Coautores Stefania Vitale e Juan Manuel Trak
A oposição venezuelana anunciou que as primárias estão no horizonte. Conseguirão com elas a validação de uma liderança capaz de disputar o poder com o chavismo em 2024? Para abordar este questionamento, devemos entender a fragmentação atual da oposição venezuelana e seus antecedentes.
O crescimento eleitoral da oposição entre 2009-2016 esteve vinculado à criação da Mesa de la Unidad Democrática (MUD), um mecanismo de coordenação criado por diferentes partidos da oposição para aumentar sua competitividade. Entretanto, devido ao processo de autocratização que envolveu o uso seletivo de diferentes mecanismos de repressão por parte do governo de Nicolás Maduro, a luta irresolúvel pela hegemonia da liderança da oposição e uma míope administração de seu êxito nas eleições parlamentares de 2015, a MUD foi desmantelada.
Desde então, os grupos de oposição não conseguiram coordenar-se de maneira efetiva. O diagnóstico de uma oposição debilitada pode ser visto através das eleições regionais de 2021, nas quais o bloco de oposição teve a oportunidade de alavancar seu próprio potencial competitivo, mesmo quando medido em relação ao PSUV.
Embora a oposição venezuelana contasse então com potencial eleitoral a nível subnacional, como apontamos em uma publicação recente, esta foi incapaz de aproveitá-lo. Em 2021, o voto não oficialista superou o bloco do governo em mais de 50% em 19 dos 23 estados que compõem o mapa regional venezuelano. Não obstante, esta margem se traduziu em apenas quatro governos a favor. Visto de outro modo, o eleitor que votou a favor de um candidato diferente do PSUV o fez selecionando uma das várias opções antigovernamentais. Isso significou que a proporção de votos recebidos por todos esses candidatos em sua totalidade superou a proporção de votos registrados pelo candidato do governo.
Este quadro contrasta com a tendência das eleições subnacionais anteriores. Em eleições prévias, a MUD concentrava quase a totalidade dos votos distintos aos candidatos do partido do governo, ainda que seu teto eleitoral não fosse suficientemente alto para conquistar mais governanças a seu favor.
Diante do fracasso de produzir uma mudança de regime político desde 2019, uma espécie de retificação da rota institucional parece estar surgindo. Vários partidos retomaram o trabalho de organização e mobilização de sua militância e da sociedade, e anunciaram sua participação nas primárias em 2023, visando as eleições presidenciais de 2024. Isto abre uma possibilidade para a recomposição da oposição? Depende.
Cabe recordar que as eleições primárias constituem um mecanismo de seleção de candidaturas possíveis entre tantos outros. Portanto, estas não consistem em uma estratégia política ou um meio para escolher uma “visão de país” ou uma “liderança nacional”, mas uma ferramenta de coordenação apenas para decidir quem vai competir contra Maduro em 2024. Mais ainda, as primárias requerem uma coordenação prévia em termos de financiamento, formação da equipe organizadora, regulamentos e acordos pré e pós-eleitorais, capacitação de testemunhas, mobilização de eleitores e, fundamentalmente, consenso sobre um objetivo e uma estratégia prévia para ser eficaz no futuro.
Neste sentido, a ausência de acordos institucionalizados antes das primárias e, em um contexto particular de partidos debilitados, poderia implicar o aprofundamento de problemas de ação coletiva, como baixo alinhamento de incentivos para trabalhar em torno de objetivos coletivos de longo prazo, incapacidade de neutralizar oportunistas e pouca credibilidade mútua.
As primárias poderiam motivar uma mentalidade de “winner-takes-all”, o que implicaria que, após as eleições internas, se sobreponham os incentivos individuais aos coletivos por parte do vencedor e seu partido, sobretudo a partir do momento que estes consigam acesso a mais recursos financeiros e dominem, portanto, a tomada de decisões em nome do resto e da sociedade venezuelana. Por outro lado, poderia comprometer o fator representatividade, já que poderia ser selecionada uma candidatura que represente uma minoria mobilizada, mas não a maioria que aspira as mudanças políticas na Venezuela.
Sem um mecanismo prévio de coordenação formal, as primárias poderiam exacerbar a fragmentação e a polarização entre partidos e grupos opositores. Esta possibilidade, em um contexto autoritário, poderia ser explorada pelo governo para maximizar as contradições e apelar ainda mais para a cooptação e a repressão seletiva para reforçar a divisão. Isto aprofundaria os incentivos de optar por uma estratégia maximalista ou “spoiler” do processo eleitoral por parte de alguns setores.
O desafio que a oposição venezuelana tem pela frente é enorme e não se resolve (inteiramente) com a realização de primárias. Pelo contrário, dada a fragmentação atual, é importante priorizar o trabalho de construir uma nova coalizão pró-democracia entre jovens políticos e líderes experientes que criem e assumam posições mais realistas, prontos para negociar e comprometidos com uma transição para a democracia.
Um movimento amplo, inclusivo e inovador que estreite laços com a sociedade civil, e que tenha empatia com as necessidades da população, poderia gerar esperança e, assim, motivar a mobilização em massa necessária para uma possível mudança no futuro.
Stefania Vitale, economista (Universidade Católica Andrés Bello, UCAB), Mestre em Gestão Pública (IESA) e doutoranda no Centro de Estudos de Desenvolvimento da Universidade Central da Venezuela (UCV), @svitalem
Juan Manuel Trak, pesquisador independente, México. Doutor em processos políticos contemporâneos e mestre em Ciência Política pela Universidade de Salamanca, @juanchotrak
*Tradução do espanhol por Giulia Gaspar.
Autor
Doutora em Ciência Política pela Universidade de Oxford. Pesquisadora de pos-doutorado na Oxford School of Global and Area Studies. Estuda processos de democratização e autoritarismo na América Latina.