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3+3=0? A reforma do sistema previdenciário no Chile

Em 24 de janeiro, foi discutida a reforma do sistema previdenciário chileno na Câmara dos Deputados. Após uma longa deliberação, a Câmara aprovou e encaminhou para o segundo trâmite constitucional no Senado, o projeto que cria um novo sistema misto de pensões.

O projeto de lei foi introduzido ao Congresso pelo Presidente da República, Gabriel Boric, em 7 de janeiro, para discutir a criação de um sistema misto de aposentadoria, ou seja, um sistema com aportes do Estado, do empregador e dos trabalhadores. Esse tipo de iniciativa não é novo no contexto chileno, já que há mais de uma década tenta-se introduzir diversas propostas de políticas públicas e projetos de lei para modificar o sistema de pensões adotado no final de 1980.

Deve-se recordar que o sistema atual substituiu o chamado sistema de repartição: um sistema em que a soma das contribuições de trabalhadores e aportes fiscais ia para um fundo comum destinado a pagar pensões vitalícias. Desde então, os trabalhadores (com exceção das Forças Armadas e da Ordem, que têm seu próprio esquema previdenciário) são obrigados a contribuir com 10% de sua renda e de sua renda tributável para sua conta de capitalização individual, que é administrada por uma Administradora de Fundos de Pensão (AFP).

Embora o projeto tenha sido aprovado em geral, vários de seus aspectos medulares não foram aprovados. Uma primeira mudança é o aumento da capitalização individual: de 10% para 10,5% das remunerações e rendas tributáveis. A segunda é o aporte adicional de 6% das remunerações tributáveis a cargo do empregador. Metade (3%) desta carga adicional seria usada para fortalecer a contribuição individual do trabalhador. A outra metade (3%) seria para financiar o seguro social que contempla ações como: garantia com solidariedade intergeracional, complemento por cuidado de terceiros e compensação por diferenças na expectativa de vida.

A votação sobre esse ponto foi muito apertada, com 76 votos a favor e 75 contra. O quorum qualificado exigido no Chile para normas sobre seguridade social é de 78 votos. Os deputados contra pertencem ao Partido Republicano, Unión Demócrata Independiente, Renovación Nacional, entre outros. O aumento de 6% pode ser visto, por um lado, como uma supervalorização do trabalho, mas, por outro lado, como a capacidade de consumo futuro e o aumento da demanda de bens e serviços. 

Há uma necessidade urgente de corrigir ou modificar o sistema previdenciário chileno de forma estrutural. A atual subdivisão de fundos, de maior ao menor risco: A, B, C, D, E, nos quais as pensões são investidas, parece ter reduzido mais o capital dos contribuintes, em vez de aumentar.

De acordo com a Fundação CENDA (Centro de Estudos Nacionais de Desenvolvimento Alternativo), ao analisar a rentabilidade do valor da cota (unidade de medida que expressa o valor de cada fundo) das AFPs, houve uma rentabilidade positiva que coincidiu com a experimentada pelos mercados de ações de 1981 a 1997. Porém, após a crise asiática de 1997, houve uma forte queda que durou até 2003, quando recuperou o nível de 1997. Desde então, estagnou.

Segundo a mesma fundação, outro aspecto a ser considerado são as comissões e os prêmios cobrados pelas Administradoras de Fundos de Pensões, que reduzem muito os aportes de capital feitos pelos afiliados e o Tesouro, gerando pensões que não cobrem as necessidades dos aposentados.

A tabela abaixo apresenta uma síntese do desempenho dos fundos de 2018 a 2023, mostrando a rentabilidade real positiva ou negativa. Como se pode observar, os resultados sujeitos às condições de mercado são variáveis, tendo inclusive rendimentos negativos no fundo de menor risco (fundo E). Duas considerações devem ser levadas em conta. Primeiro, as pessoas diversificam os produtos, portanto, o resultado global pode ser negativo. Segundo, o fato de aparecer um sinal positivo não implica rendimentos elevados para o fundo, só que ele está acima de zero.

Tabela 1. Rentabilidade Real de Fundos de Pensões

AnoFundo
ABCDE
2023++
2022+++
2021++
2020+++++
2019+++++
2018++

Fonte: Elaborado com informação da Superintendência de Pensões. Representa a Rentabilidade Acumulada em 12 meses: de janeiro a dezembro de cada ano.

Esses dados reforçam o argumento de apoiar a capitalização dos trabalhadores. Não se trata de quem tem mais dinheiro para gastar quando se aposentarem, trata-se de poder ter uma aposentadoria digna e sem preocupações. Segundo o Relatório 67 da Superintendência de Pensões, 57% das pessoas retiraram capital de seus fundos de pensão como via para os problemas econômicos que a pandemia da COVID-19 trouxe. Na mesma linha, cerca de 3,8 milhões de pessoas (35% do total) que retiraram capital ficaram sem poupança previdenciária.

Dado que as retiradas totais se concentram na faixa etária de 25 a 55 anos, espera-se uma queda futura na renda previdenciária de 24 a 39%. Se medidas sérias não forem tomadas, uma grande parte da população que sairá do mercado de trabalho nos próximos 15 anos poderá se encontrar em uma condição de vulnerabilidade econômica.

Não é preciso ir muito longe; atualmente, uma boa parte dos aposentados no Chile recebe pensões abaixo da linha da pobreza. Uma solução paliativa é a Pensão Garantida Universal (PGU) que complementa a renda, mas essa solução segue a cargo do Estado e dos contribuintes.

Por que não gerar um sistema que realmente contribua para os chilenos, onde 3% + 3% = 6%, e assim romper com a pobreza transgeracional no país?

Autor

Economista. Profesor asociado del Departamento de Sociología, Ciencia Política y Administración Pública de la Univ. Católica de Temuco (Chile). Doctor en Investigación en Ciencias Sociales por FLACSO-México.

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