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Brazil is back: o regresso do Sul na agenda externa de Lula

O sucesso do presidente Lula da Silva nas eleições de outubro de 2022 sinalizou o melhoramento da imagem positiva do Brasil no exterior. Desde a confirmação dos resultados do pleito que diversas publicações ao redor do mundo vêm redigindo “Brazil is back” como manchetes. A cerimônia de inauguração da nova presidência confirmou essa aferição. Centenas de lideranças mundiais participaram dos festejos da posse em Brasília no primeiro de janeiro.

Quem se ocupar da agenda oficial da primeira semana do presidente e de seus ministros vai constatar que eles receberam uma quantidade impressionante de representações internacionais. É provável que o Brasil jamais tenha recepcionado tantas lideranças mundiais simultaneamente em sua história recente. Nada disso ao acaso. “Brazil is back”.

A ida do presidente Lula da Silva ao socorro dos Yanomami, em lugar de ir contemplar as paisagens suíças de Davos imortalizadas pela Montanha Mágica de Thomas Mann, foi o melhor gesto que ele poderia realizar. Um gesto que fez dele onipresente e onisciente, simbólica ou fisicamente, em múltiplos lugares.

Com um mundo ainda soterrado nas consequências da guerra da Rússia na Ucrânia, contabilizando os dividendos econômicos da pandemia de covid-19 e contemplando o féretro de democracias nos quatro cantos do planeta, ele preferiu priorizar, fisicamente, o Brasil e o seu entorno imediato. O envio dos ministros-presidenciáveis Fernando Haddad e Marina Silva para o Fórum Econômico Mundial em Davos foi o envio de seus olhos e ouvidos ao encontro.

Fernando Haddad é o homem forte do governo. Mesmo discreto, ele representa a supressão do “Posto Ipiranga” e do monocórdio da “curva de Laffer” assim como a troca do economics pela political economy. Marina Silva é a expressão de gestos de múltipla grandeza. Especialmente, na superação de rusgas do passado com o presidente. E, essencialmente, na reunião de forças pela centralidade da emergência climática como ação estratégica do novo governo.

Com olhos e ouvidos em Davos e pés fincados no chão dos Yanomami ao norte do Brasil, o presidente brasileiro iniciou a sua epopeia internacional enfatizando o que mais pulsa na América Latina e do Sul que é fruição dos Povos Originários. De Roraima, ele seguiu para a Argentina e, depois, ao Uruguai.

Reavivar a relação bilateral Brasil-Argentina e Brasil-Uruguai foi o propósito nuclear dessa viagem do presidente. Seu empenho principal foi revigorar o Mercosul. O Mercosul revigorado, entende ele, é a vitamina imprescindível para o avivamento das demais instituições internacionais da região. Notadamente da Celac e da Unasul.

Na reunião de Buenos Aires, ele afirmou que “o Brasil regressa à Celac com a sensação de que se encontra consigo mesmo”. Olhando de perto, o mandatário brasileiro elegeu a América Latina e do Sul como plataforma de reafirmação do lugar do Brasil no mundo a partir do Sul.

No encontro no Uruguai, ele ampliou a escala de sua apreciação. Projetou avançar discussões sobre a interação entre Mercosul, União Europeia e China. Reconheceu a relevância da Europa e da China no destino latino-americano. Informou que o Brasil vai, sim, investir na transição climática. Afirmou que homens de Estado vivem acima de ideologias. Disse, em conseguinte, ao presidente Lacalle Pou que não importa que eles dois pensem diferente. O negócio é fazer a região voltar a crescer. Chamou a atenção para a necessidade de urgente revisão do multilateralismo. Condenou a composição das instituições internacionais. Bradou pela modificação do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Constatou que o mundo de hoje é bem distinto daquele saído do chão de ruínas e do terror das batalhas de 1945. E ainda afirmou que o contencioso Rússia versus Ucrânia poderia ter sido evitado se uma nova governança mundial já tivesse sido implementada.

Não restam dúvidas, a partir dessas intervenções, que o presidente brasileiro quer o Brasil como um país abertamente revisionista do statu quo da desordem internacional. E, quer, nesse revisionismo, posicionar o Brasil organizador do Sul e do lugar do Sul no mundo.

É difícil aferir o que resta de Global no Sul. A presença, muita vez, predatória da China na África inibe, agora, quaisquer avanços brasileiros arrojados naquele continente. A inserção, não menos agressiva, novamente da China na América Latina insere dificuldades práticas na construção de ações concretas na região. Nem só de símbolos, discursos e sinalizações vivem os países latino-americanos.

A obsessão dos Estados Unidos por agredir a Rússia e a China através do dossiê ucraniano reforça a aliança atlântica deles com os europeus. Essa situação pode impor constrangimentos à possível concretização do acordo Mercosul-União Europeia. E pode, também, dificultar a intensificação de relações bilaterais entre a União Europeia e países latino-americanos. Essa mesma obsessão tem retirado porções importantes da atenção dos Estados Unidos na América Latina e do Sul. Esse quase vazio de atenção pode ser o único fator a favorecer a ação brasileira na região.

Mas nada segue claro. “No sabemos lo que nos pasa, y esto es precisamente lo que nos pasa, no saber lo que nos pasa”, como diria Ortega y Gasset.

O meio internacional presente é muito mais complexo que outrora. De todas as questões estratégicas suscitadas em Brasília, Davos, Roraima, Argentina e Uruguai nada ou quase nada se mencionou sobre a Economia 4.0. A pandemia de covid-19 suprimiu a discussão sobre a aquisição de tecnologia 5G no Brasil. Os avanços na naturalização da internet das coisas, IoT, ficaram em terceiro ou quarto plano no país. A massificação da narrativa da governança socioambiental, ESG, foi importante. Mas segue distante de informar os resultados concretos que ambiciona.

Todos esses temas foram silenciados nas primeiras manifestações do novo governo brasileiro. Deixar de lado a relevância desses temas é regressar ao século anterior e subestimar os desafios, brasileiros e mundiais, presentes e futuros. Subestimar esses desafios é namorar com a irrelevância.
É impossível ao Brasil sustentar um namoro com a irrelevância. Há regiões inteiras do planeta que demandam o regresso da liderança brasileira. Especialmente ao Sul. Não pelo Sul Global. Mas pela globalidade do Sul. Que sempre foi o que mais importou. Há convicções de que o “Brazil is back”. Resta saber se o Sul também.

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Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutorado en Relações Internacionais no Sciences Po (Paris).

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