Os incêndios florestais ocorridos em agosto de 2019 no Brasil, Bolívia e Paraguai fizeram disparar os alarmes e colocaram a América Latina no centro das discussões sobre o meio ambiente e a mudança no clima, mas esses episódios são apenas sintomas de um fenômeno estrutural que fez da região a zona mais perigosa do mundo para os defensores do ambiente.
Embora em 2019 tenham sido realizados eventos importantes como a Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP 25) e uma mobilização estudantil inédita tenha gerado conscientização em todo o mundo sobre a necessidade de proteger o ambiente e limitar as consequências da mudança do clima, os defensores do ambiente foram e continuam a ser ameaçados, tratados como criminosos e assassinados, de múltiplas formas.
De acordo com a organização de defesa dos direitos humanos Global Witness, em 2018 foram assassinadas 164 pessoas defensoras da terra e do ambiente, em todo o planeta, mas o número de mortes registradas oficialmente é inferior ao real, por medo de represálias.
Número muito maior de pessoas foram silenciadas por meio de prisões, processos judiciais ou ameaças de morte. Na América Latina, Colômbia, Brasil, Guatemala e México são os países com maior número de fatalidades, mas nações como Venezuela, Honduras e Chile também registraram número importante de vítimas.
Se analisarmos o número de homicídios por setor, perceberemos que a maioria se concentra em áreas de mineração e indústrias extrativas, agronegócios, água e represas, e exploração florestal, mas também há vítimas em segmentos como a caça e pesca ilegal, e até mesmo em atividades ligadas à energia eólica.
A gravidade dessa situação se expressa na impunidade generalizada que garante a perpetuação desses atos”
A gravidade dessa situação se expressa na impunidade generalizada que garante a perpetuação desses atos, assim como na repressão e criminalização exercida sobre as populações que defendem seus territórios e o direito à vida, definidas por governos de todas as tendências como “inimigas do desenvolvimento”, “terroristas” ou “sabotadoras”.
A violência e as violações de direitos humanos sofridas pelos defensores da natureza têm lugar em um contexto marcado pela impunidade e, em certos momentos, colaboração aberta por parte das autoridades, como evidencia uma publicação do Grupo de Relaciones Internacionales y Sur Global (Grisul), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
Assim, os avanços do desflorestamento, por exemplo, estão estreitamente ligados a políticas governamentais, redução de controles e alianças estratégicas entre governos e setores como o de agronegócios.
De acordo com um relatório recente da organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch, esse é o caso no Brasil, onde, em vez de proteger os defensores do ambiente e da floresta amazônica, o governo do presidente Jair Bolsonaro criticou publicamente pessoas e organizações que trabalham em defesa do ambiente.
Além disso, as agências governamentais que respondem pelo setor foram enfraquecidas, e a aplicação das leis ambientais foi cerceada. Como resultado, a violência e destruição do ambiente estão aumentando, já que o país também deixou de cumprir seus compromissos de mitigar a mudança climática e sua promessa de acabar com o desflorestamento ilegal da Amazônia até 2030.
A violência histórica e estrutural praticada na América Latina contra aqueles que defendem a terra e uma opção de desenvolvimento alternativa à exploração insaciável de matérias-primas fica oculta sob uma retórica que defende a necessidade de promover o “desenvolvimento” e o “crescimento econômico” dos países da região a qualquer preço, mas na verdade legitima grupos de interesses minoritários vinculados ao capitalismo extrativista em suas múltiplas expressões.
Comunidades tradicionais de camponeses, mulheres, indígenas e afrodescendentes são excluídas desses cálculos e vêm sofrendo as maiores consequências da ampliação e avanço da fronteira extrativa na região.
Ao mesmo tempo, esses grupos, na companhia de movimentos sociais e ecológicos e organizações da sociedade civil, criam alternativas pós-extrativas que consideram o planeta Terra como lar comum e conferem posição central aos desejos, necessidades e interesses reais das pessoas.
Suas propostas nos convidam a refletir sobre o tipo e as características do desenvolvimento que queremos, ao mesmo tempo em que nos fazem recordar que nosso atual modelo acarreta perigo não só para o ambiente mas para todos aqueles que buscam defendê-lo.
Foto de Rafael Edwards em Foter.com / CC BY-NC
Autor
Cientista política. Professora de Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UNIRIO. Doutora em Ciência Política pela Universidade Complutense de Madri.