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Equador: entre a eclosão e o diálogo

Junho de 2022 foi sinônimo de eclosão no Equador. A liderança da Confederação de Nacionalidades Indígenas (Conaie), junto com suas comunidades, iniciaram uma greve, na qual vários setores se uniram para exigir ao governo de Guillermo Lasso o cumprimento de dez demandas que não foram processadas em 2021, devido a três reuniões que fracassaram por falta de flexibilidade das partes. A principal exigência ao Executivo foi a diminuição do preço dos combustíveis, já que os postos de gasolina estavam vendendo em correspondência com o mercado mediante um esquema que encerrou a política histórica de subsídios. Esta decisão foi tomada pelo ex-presidente Lenín Moreno, antecessor do atual presidente. A paralisação durou 18 dias em um contexto de crise política, econômica e de insegurança cidadã.

De outubro de 2019 a junho de 2022

Outubro de 2019 desencadeou o ciclo de protesto social na América Latina e seu epicentro foi Quito. A eclosão começou com a paralisação dos trabalhadores dos transportes, mas foi contida pelo Governo. Imediatamente, uma liderança indígena jovem e renovada assumiu o posto, apropriou-se da narrativa e apresentou uma lista de demandas que excediam a diminuição do preço dos combustíveis, que contou com o respaldo de vários setores sociais. 

A recomposição do movimento indígena foi evidente em comparação com sua última atuação em 2015, quando enfrentaram o ex-presidente Rafael Correa, seu adversário político. Desde 2019, vislumbrou-se um novo cenário político para o movimento indígena: um candidato presidencial de Pachakutik fortalecido para 2021, que ficou em terceiro e um líder indígena em ascensão, Leonidas Iza.

Diferente de outubro de 2019, neste caso, a liderança indígena convidou o Governo a dialogar desde o momento de sua posse, mas condicionou sua participação em linha direta com seus interesses. Neste processo, a Conaie não permitiu a entrada de outras organizações partidárias ou setores sociais relacionados para não compartilhar a liderança da reivindicação social. Seu respaldo direto é o bloco legislativo Pachakutik, que representa a segunda maioria e as bases das comunidades das províncias das Serra Central (Bolívar, Chimborazo, Tungurahua e Cotopaxi), Serra do Norte (Imbabura) e das amazônicas (Pastaza, Morona Santiago, Zamora, Napo, Sucumbíos, Orellana). Sua presença é pequena na Costa.

Nos últimos três anos, o Conaie tem tendido a fortalecer sua organização, convocatória e mobilização, ou seja, dirigentes das filiais, em sinergia com a liderança de Leonidas Iza, que vem da ala mais radical do movimento indígena, em uma mistura ideológica de mariateguismo de origem peruana, socialismo comunitário e filiação católica.

Este fortalecimento aperfeiçoou a estratégia de mobilização das províncias para a capital e a resistência para enfrentar uma paralisação mais longa. Desta vez, foram 18 dias, sete a mais do que em outubro de 2019. Os protestos aconteceram dois meses antes das organizações políticas apresentarem seus candidatos às eleições para os municípios e prefeituras. Pachakutik disputará o eleitorado do correísmo, das esquerdas e o populismo urbano.

A eclosão de junho ocorreu em um contexto no qual a aceitação do governo chegou a 20%. Em um ano, o Executivo havia perdido 50% do apoio, apesar do exitoso plano de vacinação, de conseguir a estabilidade macroeconômica e de estar isento de acusações de corrupção. No entanto, enfrentou uma investida do crime comum, do crime organizado e dos assassinatos nas prisões. Ou seja, houve uma combinação de insegurança, desemprego e falta de conexão com os cidadãos comuns, que não conseguiam compreender para onde o governo estava indo. Isto, sem perder de vista o bloqueio na Assembleia e a oposição feroz do correísmo e a controvérsia não resolvida com seu ex-aliado natural de direita, o Partido Social Cristão.

Outras cartas para análise 

Esta nova eclosão pôs em evidência a disputa do relato político no imaginário social acerca da reivindicação histórica versus a tentativa de golpe de Estado. O confronto ocorreu nas redes alternativas e digitais, nas quais as mídias comunitárias, ambientais, feministas e de direitos coletivos apoiaram a proposta do Conaie contra as mídias tradicionais, que matizaram a cobertura jornalística e o somaram ao que acontecia na Assembleia e nas ruas. Na câmara legislativa, a votação foi feita para retirar o presidente do cargo sob o teor do artigo 130, por instigação do correísmo, mais os votos de Pachakutik e dos autodenominados rebeldes de outras bancadas.

Enquanto Iza disputava a rua, os partidos de oposição buscaram fazer uma cruzada contra Guillermo Lasso. Para isso, eram necessários 92 dos 137 votos, mas chegaram a 82 com fraude eletrônica incluída, pois foi manipulada a votação de quatro membros da assembleia que expressaram sua oposição, mas seu voto foi registrado de maneira contrária. Este crime está sendo investigado pelo Ministério Público.

A intensidade do protesto foi variando ao longo dos 18 dias de paralisação, já que a busca por uma mediação efetiva parecia se afastar a cada tentativa, já que nenhuma instituição estatal conseguiu alcançar bons resultados. O presidente da Assembleia, Virgilio Saquicela, tentou um diálogo, mas caiu quando votou pela destituição do presidente. Fez-se de juiz e júri.

A greve refrescou a memória da população e acendeu, mais uma vez, os alertas do Estado em relação à desatenção ao setor rural. Quase 40% de todas as crianças com desnutrição crônica são indígenas. As províncias onde se concentram a pobreza e a falta de serviços são as de Serra Centro e da Amazônia, e nesta última região estão, contraditoriamente, os poços de petróleo e as maiores reservas de biodiversidade do planeta. Além das dez demandas da Conaie, está em disputa o modelo de desenvolvimento. 

A sociedade civil e a mediação

Frente à crise institucional, a sociedade civil socorreu o país para impulsionar um processo de diálogo através do papel de fundações históricas como Esquel, as universidades, a Rede de Governo Aberto, a Conferência Episcopal do Equador, a Confederação de Organizações da Sociedade Civil e os ambientalistas. A liderança indígena e o Governo concordaram que a Igreja Católica deveria liderar a mediação nos próximos 90 dias, quando haverá choques e rupturas, em um país que precisa voltar ao caminho da pacificação com justiça social, recomposição do tecido cidadão e impunidade zero aos grupos criminosos infiltrados que se aproveitaram da crise para semear o terror.

Dez demandas da Conaie

  1. Baixar o preço dos combustíveis.
  2. Gerar emprego
  3. Não ampliar nem explorar mais hidrocarbonetos e nem mineração.
  4. Respeitar e garantir os direitos coletivos.
  5. Não privatizar os setores estratégicos.
  6. Controlar a especulação de preços.
  7. Cuidar da saúde e da educação.
  8. Garantir a segurança do cidadão.
  9. Implementar uma política de preços justos para a agricultura.
  10. Fazer uma moratória e renegociar dívidas para 4 milhões de famílias.

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Cientista político e comunicador. Coordenador geral de pesquisa do Instituto de Altos Estudios Nacionales - IAEN (Quito). Doutorado em Ciências Sociais pela FLACSO-Equador. Últimos livros (2020): "En el ojo del huracán. Lei de Comunicação no Equador".

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