A menstruação continua sendo um assunto tabu em muitas comunidades, o que gera vergonha e discriminação contra as mulheres. Na época da menarca, ou primeira menstruação, a maioria das mulheres relata que não recebeu as informações necessárias para lidar com essa mudança. Esse estigma afeta negativamente a autoestima e o bem-estar emocional das mulheres, perpetuando a desigualdade de gênero e limitando sua participação plena na sociedade. Em nível global, estudos mostram que o estigma relacionado à menstruação é generalizado, e as meninas adolescentes, em particular, muitas vezes se sentem envergonhadas ou incapazes de falar abertamente sobre o assunto.
Além disso, persistem muitos mitos sobre a menstruação, como a ideia de que as mulheres não devem se envolver em determinadas atividades durante o período menstrual. Esses mitos não apenas limitam as oportunidades das mulheres, mas também reforçam as barreiras ao seu desenvolvimento e bem-estar.
Esse tema está estreitamente vinculado à saúde e à pobreza, especialmente em comunidades de baixa renda, onde muitas mulheres enfrentam dificuldades para acessar de forma segura e equitativa os direitos à saúde, conforme mencionado no relatório Econonuestra da Oxfam, e concretamente os produtos de gestão menstrual. As múltiplas exclusões enfrentadas por esses grupos populacionais historicamente vulneráveis não se limitam à geração de renda, mas também à negação dos direitos à saúde.
Essa realidade deu origem ao conceito de pobreza menstrual, que reflete a falta de acesso a produtos básicos de higiene menstrual, educação e saneamento adequados, o que afeta gravemente a qualidade de vida de mulheres economicamente vulneráveis. Garantir o acesso à saúde menstrual adequada para todas as pessoas que menstruam é uma responsabilidade social. É por isso que o impacto em algumas das condições necessárias (educação, infraestrutura, saúde, liberdade, inclusão e higiene) a compromete.
Na Argentina, a crise econômica exacerbou os desafios da gestão menstrual. A falta de acesso a produtos menstruais básicos, devido ao seu alto custo, obriga muitas mulheres a priorizar sua compra em detrimento de outras necessidades básicas, como alimentação, ao mesmo tempo em que ameaça a saúde menstrual e aprofunda as desigualdades sociais no país.
Um estudo de âmbito nacional, realizado pela consultoria argentina Voices! em conjunto com o Supermercados Día, revelou que 81% das mulheres menstruadas consideram os produtos menstruais caros ou muito caros e 7 em cada 10 estão preocupadas com o fato de não poderem comprá-los. Cinco em cada 10 mulheres argentinas relatam que tiveram que limitar a compra de produtos menstruais devido a restrições econômicas e 8 em cada 10 mulheres menstruadas mudaram seus hábitos de gestão menstrual nos últimos 12 meses. A mudança mais comum foi a opção por marcas mais baratas, seguida pela escolha de produtos alternativos para reduzir os custos e o uso inadequado de alguns produtos, como o uso prolongado.
O estudo também mostrou que há muito interesse em experimentar produtos mais ecológicos, como o coletor menstrual e os protetores de calcinha menstruais. Isso representa uma grande oportunidade para atender às demandas duplas por maior igualdade social de gênero e políticas privadas de equidade que abordem a sustentabilidade ambiental. É especialmente interessante em setores vulneráveis que não têm sistemas adequados para o descarte de produtos menstruais usados.
O problema transcende as fronteiras em nossa região. Por exemplo, no Brasil, 1 em cada 4 meninas faltou à escola por não ter um item tão básico como o absorvente menstrual, o que motiva a substituição de produtos de gestão menstrual tão improvisados quanto anti-higiênicos e ineficazes, como migalhas de pão ou jornais velhos, uma prática comum em setores vulneráveis.
Para aliviar essa carga econômica, várias organizações na América Latina implementaram iniciativas de apoio. Na Argentina, por exemplo, a campanha #El28EsParaVos dos supermercados Día oferece um desconto de 50% em produtos menstruais no dia 28 de cada mês. Além disso, há propostas de políticas públicas para garantir a acessibilidade dos produtos menstruais. A EcoFeminita realiza uma campanha chamada #MenstruAcción com o objetivo de tornar visível que a menstruação é um fator de desigualdade. Há também algumas iniciativas legislativas que buscam incluir produtos menstruais na cesta básica e isentá-los de impostos, além de alguns programas comunitários e ONGs locais que distribuem produtos menstruais gratuitos em áreas de alta vulnerabilidade.
Em outros países da região, como o México e o Uruguai, foram implementadas medidas eficazes para melhorar o acesso a produtos de gestão menstrual. Por exemplo, no México, o movimento Menstruación Digna conseguiu, em 2021, eliminar o IVA de 16% sobre produtos de gestão menstrual, seguindo o exemplo da Colômbia, que, em 2018, eliminou o imposto sobre absorventes, enquanto o Uruguai lançou o programa Gestão Menstrual + Igualdade + Inclusão para distribuir kits gratuitos em Montevidéu a partir de 2023. No Brasil, o governo anunciou a distribuição gratuita de absorventes higiênicos em farmácias de todo o país para mulheres de baixa renda, o que beneficia milhões de mulheres.
Tudo isso ressalta como a pobreza afeta desproporcionalmente as mulheres, sendo a menstruação um fator adicional de desigualdade. Os custos associados à gestão da menstruação, uma necessidade biológica, representam desafios significativos para as mulheres, e há uma forte demanda por acesso equitativo a uma gestão menstrual saudável. Em estudos qualitativos sobre o tema, as mulheres destacam que “a menstruação é algo que sempre estará presente, não é opcional” e reforçam a expectativa de que “deveria haver algo mais acessível” e que “os produtos deveriam ser acessíveis ou distribuídos gratuitamente em todos os centros de saúde por mês, pois é algo que faz parte do corpo humano e deve ser cuidado sem nenhum impedimento”. Enfatizando o caráter estrutural e não volitivo ou discricionário do condicionamento menstrual, as mulheres questionam: “Não é uma doença ou algo que decidimos ter ao nascer, e as pessoas em situações mais vulneráveis não podem ter acesso a esses privilégios.”
É essencial que a menstruação não se torne um obstáculo para nenhuma mulher, e é responsabilidade da sociedade como um todo garantir igualdade de condições para todas. A abordagem deve ser integral, combinando políticas legislativas, educação, conscientização e colaboração para abordar de forma eficaz a pobreza menstrual.
Autor
Diretora da consultoria argentina Voices. Membro do Conselho de Administração da WAPOR Latinoamérica, a seção regional da Associação Mundial de Pesquisa de Opinião Pública.