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A parceria estratégica entre Brasil e China deve colocar o desmatamento no centro das atenções

Em sua tentativa de posicionar o Brasil como líder global na ação climática, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o compromisso ambicioso de acabar com o desmatamento até 2030.

Em sua tentativa de posicionar o Brasil como líder global na ação climática, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o compromisso ambicioso de acabar com o desmatamento até 2030. Essa meta representa um passo fundamental diante das contradições domésticas, enfrentadas pelo Brasil, relativas à economia política da degradação ambiental e do desmatamento.

Os recentes incêndios florestais e enchentes ressaltam a urgência de proteger as florestas brasileiras, que são essenciais não apenas para o clima global, mas também para a segurança alimentar e as economias locais do Brasil. Com mais da metade de suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) relacionadas ao uso da terra e ao desmatamento, no caso do Brasil, alcançar essa meta é crucial não só para o futuro ambiental do país, mas para todo o planeta.

Apesar do progresso feito sob a administração Lula, os desafios permanecem enormes. Iniciativas como a Moratória da Soja, que restringe o desmatamento para o cultivo de soja na Amazônia, estão sob pressão, e o desmatamento continua em níveis preocupantes. As mudanças climáticas já estão afetando a produção de alimentos no Brasil, com secas impactando as colheitas e mudanças de temperatura alterando os ciclos agrícolas. Se o desmatamento continuar sem controle, esses impactos serão ainda maiores, colocando em risco a segurança alimentar do Brasil e em xeque sua posição como potência agrícola global.

Essa questão não é de interesse exclusivo do Brasil; é também de grande importância para a China, o maior parceiro comercial do Brasil e principal comprador de suas exportações agrícolas, como soja e carne bovina. Para a China, a estabilidade da produção agrícola brasileira é crucial para garantir sua própria segurança alimentar.

A situação é especialmente delicada, pois duas das maiores economias em desenvolvimento do mundo, China e Brasil, enfrentam desafios críticos em suas respectivas transições climáticas. A China lida com a complexidade de aumentar consideravelmente o uso de fontes renováveis em seus sistemas energéticos, enquanto o Brasil enfrenta os impactos climáticos principalmente associados ao avanço do agronegócio e ao uso da terra. A China já demonstrou um compromisso em apoiar as iniciativas de sustentabilidade do Brasil. Em 2023, surpreendentes 72% dos investimentos chineses no Brasil foram destinados a projetos de energia renovável e sustentabilidade. Além disso, a China manifestou interesse em auxiliar os esforços do Brasil na restauração de terras de pastagem degradadas, o que poderia contribuir para reduzir a pressão sobre a floresta amazônica.

Apesar desse progresso, a China precisa fazer mais para apoiar as metas de desmatamento do Brasil. À medida que o Brasil trabalha para cumprir seu compromisso para 2030, a China tem a oportunidade de se tornar uma parceira transformadora nas relações bilaterais com o Brasil – aspecto que ganha envergadura após os resultados das eleições presidenciais nos EUA. Aqui apresento três áreas críticas nas quais a China pode desempenhar um papel mais ativo.

Colocar o desmatamento no centro do diálogo climático e ambiental

Tanto o Brasil quanto a China já expressaram seu compromisso com a “eliminação da extração ilegal de madeira e do desmatamento” em suas declarações conjuntas sobre o clima, mas discussões concretas ainda não foram realizadas no diálogo bilateral oficial, conhecido como subcomitê de Meio Ambiente e Clima sob o COSBAN (Comitê de Coordenação e Cooperação de Alto Nível China-Brasil). Discutir o desmatamento neste fórum é uma necessidade urgente, dado o papel fundamental que o desmatamento desempenha no perfil de emissões do Brasil. Esse passo poderia estimular iniciativas conjuntas, trocas de conhecimento e projetos colaborativos para abordar os complexos fatores que impulsionam o desmatamento no Brasil.

Enviar sinais políticos para incentivar uma transformação no agronegócio

Algumas empresas chinesas já começaram a demonstrar interesse em adquirir produtos livres de desmatamento, uma tendência que, se apoiada por políticas mais amplas do governo chinês, poderia gerar uma mudança significativa em todo o setor. Esse compromisso poderia ser ainda mais fortalecido por políticas governamentais chinesas que incentivem as empresas a priorizar práticas de fornecimento sustentável. Com o imenso poder de compra da China, uma mudança setorial em direção a produtos livres de desmatamento teria efeitos significativos nas cadeias de suprimentos do Brasil, potencialmente acelerando a transição para práticas agrícolas mais sustentáveis. Essa postura também estaria alinhada com o compromisso mais amplo da China com o desenvolvimento sustentável, demonstrando como as relações comerciais podem ser aproveitadas para alcançar metas climáticas. Na perspectiva do Brasil, a parceria com a China poderia contribuir para transformar o gigante sul-americano numa liderança global em programas de agricultura de baixo-carbono. Ambos ganham com uma aposta nessa transformação.

Colaboração ampliada na rastreabilidade e supervisão da cadeia de suprimentos

Transparência e rastreabilidade são essenciais para garantir que produtos agrícolas que entram na China provenientes do Brasil não estejam vinculados à destruição ambiental ou a danos sociais. Os dois países devem trabalhar juntos para estabelecer sistemas robustos de rastreabilidade, aproveitando as iniciativas nacionais já existentes no Brasil. Isso não apenas ajudaria a evitar que produtos relacionados ao desmatamento cheguem aos consumidores, mas também reforçaria a confiança e a responsabilidade dentro da cadeia de suprimentos. Brasil e China podem garantir que o comércio de produtos agrícolas esteja alinhado com o compromisso comum de sustentabilidade.

As florestas brasileiras representam um recurso natural de valor incomparável para a estabilidade climática global, a biodiversidade e o bem-estar das comunidades amazônicas. À luz de seus objetivos ambientais compartilhados e de seus interesses econômicos complementares, Brasil e China estão em uma posição única para forjar um novo tipo de parceria estratégica, transcendendo as dinâmicas comerciais tradicionais e colocando a ação climática no centro das relações bilaterais.

O Brasil já demonstrou que está preparado para abraçar um futuro resiliente ao clima; com o apoio da China, esse objetivo pode se tornar realidade, beneficiando ambas as nações e o mundo. Juntos, Brasil e China podem mostrar ao mundo que o desenvolvimento sustentável não é apenas possível, mas também alcançável por meio de alianças estratégicas e compromissos compartilhados com a saúde do nosso planeta.

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Professor Titular de Relações Internacionais no IESP-UERJ, Coordenador do Observatório Interdisciplinar das Mudanças Climáticas e Senior Fellow do CEBRI. Mais informações: www.carlosmilani.com.br

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