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Equidade de gênero no Brasil: progressos ou miragem?

O que explicaria a discrepância entre uma percepção evolutiva favorável à igualdade de gênero no público geral e os dados alarmantes sobre insegurança e violência direcionada às mulheres e as menores oportunidades na carreira?

A retórica sobre a igualdade de gênero no Brasil nunca esteve tão presente, assim como as matérias sobre empresárias de sucesso, o boom do universo feminino em âmbito universitário, as notícias sobre uma presença maior de delegacias da mulher e os processos judiciais por abusos ou assédio sexual com resultados favoráveis para as vítimas mulheres. Sinais inequívocos de um país que tem caminhado em direção ao horizonte da equidade entre os sexos?

Segundo o Global Gender GAP Index de 2023, o Brasil está classificado em 57º lugar entre os 146 países avaliados em termos de igualdade de gênero. É a melhor posição que o país já ocupou desde 2006, tendo subido 37 posições no último ano. As melhorias mais significativas que causaram esse upgrade foram na política. Eleito com uma plataforma de centro-esquerda e derrotando um candidato abertamente anti-feminista, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez história em seu primeiro ano, ao nomear o maior número de mulheres para cargos ministeriais no país e aumentar em 2,9 pontos percentuais a representação feminina no parlamento.

Para além dos índices globais, a igualdade de gênero na política também foi perceptível para as mulheres brasileiras. Um estudo recente do instituto de pesquisa Market Analysis em parceria com a rede WIN constata que 41% das mulheres acreditam que o ideal de isonomia entre os sexos foi alcançado, total ou parcialmente, na política brasileira. Esse número representa um aumento significativo de 16% desde 2018.  Um percentual ainda maior, reunindo mais da metade das mulheres (53%), considera que a igualdade de gênero também foi alcançada nas artes, nos esportes, em casa e no trabalho.

Os homens são mais elogiosos a respeito desses avanços do que as próprias mulheres, um fenômeno percebido já há anos e que pode tanto evidenciar seu comprometimento com a pauta, como também exagerar a interpretação de avanços que parte do universo feminino ainda considera acontecendo numa velocidade glacial e mais cosméticos do que substantivos. Será que o viés masculino na superestimação do progresso de gênero indica antes uma preocupante satisfação majoritária alimentadora de um conformismo social fruto da popularização do conceito de ‘igualdade de gênero’ nas redes sociais, escolas, novelas e notícias, do que um reflexo de melhorias concretas na qualidade de vida das mulheres?

A pesquisa Market Analysis/WIN revela as reais cores da desigualdade de gênero no Brasil: a grande maioria das mulheres diz perceber que têm menos oportunidades de emprego e de carreira do que os homens (70%). Em comparação à 2021, também cresceu a porcentagem de mulheres que afirma ter sofrido violência física ou psicológica no último ano (+6,4%) e a que afirma ter sofrido assédio sexual (+1,2%), experiências de traumas sabidamente recorrentes e subnotificados nas pesquisas.

Onde pode estar o cerne dessa tensão entre leituras otimistas e admissões pessimistas? Quais fenômenos explicariam a discrepância entre uma percepção evolutiva favorável à igualdade de gênero no público geral e os dados alarmantes sobre insegurança e violência direcionada às mulheres assim como de menores oportunidades na carreira para elas?

Não fosse a avaliação também bastante favorável das mulheres com relação à conquista da igualdade de gênero nos diversos âmbitos mencionados, poder-se-ia argumentar que é a percepção masculina quem eleva as estatísticas de satisfação. Os homens mais velhos (acima 65 anos) e de classes socioeconômicas mais abastadas chegam a apontar três vezes mais do que as mulheres que a igualdade de gênero foi alcançada, sobretudo nos âmbitos profissional, da política e de casa. Acostumados com a escassez ou com a ausência de mulheres nas duas primeiras esferas, e com a submissão delas no mundo doméstico, é possível que uma mínima alteração nesse cenário seja suficiente para que a avaliação dos babyboomers homens e aqueles com um nível de bem-estar bem acima da média dê como suficiente os avanços. Não deixa de surpreender também que a educação gere um efeito peculiar. Homens com credenciais de alta escolaridade, isto é, universidade ou mais se somam ao coro dos satisfeitos: uma maioria (65%) enxerga uma situação de progressos palpáveis. Já entre seus pares femininos, isto é, as mulheres com mestrado, doutorado ou MBA, menos da metade delas concordam em que a igualdade de gênero está perto de ser alcançada no âmbito caseiro.

Esse viés de avaliação otimista da igualdade de gênero no Brasil se intensifica entre as minorias não-heteronormativas. Enquanto a grande maioria dos homens gays (70%) considera que a igualdade de gênero foi alcançada em casa, nas artes, nos esportes e no trabalho, e na política, a maioria das mulheres lésbicas discorda (65%). Para elas, esse ideal está longe de ser conquistado, sobretudo na política e no trabalho. Lamentavelmente, elas também sofreram mais assédios sexuais e mais violências físicas ou psicológicas.

Devemos nos perguntar se estamos celebrando como conquistas da igualdade de gênero os sucessos alcançados décadas atrás, os avanços meramente formais dos ordenamentos jurídicos e regulações legais, ou a igualdade colocada na prática no dia-a-dia e nas trajetórias das mulheres brasileiras. As primeiras nos cabe celebrar como história; as segundas, como direitos; mas se as meninas e mulheres ainda estão sujeitas à diversas formas de discriminação e violência de gênero, o ideal de igualdade ainda está longe de ser alcançado.

Autor

Otros artículos del autor

Posgrado en Ciencia Política (Unicamp) y es analista de investigación de Market Analysis, consultora de opinión pública con sede en Brasil.

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Licenciada en Ciencias Sociales por la UFSC (Universidad Federal de Santa Catarina, Brasil) y analista de investigación de Market Analysis, consultora de opinión pública con sede en Brasil.

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