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A primavera voltará à Guatemala?

Quando Bernardo Arévalo, candidato do Movimiento Semilla, venceu as eleições presidenciais em 20 de agosto, parecia que a Guatemala dava o primeiro passo para uma nova primavera política. Com um discurso anticorrupção, Arévalo baseou sua campanha na necessidade de implementar políticas que fortalecessem a fraca democracia guatemalteca, afetada por escândalos e perseguição política a funcionários públicos e ativistas que trabalham na luta anticorrupção, de direitos humanos e ambientais. Sua vitória nas urnas marcou um ponto de inflexão na forma tradicional de fazer política no país centro-americano e evidenciou a rejeição dos eleitores ao establishment político guatemalteco, encarnado na figura da ex-primeira-dama, Sandra Torres.

Entretanto, as coisas não seriam fáceis para Arevalo e seu partido. Apenas três dias após o segundo turno das eleições presidenciais, o Ministério Público pediu ao Congresso que suspendesse o partido Movimiento Semilla. Em 28 de agosto, o partido foi suspenso provisoriamente por uma decisão judicial e, em 1º de setembro, Arévalo denunciou uma tentativa de golpe de Estado para evitar que assumisse o poder. Isso seria só o início de uma batalha que ocorre às vésperas de sua posse, prevista para 14 de janeiro. Assim, em 8 de dezembro, a Procuradoria Geral da Guatemala protagonizou uma nova tentativa de reverter a ordem eleitoral, apresentando os resultados de uma investigação que acusava o novo  presidente eleito e seu partido de terem cometido atos de corrupção na constituição e no financiamento do partido. Ademais, foi apontado que o Supremo Tribunal Eleitoral cometeu ilegalidades no processo eleitoral em que Arévalo ganhou a presidência da República.

Arévalo e parte da comunidade internacional não demoraram para reagir frente aos últimos acontecimentos. O presidente eleito voltou a falar de golpe de Estado, e até a própria Organização dos Estados Americanos (OEA) qualificou as últimas ações como uma tentativa de golpe no país centro-americano. Mas, além da crise e de seu ataque à democracia, a experiência guatemalteca destaca alguns dos riscos enfrentados por regimes fracamente institucionalizados: a resistência dos partidos ou coalizões governantes para aceitar a derrota, a perversão das instituições para colocá-las a serviço dos interesses da elite que detém o poder, o abuso de instrumentos legais, a criminalização da oposição e para apontar atores ou instituições que não conseguem ser cooptados pelo regime.

Mas isso não é tudo. O que está acontecendo na Guatemala também revela o uso perverso da mídia e das redes sociais na política. Embora a teoria nos diga que a mídia desempenha um papel chave na democracia, tanto em termos de transmissão de informações, socialização política e fiscalização do poder por parte da opinião pública, em sua pior versão, contribui para a desinformação, a manipulação e o apontamento. Nesse sentido, a mídia tradicional ligada à elite guatemalteca realizou ataques diretos ao Movimiento Semilla e Bernardo Arévalo. As notícias falsas vão desde dizer que o presidente eleito é cidadão uruguaio e, portanto, não pode assumir a Presidência, até a acusação de “castrochavista” e um promotor de um globalismo que mina os valores tradicionais.

A situação na Guatemala é complexa. O enfraquecimento das instituições, a impunidade de atos de corrupção, a tensão social e a perseguição de líderes e partidos são só uma amostra dos obstáculos que o país centro-americano enfrenta. Essa crise política e institucional afeta diretamente a democracia e os direitos humanos da população, e destaca a necessidade de pôr fim a qualquer interferência indevida e arbitrária do poder. A OEA, o Conselho Empresarial Nacional da Guatemala, múltiplas organizações sociais e uma ampla maioria cidadã levantaram suas vozes para exigir o fim da perseguição a Arévalo e o respeito aos resultados eleitorais.

O êxito ou fracasso de todas essas ações depende não só da transferência de poder, mas da proteção e da regeneração das instituições após anos de corrupção e impunidade. A aceitação da vitória de Arévalo, no entanto, é só o primeiro passo em um longo caminho. Para que o novo governo inicie um processo de regeneração, é necessário um reposicionamento das elites políticas e econômicas, que devem decidir se estão do lado da democracia ou se preferem manter seus benefícios, derivados da cooptação de instituições. Ademais, é imprescindível os esforços dos funcionários e servidores públicos na luta contra a corrupção e a arbitrariedade. Por fim, a mídia e as organizações da sociedade civil devem desempenhar um papel responsável. Talvez isso traga a primavera de volta à Guatemala.

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Cientista política. Professora da Univ. de Valência (Espanha) e docente externa da Univ. de Frankfurt. Doutora em Estado de Direito e Governança Global pela Universidade de Salamanca. Especialista em elites políticas, representação, sistemas de partidos e política comparada.

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