Latinobarómetro 2020, existe um crescente mal-estar com o governo, independentemente de sua direção política. Mais de 70% dos entrevistados têm pouco interesse em política, e o presidente, o Judiciário, o Congresso e os partidos políticos, nessa ordem, são as instituições que geram menor confiança.

Mas no projeto se confirma o presidencialismo como forma de governo, como se não houvesse uma insatisfação com este sistema. A nova Constituição cria uma presidência limitada e controlada por vários órgãos autônomos, cria um Legislativo bicameral assimétrico, no qual a Câmara dos Deputados praticamente monopoliza a criação de leis, a decisão sobre quais leis são urgentes e o controle sobre os gastos públicos. Também condiciona os resultados das votações na Câmara das Regiões (Câmara Alta) ao fato de que, quando sua votação seja negativa em relação ao que é aprovado na Câmara Baixa, o resultado ainda pode ser submetido a uma comissão mista de ambas as câmaras “para resolver discrepâncias”.

Muitas funções de Estado estão super-regulamentadas no projeto. Isto seria remediado se os princípios estivessem bem estabelecidos e claramente exigidos para serem implementados em leis secundárias. Entretanto, ao colocar questões fundamentais e regulatórias no mesmo nível constitucional cria rigidez institucional, o que pode abrir as portas para soluções não democráticas. A história recente do Peru, que ao parlamentarizar seu presidencialismo gerou um sistema altamente instável, deveria ter sido um exemplo a ser considerado pelos membros da Convenção.

Embora a atual Constituição tenha 147 artigos, o projeto de proposta contém 499 que, em conjunto, propõem uma Constituição quase liberal porque faz distinções entre grupos de pessoas. Embora assuma os valores de liberdade e igualdade, deixa amplos espaços para a contradição.

A Constituição proposta é também quase democrática, pois a ideia de democracia está incorretamente adjetivada e carece de categorização taxonômica, pois não está claro se se fala de democracia como gênero ou espécie. Por exemplo, o termo “democracia representativa” nunca aparece, mas todo o desenho institucional é precisamente o de uma democracia representativa.

Em contraste, a palavra “paritária” ou “paridade” aparece 36 vezes, “plurinacional” 18 vezes, “democracia” e “democrática” 40 vezes, enquanto “participação” 140 vezes, “representação” e suas derivações apenas 73 vezes, enquanto o termo “partidos políticos” aparece apenas 4 vezes e de forma proibitiva. Em muitos casos, o que é postulado como princípio aparece como substantivo, outras como adjetivo, às vezes como verbo, o que cria assim contradições com outros termos, mesmo no mesmo parágrafo.

O projeto ainda deve ser harmonizado e deverá ser entregue em 4 de julho, mas o problema é que as sementes do desencanto já foram semeadas. Se o projeto fosse finalmente aprovado por maioria simples, seria uma imposição para o resto dos cidadãos e, em vez de um passo à frente, seria um grave retrocesso com consequências imprevisíveis. Até agora as pesquisas mostram que esta não é a Constituição que a sociedade chilena deseja, portanto, se for rejeitada, uma oportunidade histórica também terá sido perdida.

*Tradução do espanhol por Giulia Gaspar.

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Cientista político. Professor da Universidade de Guanajuato (México). Doutorado em Ciência Política pela Universidade de Florença (Itália). Suas áreas de interesse são a política e as eleições na América Latina e a teoria política moderna.

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