Desde que Luís Inácio Lula da Silva venceu as eleições de 2022, o Brasil busca se recuperar de uma imagem internacional desgastada após a agenda limitada defendida pelo então presidente Jair Bolsonaro. Além de pautas históricas como a integração latino-americana e o princípio da não-intervenção, o atual mandato do Presidente Lula apresenta respostas diferentes a um mundo que já não é mais entendido durante seus dois primeiros mandatos (2003-2011).
Ao se aproximar o primeiro ano do novo mandato, Lula constrói as diretrizes de sua política externa ao lado de figuras fundamentais de seus mandatos anteriores: Celso Amorim e Mauro Vieira, respectivamente Assessor Especial da Presidência da República e Ministro das Relações Exteriores. Aqui será examinada a relação do seu governo com a transformação do sistema multilateral pautada pela expansão do BRICS, as relações com o G20 e o G77, além de sua primeira participação neste mandato durante a Assembleia Geral das Nações Unidas.
Expansão do BRICS
Em primeiro lugar, como apontado por Vieira, o consenso deve ser utilizado como normal primacial dentro do bloco. No entanto, não devemos esquecer que países com maior potencial econômico e político tem, por vezes, primazia no processo de tomada de decisões. A dissolução do poder regional, como no caso brasileiro dentro do BRICS, pode gerar um custo político aos interesses do país no nível multilateral. Isso é perceptível nas relações com os países do Mercosul e no seu diálogo com a União Europeia, ainda que haja um engajamento para a finalização do acordo por parte, especialmente, do Brasil.
Uma disputa regional intra-bloco não significa que os mecanismos consensuais estejam falhando, mas sim um indicativo de que o processo de dissolução de poder é uma realidade. A busca pelo consenso dependerá da vontade política e de aspectos da conjuntos da realpolitik e também do valioso soft power brasileiro para solucionar possíveis controvérsias. A lógica pode ser aplicada às relações África do Sul-Egito-Etiópia; Irã-Arábia Saudita-Emirados Árabes e Índia-China, guardadas as devidas proporções.
Existem, ademais, aspectos econômicos e políticos extremamente positivos. A partir de 2024 o bloco será responsável por aproximadamente 46% da população e 36% do PIB, se contrapondo aos interesses do G7 e demonstrando que há uma nova forma emergindo em um mundo cada vez mais multipolar.
Outro ponto relativo ao BRICS que merece destaque é a perspectiva voltada ao equilíbrio regional, o comprometimento com as reformas do sistema de governança global e o comércio por meio de moedas locais. O equilíbrio regional dentro do BRICS é, não obstante, um reflexo da lógica geopolítica e geoeconômica das regiões abarcadas como argumentado anteriormente.
Relações com o G20
No caso do G20, a diplomacia brasileira buscará focar em áreas nas quais o Brasil lidera ou tem um papel fundamental: transição energética, inclusão social e desenvolvimento sustentável. Com a expansão do BRICS, haverá um total de sete país membros dos dois blocos, aumentando assim a correlação de poder, onde haverá maior envergadura para lidar com temas de caráter internacional. O G77 demonstra que o Brasil também busca manter o diálogo histórico com as nações conhecidas à época como não-alinhadas, com uma abordagem econômica buscando o desenvolvimento comum das 135 nações pertencentes ao bloco.
O entendimento da participação diplomática nos três grupos demonstram o caráter multilateral da diplomacia brasileira ao lidar com temas de caráter geopolítico, comercial e econômico. Apesar de ter sido dada prioridade ao BRICS durante o primeiro ano do governo Lula, entende-se que não houve abandono das pautas históricas do Partido dos Trabalhadores, como a cooperação Sul-Sul, o diálogo com atores globais e a construção de uma ordem multipolar pautada no consenso.
Discurso na ONU
Por fim, Lula discursou na Assembleia Geral das Nações Unidas pela primeira vez desde 2009. O Brasil vem, ao lado de nações como a Índia e o Japão, buscando a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a mais importante instância dentro do sistema.
Entendendo a ONU como o principal palco das relações internacionais, Lula apresentou os principais desdobramentos e ambições de sua política externa como a reforma do sistema de governança global e a liderança brasileira do Sul Global.
Em 2009, Lula focou seu discurso em três grandes problemas que assolavam o mundo à época: a crise econômica, a ausência de uma governabilidade estável e democrática e as mudanças climáticas.
Atualmente o eixo da argumentação encontra-se focado nas desigualdades, internas e externas, as quais são responsáveis diretas pelas sucessivas crises que o mundo vem passando. Lula, ao reiterar as posições históricas da diplomacia brasileira, não apenas elevou e recuperou o status diplomático, como apresentou sua liderança e apresentou alternativas para a solução de dilemas que a sociedade internacional vem enfrentando.
Apontou os mais variados conflitos ao redor do mundo, reafirmou o compromisso do Brasil com a paz e o desenvolvimento sustentável. Reafirmou que uma reestruturação do sistema de governança global é necessária, pois a ordem existente já não representa o caráter multilateral das relações internacionais.
Lula representa hoje a mais importante liderança do Sul Global. Seu posicionamento nos organismos aqui apresentados representa uma análise da estrutura da política externa para os próximos anos e traz consigo reflexos de suas gestões passadas, do interesse em solucionar problemas voltados a desigualdade e conflitos internacionais, através de fórmulas pautadas nas posições históricas da diplomacia brasileira e dos princípios da não-intervenção e do processo de mediação para resolução pacífica de conflitos.
Autor
Analista político e candidato a Doutor em Ciência Política pela Universidade de Salamanca. Seus principais áreas interesses são política externa brasileira e segurança internacional.