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Como é a escola que queremos para nossas juventudes no Brasil?

Coautores Paula Alves e Michele Bravos

Entre 2002 e 2023, ocorreram 24 ataques a escolas no Brasil, resultando em 45 mortes e 137 feridos, segundo o Instituto Sou da Paz. Em uma democracia fragilizada – ainda que em recuperação –, a disputa do ambiente escolar é marcada por ideologias que favorecem o extremismo violento (motivado – entre outros fatores – pelo discurso de ódio) e interesses econômicos. Quem sai perdendo são os estudantes. Sem direcionamento governamental alinhado a essa perspectiva, a prática da educação em direitos humanos pode ficar restrita a iniciativas isoladas, o que é uma perda para a sociedade.

O ano letivo de 2023 segue marcado pelas consequências da pandemia de COVID-19. Segundo o Censo Escolar, as escolas públicas brasileiras passaram, em média, 279 dias interditadas em 2020, cifra muito acima daquelas apresentadas por Argentina (199) e Colômbia (173). Em 2021, tentou-se implementar a modalidade híbrida, mas sem amplo êxito, principalmente nas escolas públicas, em que os estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental e Médio tiveram uma média de 102 dias de aulas remotas, em comparação aos 38 dias nas escolas privadas.

Como indicam estudos locais e globais, o isolamento social ao qual jovens se viram submetidos em um momento determinante para seu desenvolvimento gerou impactos que vão muito além do déficit de aprendizagem, alcançando aspectos da saúde mental e da habilidade de conviver com pares. A escola é primordial para a alteridade e reflete dinâmicas sociais de conflito e diálogo, representando uma oportunidade singular de experiência de pertencimento. A negação desse convívio não foi sem consequências. O desafio – já existente antes da pandemia – de garantir que o espaço escolar seja favorável ao aprendizado com senso crítico e à convivência harmoniosa entre as diferenças, tornou-se ainda maior.

Fenômeno novo, violência antiga 

A violência que se fortaleceu com a reabertura das salas de aula se apresenta de diferentes formas e atinge muitos atores, como aponta a UNESCO. Vai do bullying à agressão física e sexual, lesa toda comunidade escolar e provoca diversos danos, como impactos no rendimento e evasão. O cenário se torna ainda mais complexo quando a violência assume uma nova dinâmica: os ataques premeditados contra as escolas.

Segundo o Instituto Sou da Paz, dos 24 ataques a escolas no Brasil, 12 ataques aconteceram entre 2002 e 2021, seis foram realizados em 2022 e outros seis apenas na primeira metade de 2023. O crescimento exponencial desses episódios não apenas produziu um alarme social, como também provocou uma sensação de urgência de entendimento deste fenômeno, especialmente pelos gestores públicos, com a intenção, fundamentalmente, de produzir uma resposta rápida e eficaz. Nesse sentido, nos encontramos diante de um tipo de violência que se qualifica como extremismo violento, protagonizada, em geral, por um jovem, branco e heterossexual e radicalizado.

Mais importante que a distinção entre esses fenômenos, o da violência habitual que ocorre na escola, e a violência extremista contra as escolas, é a percepção de como ambos se relacionam. Segundo o Relatório Mundial sobre a Violência contra as Crianças de 2006, a escola cria e reproduz as condições políticas e socioeconômicas de cada contexto, assim como com os valores e normas sociais vigentes, sendo que, “ao serem vítimas, autores e testemunhas da violência, meninos e meninas aprendem que a violência é um meio aceitável para que os fortes e agressivos consigam o que queiram dos mais frágeis, passivos ou pacíficos”.

É talvez por isso que cause certo desânimo perceber que é apenas quando os efeitos dessa violência estrutural chegam até a superfície de forma aguda que tomamos consciência da gravidade. Por mais compreensível que essa abordagem seja diante das demandas múltiplas e variadas que lidamos enquanto sociedade, é necessário reconhecer quão desafiador é construir políticas na necessidade urgente de se responder a uma crise.

Ação tardia é reação

Uma recente avaliação do Instituto Auschwitz para a Prevenção do Genocídio e as Atrocidades Massivas em escolas em São Paulo, identificou que, antes de participarem de um projeto da organização, com foco em educação para cidadania, apenas 20% dos/as estudantes dos últimos anos do Fundamental e Ensino Médio sabiam definir o que eram os direitos humanos. Após as atividades, houve uma porcentagem de aprendizado sobre o tema de 47%, sendo que 42% sabiam explicar o que são direitos humanos usando exemplos e 5% eram capazes de articular o conceito de dignidade humana.

Além de medir mudanças no conhecimento, a avaliação expôs transformações em valores, atitudes e habilidades relacionadas ao respeito, à empatia, à convivência e à participação democrática – de formas muito positivas. Esses resultados legitimam a importância da escola como espaço de prevenção e fortalecem o que já indicam outras organizações: os esforços funcionam e são essenciais para garantir o exercício da cidadania de forma plural e inclusiva. O extremismo violento promete precisamente o contrário.

Tendo como referência o trabalho de prevenção a crimes atrozes – que pode ser aplicado analogamente ao contexto de violência às escolas –, a prevenção ocorrerá se formos capazes de reconhecer os sinais a tempo. Agir antes de reagir é a melhor opção. A ação centrada na resposta à crise já iniciada é pouco diversificada, menos eficiente e mais cara. A mentalidade da reação leva a soluções fragmentadas e a políticas ad hoc, que respondem a desafios pontuais e não atendem a um movimento social complexo que demanda soluções compreensivas e de longo prazo. Com isso, há a tendência de relaxamento na percepção da urgência do problema uma vez que o ápice da crise passa, o que leva, frequentemente, à descontinuidade do investimento no combate às reais causas do problema.

As intervenções educativas de longo prazo, com estratégias governamentais que mudam efetivamente a experiência escolar, podem ser um caminho. Os resultados são incrementais e lentos, não substituindo as ações de caráter emergencial tampouco conseguindo sozinhas impedir de maneira definitiva a ocorrência das violências. Certamente, porém, contribuirão no estabelecimento de sociedades mais justas nas quais esses fenômenos ocorram cada vez menos e onde os cidadãos/ãs estejam preparados/as para agir antes – e melhor.

*Este texto faz parte do projeto (Re)conectar: aproximando pessoas para superar a violência às escolas, realizado pelo Instituto Aurora, com apoio institucional do L21. Para apoiar a iniciativa, acesse: https://apoia.se/reconectar_escolas

Paula Alves é oficial do Programa de Políticas Educacionais Warren do Instituto Auschwitz para a Prevenção do Genocídio e as Atrocidades Massivas (AIPG). Mestre em Educação e Desenvolvimento Internacional pela Universidade de Birmingham.

Michele Bravos é diretora Executiva do Instituto Aurora de Educação em Direitos Humanos. Mestre em Direitos Humanos e Políticas Públicas pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

Autor

Diretora do Programa Warren de Políticas Educacionais do Instituto Auschwitz para Prevenção de Genocídio e Atrocidades em Massa (AIPG). Doutora em Ciências Humanas pela Universidade Carlos III (Espanha).

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