Coautora María del Carmen L. Miranda
Nos primeiros meses de 2021, o frio, a chuva e os ventos fortes se entrelaçam com os olhares perdidos, o cansaço, as tendas de acampamento, as canções religiosas e os bolsos dos migrantes cheios de ilusões que se amontoam a poucos metros do “El Chaparral”. Esse é o nome dado ao posto fronteiriço que separa o México dos Estados Unidos, dois países tão diferentes quanto suas cidades fronteiriças, Tijuana e San Diego. Os habitantes deste acampamento improvisado foram levados a fazer a viagem pela falta de oportunidade e violência em seus países de origem. Adultos, famílias e cada vez mais crianças sozinhas engrossam a população de cerca de 2.000 pessoas de países como El Salvador, Honduras e Guatemala e, em menor grau, do Haiti, Cuba e do próprio México.
Com a vitória de Joe Biden, um novo fluxo migratório começou a se mover para o norte, atraído pelas possíveis mudanças na política migratória. Mas rapidamente se tornou claro que as promessas democratas da campanha permaneceriam promessas, especialmente dadas as restrições fronteiriças em plena pandemia.
Ancorado em Tijuana, um lugar enigmático que, dependendo de seu ponto de vista, pode ser onde “começa a pátria” ou onde “termina a América Latina”, os migrantes permanecem esperando para alcançar seu objetivo: o “sonho americano”. Um sonho que, no momento, é um pesadelo.
Perspectivas diferentes
Do ponto de vista dos migrantes, os fatores que motivam seu deslocamento são muito diversos. Desde conflitos políticos, necessidades econômicas e violência, até as mais recentes catástrofes ambientais, cada vez mais frequentes como consequência da mudança climática.
Os Estados Unidos, no entanto, têm uma perspectiva diferente. Após os ataques terroristas de 2001, as políticas de imigração foram reforçadas e se tornaram um instrumento de segurança nacional. Isto se traduziu no aumento de restrições à mobilidade entre fronteiras e em uma criminalização da migração irregular.
Durante a administração Trump, a situação dos migrantes, tanto dentro como fora do território estadunidense, tornou-se ainda mais complicada. Entre a construção de um muro fronteiriço e o cancelamento do programa DACA (Deferred Action for Childhood Arrivals) que beneficiou milhões de “dreamers”, as políticas migratórias tomaram um rumo excludente.
Vendedores de sonhos
Como se isso não fosse suficiente, nos países que enviam migrantes, os “coiotes” abundam. São pessoas que conhecem a rota de migração e que lucram com as necessidades das pessoas. Amparados pelo anonimato das redes sociais, eles enganam seus futuros clientes, oferecendo-lhes novas oportunidades, uma aparente travessia “segura” ou documentos falsos para circular livremente pelo território mexicano. Oferecem, inclusive, facilidades quando se trata de cobrar pelos serviços prestados, que podem variar de mil a cinco mil dólares por pessoa, dependendo da rota, do tempo, das comodidades ao longo do caminho e do tipo de travessia.
Muitas famílias, encorajadas pela falsa promessa do “sonho americano” e alimentadas por rumores de que menores desacompanhados não serão deportados, enviam seus filhos sozinhos com a ilusão de um futuro melhor. De acordo com a Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos, até fevereiro haviam contabilizado 29.010 casos de crianças desacompanhadas.
Fora do mito
A atual crise migratória demonstra que a mudança de governo nos Estados Unidos não significou uma transformação substancial em temas migratórios. A superlotação nos centros de detenção para migrantes aumentou, apesar das alegações da nova administração de que protegeria as crianças migrantes. O número de crianças retidas e deportadas é alarmante.
A atual criminalização da migração se ampara na conjuntura sanitária. Os migrantes que chegam aos Estados Unidos são detidos e processados sob o Código implementado por Trump que determina que, devido à existência do Covid-19 no México e no Canadá, existe um grave perigo de uma maior introdução da doença nos Estados Unidos.
De acordo com dados da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos, de novembro a fevereiro houve 317.590 expulsões aos estados do norte do México e sua transferência, pelo Instituto Nacional de Migração (INM), para abrigos pertencentes a organizações da sociedade civil que não contam com as condições básicas.
As injustiças a que os migrantes são submetidos durante suas viagens são inúmeras: detenções em ambos os lados da fronteira, deportações, violência policial, extorsão, estupro e até assassinato. Portanto, em um ato de resiliência, os migrantes implementaram mecanismos de defesa coletiva, como mover-se em caravanas para se protegerem como um grupo ou formar acampamentos para permanecerem unidos enquanto passam por cidades como Tijuana, considerada uma das mais violentas do México.
O que acontecerá com as crianças detidas nos centros de detenção estadunidenses ou com aquelas que se encontram sozinhas em abrigos mexicanos? Diante desta realidade desoladora, o futuro das crianças, que representam mais de 60% do fluxo migratório atual, é uma incógnita.
María del Carmen L. Miranda é Mestre em Relações Internacionais pela Univ. Autônoma Metropolitana (México). Consultora independente em questões de migração.
Fotos de Hugo J. Regalado
Autor
Jornalista, mestre em Jornalismo pela Universidade de Barcelona e em Estudos Latino-Americanos pela Universidade Complutense de Madrid.