Um sinal dos tempos, estamos passando por uma enxurrada de debates e publicações sobre a crise da democracia. Mas, para além da linguagem editorial, persistem as lições dos estudiosos clássicos da ruptura institucional e do advento do autoritarismo próprio dos anos 70 e 80, prévio à chamada terceira onda democrática. Entre suas figuras mais proeminentes está o professor espanhol Juan Linz, que foi catedrático da Universidade de Yale, para quem o fracasso dos regimes liberais, pluralistas e representativos sempre foi melhor explicado pelo silêncio dos democratas do que pelo ruído dos autoritários.
Este aprendizado parece explicar fenômenos como as mobilizações do último 11 de agosto no Brasil em torno da chamada “Carta em Defesa do Estado Democrático de Direito para Sempre”, patrocinada e promovida por uma constelação ampla e impensável de atores sociais, personalidades e celebridades, cobrindo todo o espectro ideológico. Desde ex-presidentes como Fernando Henrique Cardoso e Lula, antigos e duradouros rivais em eleições, até agentes tão contrapostos como as centrais sindicais e as confederações empresariais. Da mesma forma, juntaram-se indivíduos e coletivos dos mundos acadêmicos, artísticos e esportivos, movimentos sociais e associações profissionais diversas. Em comum, sua adesão a uma iniciativa de baixo perfil lançada por autoridades e estudantes de direito da octogenária Universidade de São Paulo a convertendo em um fenômeno de massa.
Em poucos dias, um documento pensado para reunir posições internas no âmbito universitário projetado para não mais de 300 pessoas tornou-se o catalisador de um consenso em favor da institucionalidade por parte de cerca de um milhão de brasileiros que o assinaram, deixando clara a inaceitabilidade dos devaneios autoritários enunciados pelo Executivo em torno de denunciar como fraude e rejeitar eventuais resultados adversos para o partido governista nas próximas eleições presidenciais em outubro deste ano.
Esta capacidade de gerar uma convocatória de tom moderado mas claro, focada em valorizar as instituições representativas e pluralistas e os fundamentos republicanos de ordem pública (mais que em políticas ou objetivos partidários), congregando esquerda, centro e direita, mostra como a democracia é defendida na sociedade mais populosa da região. E o faz priorizando uma abordagem que soma vontades, centripetamente, ao redor de consensos que são tão poderosos quanto essenciais, em vez de buscar apoio para uma posição potencialmente conflituosa e desagregadora de possíveis acordos.
Este talvez seja um dos segredos mais bem guardados da majoritariamente bem sucedida democracia brasileira. Apesar do suspeitoso impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, da questionável prisão do ex-presidente Lula, dos excessos regulatórios e práticas corruptas do PT no governo e da eleição de um ex-militar medíocre e defensor da tortura e da ditadura, Jair Bolsonaro, como presidente da nação, o Brasil manteve-se à frente da grande maioria dos países latino-americanos em matéria de qualidade institucional e progresso democrático.
De acordo com o ranking de democracia da The Economist, o país começou o novo século em quarto lugar (de um total de 20 países) com um índice de 6,48 em 2000. Em 2022, mesmo com as ameaças presidenciais contra o poder judiciário e os resultados eleitorais, os assassinatos de militantes sociais e ambientalistas, a retórica pró-violência do chefe do Executivo, a crescente militarização do Estado e as expressões repressivas por parte da máquina pública, o Brasil melhorou sua pontuação, alcançando um índice de 7,18, ficando atrás apenas do Uruguai, Costa Rica, Chile e Panamá na qualidade de sua democracia.
Com cidadãos comuns nas ruas, mas também com suas elites assumindo publicamente uma posição contra desvios autocráticos e sectários e contrariando um discurso de demonização do outro, o silêncio passivo dos democratas que tantas vezes abriu caminho para o abuso de poder e a entronização autoritária é substituído pela articulação consensual, efetiva e dissuasiva dos partidários do Estado de direito. Ao fazer isso, aumentam os custos do aventurismo populista e autocrático, revelando como neutralizar com êxito as típicas tentações tirânicas das lideranças de nossa região.
*Tradução do espanhol por Giulia Gaspar
Autor
Fabián Echegaray é diretor da Market Analysis, uma consultoria de opinião pública sediada no Brasil, e atual presidente da WAPOR Latin America, o capítulo regional da associação global de pesquisa de opinião pública: www.waporlatinoamerica.org.