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Corrupção na América Latina: um fenômeno endêmico?

Em outubro, a Transparência Internacional publicou uma atualização de seu relatório sobre a corrupção na América Latina. O que poderíamos esperar? De fato, a percepção da corrupção aumentou em toda a região e a confiança nos governos, bem como nos funcionários públicos, deteriorou-se acentuadamente. No entanto, é curioso que o agravamento das percepções de corrupção ocorra ao mesmo tempo que as campanhas políticas em curso – como mencionamos anteriormente, vários países da América Latina iniciaram um ciclo eleitoral -, prometendo medidas mais fortes contra a apropriação indevida de fundos públicos, suborno, tráfico de influência e corrupção em geral. O agravamento da percepção também reflete uma série de protestos massivos que surgiram de escândalos envolvendo muitas autoridades de alto nível em toda a região, como o caso Odebrecht ou os Documentos do Panamá. No entanto, estas campanhas têm (e terão) um impacto limitado no sentimento da população, pelo que a luta contra a corrupção será verdadeiramente uma questão fundamental no horizonte de 2018.

Em sua publicação People and Corruption: Latin America and the Caribbean, a Transparency International compilou os últimos resultados regionais da pesquisa do Barômetro Global de Corrupção. Nele, 62% dos entrevistados acreditam que a corrupção aumentou na região nos últimos 12 meses, enquanto apenas 10% acreditam que a mesma diminuiu. Em 20 países pesquisados, a maioria das respostas de 17 países mostrou que a corrupção aumentou, incluindo uma parcela particularmente alta na Venezuela, Chile, Brasil e Peru.

As figuras institucionais continuam sendo corruptas. Mas não as religiosas

Um desdobramento da pesquisa por tipo de instituição mostrou que 47% das pessoas na região pensam que a polícia e os políticos são os mais corruptos, enquanto os líderes religiosos são vistos como os menos corruptos. Na Venezuela, 76% das respostas mostram que a polícia é corrupta, refletindo a alta politização das forças de segurança venezuelanas e o aumento da violência em todo o país. Os venezuelanos também foram os mais críticos dos esforços do governo para combater a corrupção: 76% dos entrevistados disseram que o governo está fazendo um mau trabalho. Isto não é de todo surpreendente, tendo em conta os elevados níveis de corrupção e impunidade no país. O Índice de Percepção de Corrupção produzido pela Transparência Internacional para 2016 colocou a Venezuela em 166º lugar de 176 países.

Depois da Venezuela, o país que mostrou uma deterioração na percepção foi o Peru. Lá, 73% acham que o governo está fazendo um mau trabalho na luta contra a corrupção e 64% dos entrevistados acham que os representantes eleitos são altamente corruptos. A pesquisa foi realizada entre maio e dezembro de 2016, por isso não refletiu o impacto das novas iniciativas do presidente Pedro Pablo Kuczynski, que assumiu o cargo em julho de 2016 e fez da luta contra a corrupção um compromisso chave da campanha eleitoral. No entanto, no Peru tem havido um fluxo constante de escândalos de corrupção dentro do establishment político desde então, e Kuczynski está sentindo a pressão para manter sua promessa eleitoral, juntamente com uma posição legislativa fraca (o partido PPK do presidente detém apenas 17 dos 130 assentos no Congresso).

Surpreendentemente, os entrevistados guatemaltecos tiveram uma opinião relativamente positiva sobre a luta contra a corrupção, com apenas 42% dos entrevistados dizendo que a corrupção havia aumentado no ano passado e 54% que o governo estava fazendo progressos em sua luta. Essa visão mais otimista provavelmente reflete o momento da pesquisa, que foi realizada não muito depois das eleições de janeiro de 2016, nas quais Jimmy Morales conquistou a presidência do país, graças a uma campanha anticorrupção e após a destituição do ex-presidente Otto Pérez Molina em setembro de 2015, como resultado de nada menos que um grande escândalo de corrupção.

Apesar dos resultados na Guatemala, é improvável que as perspectivas positivas sejam sustentadas. Desde que a pesquisa foi encerrada em dezembro de 2016, Jimmy Morales tem estado sob constante pressão de escândalos de corrupção ligados a aliados políticos próximos e familiares. Além disso, seus esforços em agosto de 2017 para expulsar o chefe da Comissão Contra a Impunidade na Guatemala (CICIG), apoiada pela ONU, provocaram protestos que agora exigem sua renúncia.

A corrupção dominará um período eleitoral já intenso em 2018

A corrupção é um denominador comum em toda a região e a questão desempenhará um papel importante nas campanhas eleitorais de 2018. Brasil, Colômbia, Costa Rica e México são vários países que realizarão eleições presidenciais em 2018 e um número considerável de entrevistados desses países considerou que a corrupção aumentou. Os resultados mostram que em cada um desses países há uma crescente frustração popular com o sistema político, o que contribuirá para uma maior incerteza sobre os resultados eleitorais.

No Brasil, os quatro anos desde as últimas eleições foram dominados por uma série de escândalos de corrupção relacionados à estatal Petrobras, à construtora Odebrecht e aos vínculos que ambas as empresas tinham com a elite política do Brasil e de outros países da região. Até mesmo o atual presidente, Michel Temer, que tomou posse em 2016 depois que Dilma Rousseff foi removida por acusações mais relacionadas à violação da lei orçamentária, foi contaminado por acusações de desvio de fundos e sua capacidade de evitar acusações formais despertou ainda mais desencanto popular com a classe política.

