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O impacto da IA na política democrática: risco ou oportunidade?

Não são poucos os desafios para integrar a inteligência artificial aos processos institucionais e à engenharia política, e não há consenso sobre suas vantagens. Essa leitura de faca de dois gumes condicionará as inovações e alimentará as demandas por regulamentação externa.

Cidadãos bem informados, com conhecimento político baseado em fatos objetivos, têm sido, desde sempre, uma das condições prévias para a existência e a consolidação de uma democracia sólida e robusta. Por décadas, análises minuciosas de pesquisas sobre cultura política constataram que um capital cognitivo alto em política está associado a sentimentos maiores de eficácia na tomada de decisões, a uma predisposição para participar da vida pública e a um apoio claro à democracia em detrimento de alternativas autoritárias. Essas constatações, no entanto, são desafiadas em tempos em que as fontes de informação que alimentam esse conhecimento político estão sujeitas a manipulação, notícias falsas e produção de dados sintéticos a partir de ferramentas de inteligência artificial.

A inteligência artificial pode ser uma alavanca para uma melhor representação de interesses e uma maneira mais efetiva de governar e expressar as preferências dos cidadãos, ou é uma ameaça que corre o risco de distorcer a qualidade de nossa vida pública e democrática? A tensão entre tecnologia e política não é nova, e há casos ilustrativos tanto de previsões animadoras quanto de conclusões pessimistas.

Diferentes interpretações

O escândalo da Cambridge Analytica, que expôs o impacto das redes sociais e do big data na manipulação de eleições, simbolizou o emblema da interpretação pessimista. A eleição de Donald Trump e o Brexit da Europa pelo Reino Unido foram suas consequências. Sem recuar tanto no tempo e na geografia, temos exemplos análogos aplicados à nossa região, especialmente o Brasil, que lidera o processo de discussão e intenções de regulamentação das novas ferramentas.

Em plena campanha de 2022, circulou um simulacro extremamente verossímil de um conhecido jornalista da TV Globo anunciando resultados de pesquisas que davam o triunfo a Bolsonaro. O vídeo tinha como objetivo fazer com que a vontade popular apoiasse o agora ex-presidente, estimulando um clima de desconforto entre os apoiadores de Lula e um voto de vergonha a favor do vencedor entre os indecisos. Esse exemplo de “deep fake” ilustra o impacto negativo que algumas das novas tecnologias podem ter durante as eleições ao fazer circular informações errôneas.

Por outro lado, não são poucos os comentaristas e líderes setoriais que veem a chegada do ChatGPT até o final de 2022 como uma oportunidade de equalização das informações e da tomada de decisões com base em dados para a grande maioria. A acessibilidade dessas ferramentas, desde assistentes virtuais como Siri, Alexa e Google Assistant até os mais sofisticados modelos generativos, como o Gemini do Google e os recentes ChatGPT-4 e Sora da OpenAI, favorece a interpretação da IA como um instrumento promotor da transparência e da detecção de vieses ou danos coletivos, como a desinformação.

O potencial ambíguo de facilitar e manipular os processos individuais de tomada de decisão política é projetado na ambivalência de como o poder público aborda a necessidade de regulamentar a IA no Brasil. De fato, há 46 projetos de lei diferentes em discussão em nível federal, buscando controlar o impacto que esses instrumentos de IA têm sobre a política e a sociedade.

Diante da inércia promovida por projetos de lei muitas vezes contraditórios, o Judiciário, por meio de seu braço eleitoral nos tribunais, decidiu vetar o uso de “deep fakes” em campanhas, sob pena de cancelamento de candidaturas e aplicação de pesadas multas. No entanto, permitiu o uso de outros mecanismos de IA, desde que reconhecidos como tal nas publicidades e na divulgação feita pelos comitês de campanha.

Como os cidadãos reagem às evidências positivas e negativas sobre os efeitos da IA na vida pública?

