Há alguns anos, manchetes como “O Equador nos ensina a receita da prosperidade“, “O milagre equatoriano” ou “O triunfo do bem viver” podiam ser lidas na imprensa. O Equador, esse país situado na metade do mundo, havia conseguido superar a destituição do presidente Bucaram em 1997; a crise inflacionária, financeira, fiscal e da dívida de 1998-1999; a derrubada de Mahuad em 2000; a rebelião dos foragidos e a queda de Lucio Gutiérrez em 2005; e tantas outras vicissitudes que afetaram a estabilidade política, econômica e social do Estado. Rafael Correa, um professor universitário que ainda não havia completado 50 anos e que havia ocupado o Ministério da Economia e Finanças no governo do presidente Alfredo Palacio, parecia ter devolvido a ilusão ao povo equatoriano com sua Revolução Cidadã. No entanto, a era da esperança e da prosperidade ficou no passado e a deterioração que o país sofreu nos últimos anos levou a uma situação de crise, insegurança grave e narcoterrorismo.
Após sua vitória eleitoral em 2007 com o movimento Alianza País, Correa governou o país andino por uma década, proclamando como objetivos a implementação do socialismo do século XXI, o desenvolvimento sustentável da sociedade e a vida humanista através do bem viver. Com a promulgação da Constituição de 2008, estabeleceu-se um modelo no qual o Estado passava a ser o garantidor dos direitos coletivos e ambientais – substituindo a prioridade das garantias individuais –, ocupava um papel central no planejamento da produção e instaurou um quarto poder chamado Conselho de Participação Cidadã e Controle Social, que convivia com os três poderes tradicionais. Na área de política externa, minimizou a influência da globalização e apostou na integração regional bolivariana. O carisma do novo presidente, a mobilização social em favor da mudança e o auge nos preços das matérias-primas pareciam ser a combinação perfeita para inaugurar uma era de prosperidade para o Equador.
Sete anos após sua saída do poder, pouco resta daquele Equador. A crise e a crescente polarização durante o final da presidência de Correa; a fratura interna na Alianza País entre os partidários do ex-presidente e seu sucessor, Lenin Moreno; os julgamentos de Correa, a condenação por suborno e sua fuga para a Bélgica; a queda no preço das matérias-primas; a morte cruzada desencadeada pelo ex-presidente Lasso e o aumento da insegurança são só alguns dos eventos que ajudam a explicar como o país andino caminhou para uma situação ainda mais complicada do que a do final da década de 1990. E um novo elemento apareceu na equação: o narcoterrorismo.
A situação que o Equador atravessa, onde o presidente Noboa declarou um “conflito armado interno”, pode parecer as ocorridas na Colômbia com o cartel de Medellín de Pablo Escobar ou no México com a guerra aos cartéis durante o Governo de Calderón. As máfias do narcotráfico realizam uma aliança estratégica com setores armados extremistas e semeiam o terror detonando bombas, sequestrando e assassinando civis e policiais e fomentando o caos para controlar as ruas. Los Choneros, Los Lobos e Los Tiguerones, as três principais gangues – embora existam mais de vinte grupos dedicados a essas atividades no Equador – introduziram ações criminosas que até então eram marginais no país, como a normalização de assassinatos por encomenda, ataques em massa às forças policiais, massacres em prisões e a exibição de cadáveres em pontes como sinais de advertência.
Mas como se chegou até aqui? Embora seja difícil sintetizar todos os elementos envolvidos, é possível listar algumas conjunturas e más decisões que precipitaram o desastre. Em primeiro lugar, a crise econômica após o fim do boom das matérias-primas facilitou que o narcotráfico se tornasse uma saída informal para muitos equatorianos sem trabalho ou renda. Sobretudo tendo em conta que a dolarização da economia e os fracos controles financeiros do país facilitam a lavagem do dinheiro das drogas. Ademais, os cortes orçamentários para priorizar o pagamento da dívida, promovidos pelo ex-presidente Moreno e aprofundados por Lasso, afetaram os gastos na polícia e em prisões, enfraquecendo o já frágil aparato de segurança do Estado.
Em segundo lugar, a decisão de Correa de acabar com o contrato de arrendamento de uma base militar estadunidense na cidade portuária de Manta facilitou o trânsito de carregamentos de drogas para a Colômbia. E essa base era operada pela DEA, a agência antidrogas que garantia os controles fronteiriços na zona norte. Mas, além disso, a lei aprovada por Correa, que mantém os acusados na prisão até o julgamento, quadruplicou a população carcerária e as prisões se tornaram espaços de recrutamento de novos membros para as gangues. A saturação e as condições difíceis de sobrevivência dos reclusos transformaram as prisões equatorianas em uma espécie de quartel-general para os narcotraficantes. Além disso, a expansão da corrupção entre os agentes permitiu que as gangues possuíssem toda uma rede logística, introduzindo armas pesadas, fuzis e granadas às prisões.
Por último, o contexto externo também contribuiu. O mercado de drogas mudou nos últimos anos na região andina, sobretudo após o desarmamento das FARC na Colômbia, que controlava grande parte do tráfico. Houve uma fragmentação das organizações dedicadas ao narcotráfico, surgindo novas gangues e rotas de exportação, algumas das quais se mudaram para o Equador. O país deixou de ser apenas um lugar de trânsito, e as gangues locais se envolveram diretamente na produção, armazenamento e distribuição de cocaína, estabelecendo alianças com cartéis mexicanos. Por um lado, aumentou o cultivo de coca em Esmeraldas e Sucumbíos, províncias que fazem fronteira com a Colômbia. Por outro lado, mais de um terço da cocaína proveniente do país vizinho chega ao Equador para ser distribuída de lá para os Estados Unidos e a Europa.
A soma de um enfraquecimento do Estado e a falta de proteção social, um contexto econômico desfavorável e a expansão do narcotráfico tornaram o Equador em um país altamente vulnerável ao crime organizado. O país andino está imerso em uma espiral de violência e instabilidade que baniu para o esquecimento o progresso alcançado há pouco mais de uma década.
Autor
Cientista política. Professora da Univ. de Valência (Espanha) e docente externa da Univ. de Frankfurt. Doutora em Estado de Direito e Governança Global pela Universidade de Salamanca. Especialista em elites políticas, representação, sistemas de partidos e política comparada.