Nesse ambiente, o panorama eleitoral brasileiro não está claro a um ano das eleições de outubro de 2018. Numerosos políticos dos principais partidos políticos foram, em certa medida, desacreditados por acusações de corrupção, proporcionando uma oportunidade de ouro a figuras exteriores ao aparelho político. É o caso de Jair Bolsonaro, político de direita e ex-oficial do exército, cujo foco na lei e na ordem está atraindo muitos brasileiros devido à onda de crimes violentos dos últimos anos. Por outro lado, Luiz Inácio Lula da Silva (ex-presidente de 2003-11), do Partido dos Trabalhadores, lidera as pesquisas por enquanto, apesar de ter sido condenado por acusações de corrupção (e em outras investigações) e de ter sido impedido de competir.

Considerando que a incipiente recuperação econômica do Brasil se fortalecerá no próximo ano (e aqui vou ao Consenso de analistas privados da FocusEconomics que diz que o Brasil crescerá em média 2,4% em 2018), isso apoiaria as chances de vitória de um candidato centrista, provavelmente do Partido da Social Democracia Brasileira. Isto baseia-se no pressuposto de que, numa possível – mas incerta – segunda volta das eleições, as classificações altamente negativas dos candidatos da esquerda ou da extrema-direita arruinariam as suas hipóteses de vitória. No entanto, a campanha eleitoral será ofuscada por preocupações sobre um possível retorno ao populismo econômico que contribuiu para a enorme recessão do Brasil em 2015 e 2016.

As eleições presidenciais do México serão realizadas em julho de 2018 e o atual Partido Revolucionário Institucional (PRI), partido governista, está em ascensão na corrida, dada a percepção pública de que contribuiu para a deterioração do Estado de Direito em meio a uma série de escândalos envolvendo membros da administração, ex-governadores de Estados onde o PRI governa e o crime organizado. Ultimamente, essas críticas têm aumentado depois que dois terremotos graves atingiram o centro e o sul do país em setembro, quando as preocupações da população em áreas urbanas altamente concentradas aumentaram devido à falta de cumprimento das normas de construção. Neste contexto, e por enquanto, o candidato mais bem posicionado para conquistar a presidência é o esquerdista Andrés Manuel López Obrador, do Movimento de Regeneração Nacional (Morena). No entanto, importa referir que esta é a terceira vez que López Obrador contesta as eleições presidenciais.

Na Costa Rica, tradicionalmente um dos países mais estáveis e transparentes da região, a corrupção também será um tema central de preocupação até as eleições de fevereiro de 2018. Enquanto a Transparência Internacional classificou a Costa Rica em 41º lugar no Índice de Percepções de Corrupção de 2016 – fazendo do país um dos mais altos da região – a corrupção continua sendo motivo de preocupação, especialmente depois do Cementazo: um escândalo envolvendo um banco estatal, membros do judiciário e vários legisladores. O escândalo contribuirá para a volatilidade antes das eleições de Fevereiro, pois colocará a corrupção no centro da campanha.

Na Colômbia, a corrupção pode desempenhar um papel menos relevante nas eleições do país do que o estado da economia e da segurança do cidadão (dada a implementação do controverso acordo de paz com guerrilheiros das FARC). Mas a insatisfação do público com a corrupção está afetando a corrida à presidência em maio. Até agora, mais de duas dúzias de candidatos estão procurando maneiras de criar movimentos independentes como plataformas para suas aspirações presidenciais. Isto é apenas um reflexo da perda de prestígio que os partidos tradicionais colombianos ganharam como resultado de revelações de corrupção envolvendo figuras políticas e tribunais superiores (minando a credibilidade do sistema num ponto crucial da implementação do acordo de paz transitório).

Algum vislumbre de esperança?

A percepção da corrupção tem vindo aumentando na América Latina como resultado direto da proliferação de escândalos de corrupção política de alto nível no último ano. No entanto, esta tendência pode ser vista como “positiva” no sentido de que estes escândalos estão vindo à luz e sendo investigados, sugerindo que, em alguns países, as estruturas institucionais estão finalmente funcionando e que estão indo na direção certa.

No entanto, casos recentes também reforçaram a opinião de que a corrupção na América Latina é endémica e não foi abordada por administrações sucessivas. Mas isso também poderia ajudar a impulsionar uma tendência nas eleições em alguns países, como Brasil, Peru e México, para candidatos independentes ou candidatos de partidos políticos menos estabelecidos, mas menos comprometidos com a corrupção. No entanto, como a Guatemala ilustrou no ano passado com um candidato externo como Jimmy Morales, que fez campanha com um slogan eleitoral de “nem corrupto nem ladrão”, esses candidatos podem ser rapidamente manchados pela corrupção.

Foto de Presidencia Perú on Trend Hype / CC BY-NC-SA

Autor

Economista. Analista de mercados e inversiones sostenibles en Dow Jones. Postgrado en Economía y Negocios Internacionales en la Facultad de Economía de la Hochschule Schmalkalden (Alemania).

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