Um estudo recente da empresa de consultoria Market Analysis revela que os brasileiros estão inseguros quanto às consequências de tais ferramentas. As dúvidas têm a ver com a produção de desinformação: metade dos entrevistados teme que a disseminação de notícias falsas e fatos falsos ou distorcidos por meio da IA possa impactar negativamente a democracia brasileira. A outra metade acredita que a IA pode ajudar a detectar fake news e manobras desinformativas. 

É interessante notar que níveis mais altos de educação e poder aquisitivo não aumentam o grau de confiança em se isentar de influências adversas para a identificação confiável de notícias impostas pela IA. O eleitorado mais instruído e de maior renda apresenta um grau de incerteza sobre quais informações são verídicas ou falsas, quais imagens e vídeos são reais ou manipulados, semelhante ao da população menos sofisticada ou com menos recursos.

Quando os anos de escolaridade e o bem-estar financeiro não dão às pessoas uma sensação de maior controle sobre o que cerca suas vidas e – sobretudo – sobre o que molda suas impressões da realidade e suas escolhas políticas, estamos em apuros. O que essas circunstâncias nos dizem sobre o direito legítimo de votar? E que outros recursos poderiam moderar a paralisia diante da incerteza sobre o que seria a verdade e a informação ou diante das tentações de intensificar um clima de extremismo autoritário?

Tais ambivalências não negam que a opinião pública brasileira esteja inclinada a uma leitura mais otimista dos efeitos da IA sobre a democracia. Suas principais virtudes ocorreriam por meio de uma melhoria na transparência governamental e no acesso à informação (55% acreditam que esse seja o caso). De acordo com os brasileiros, a IA na política teria resultados mais benéficos do que prejudiciais ao facilitar a participação dos cidadãos nas decisões políticas e no auxílio à detecção de notícias falsas e desinformação.

Ao mesmo tempo, permanece uma apreensão moderada em relação a seus potenciais impactos negativos, como a disseminação de desinformação e notícias falsas em formas mais sofisticadas, como as “deep fakes” (48% pensam dessa forma). Muito menos temido é o receio de que a IA leve a uma maior concentração de poder nas mãos de organizações ou entidades não eleitas (31% desconfiam disso), à diminuição da segurança e da confiança nas eleições (28% temem isso) e à redução da transparência nas decisões do governo (28% pensam assim). 

Essas percepções mudam significativamente de acordo com a idade: os mais jovens têm maior probabilidade de reconhecer os impactos positivos da IA na democracia. O ceticismo aumenta com a idade, sugerindo que a experiência de acesso às informações e ao funcionamento das rotinas eleitorais, em vez de gerar uma sensação de capacitação e controle, intensifica um sentimento de impotência ou, no mínimo, um reconhecimento da complexidade e da falta de compreensão integral sobre o papel da alta tecnologia na política.

Não são poucos os desafios para integrar a inteligência artificial de forma harmoniosa e orgânica aos processos institucionais e à engenharia política de nossas democracias. Para começar, não há consenso sobre suas vantagens em relação ao seu potencial de ameaça. Essa leitura de faca de dois gumes condicionará possíveis inovações, além de alimentar as demandas por regulamentação externa. O otimismo das novas gerações, especialmente dos nativos digitais, não é garantia de um viés de apoio em um futuro próximo; por outro lado, persistem os temores de que essa simpatia seja mais uma expressão de ingenuidade do que de identificação e exploração de benefícios palpáveis. A promessa de melhor governança e inclusão dos cidadãos por meio da IA ainda é um trabalho em andamento.

Autor

Otros artículos del autor

Posgrado en Ciencia Política (Unicamp) y es analista de investigación de Market Analysis, consultora de opinión pública con sede en Brasil.

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Licenciada en Ciencias Sociales por la UFSC (Universidad Federal de Santa Catarina, Brasil) y analista de investigación de Market Analysis, consultora de opinión pública con sede en Brasil.

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Fabián Echegaray es director de Market Analysis, consultora de opinión pública con sede en Brasil, y actual presidente de WAPOR Latinoamérica, capítulo regional de la asociación mundial de estudios de opinión pública: www.waporlatinoamerica.org.

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