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Ganhou Lula, venceu a democracia

Luiz Inácio Lula da Silva será presidente pela terceira vez no Brasil. No segundo turno das eleições mais polarizadas desde o retorno à democracia, Lula ganhou com 50,90% dos votos contra os 49,10% de Bolsonaro. A vitória de Lula foi confirmada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) às 19:57 horas, quando 98% das urnas haviam sido apuradas, e foi reconhecida pelos Estados Unidos e por vários países. Entretanto, dadas as características destas eleições, sua vitória representa muito mais do que a ressurreição política de Lula ou o sucesso do Partido dos Trabalhadores (PT). Apesar de várias ameaças e tentativas de impedir o processo eleitoral por parte do governo de Jair Bolsonaro, a vitória da maior frente ampla desde a ditadura militar é claramente a vitória da democracia sobre o risco de uma regressão autoritária.

As eleições presidenciais de 30 de outubro não foram equânimes e se caracterizaram pela circulação de notícias falsas, altos níveis de desinformação, violência política e ameaças diretas à continuidade democrática. A ampla frente pró-democracia liderada por Lula confrontou a máquina estatal brasileira a serviço do atual presidente para comprar votos e lealdades. Através do chamado “orçamento secreto”, considerando o orçamento de 2023, o executivo terá distribuído 80 bilhões de reais além do que é permitido pela Constituição em troca de apoio político.

Em um contexto de violência e alta polarização, os episódios mais marcantes da última semana incluem o tiroteio e o lançamento de granadas contra membros da Polícia Federal por Roberto Jefferson, aliado do Bolsonaro em prisão domiciliar que estava preso preventivamente por não cumprir medidas cautelares, divulgar fake news e insultar membros do Supremo Tribunal Federal (STF); a ameaça e a perseguição armada nas ruas de São Paulo de uma apoiador de Lula por Carla Zambelli, deputada e aliada de Bolsonaro; e a denúncia improcedente do alegado favoritismo de comunicação da campanha de Lula nas estações de rádio do país pelo Ministro das Comunicações Fabio Faria.

O evento mais grave, no entanto, foi a tentativa de impedir ou atrasar o voto dos eleitores por meio de operações de controle e bloqueios ilegais de estradas durante o segundo turno. Estas medidas foram realizadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), cujo diretor foi indicado por Flávio Bolsonaro e é apoiador do atual presidente, e tiveram como alvo especialmente a região Nordeste, onde se concentra a maioria dos apoiadores de Lula. Conforme diversos meios de comunicação, a decisão sobre esta operação ilegal foi tomada no próprio palácio da Alvorada. As mais de 560 operações de controle realizadas em todo o país foram denunciadas publicamente por observadores internacionais e organizações como a Transparência Internacional. Elas foram interrompidas somente após intimação de Alexandre de Moraes, ministro do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Apesar das tentativas de obstruir o bom andamento das eleições, os resultados confirmaram a vitória de Lula, sindicalista e líder histórico da esquerda brasileira que foi impedido de participar das eleições de 2018 por ter sido condenado em um julgamento parcial e sem provas suficientes no âmbito da operação Lava Jato. Por sua vez, Jair Bolsonaro, o atual presidente e candidato de extrema direita, é o primeiro presidente a não ser reeleito desde que a emenda de reeleição foi aprovada em 1997. De forma inédita, 31,8 milhões de brasileiros se abstiveram, ou seja, 20,6% dos eleitores com direito ao voto, um número significativo, mas inferior ao primeiro turno em que a abstenção atingiu 20,95%. Os votos brancos e nulos em conjunto representaram 4,59% do total.

O Brasil está de volta

Em seu primeiro discurso oficial, usando um tom conciliatório, Lula agradeceu a todos os setores que o apoiaram e à mídia. Ele disse que governará para todos os 215 milhões de brasileiros, já que não há dois Brasis, mas apenas uma nação. O líder histórico do PT também reconheceu a necessidade de pacificar e reconstruir o país, recuperando o diálogo e a convivência social com todos os atores. Além disso, Lula assumiu a necessidade de governar respeitando a autonomia das instituições e reconstruindo a coexistência harmoniosa entre os três poderes.

Em relação às prioridades anunciadas, os primeiros compromissos assumidos foram o de pôr fim à fome, que hoje afeta 33 milhões de brasileiros segundo a Rede Penssan, reduzir a pobreza e a desigualdade, e retomar os programas sociais como Minha Casa, Minha Vida. Lula também destacou que o Brasil está de volta e que a partir de agora é necessário garantir a credibilidade, previsibilidade e estabilidade do país a fim de recuperar a confiança internacional e atrair investimentos estrangeiros. Junto com estes objetivos, a industrialização e o retorno do protagonismo brasileiro nas relações internacionais também foram estabelecidos como metas, promovendo várias reformas e projetos de cooperação Sul-Sul e Norte-Sul. Em contraste com a política externa do governo Bolsonaro, que fez do Brasil um pária regional e global, Lula anunciou o retorno do país à luta global contra as mudanças climáticas e as desigualdades e a favor de um comércio mais justo. Em relação à Amazônia, prometeu desmatamento zero, em contraste com os níveis recordes de desmatamento registrados durante o atual governo.

Além dos anúncios e boas intenções, os desafios que o governo Lula-Alckmin terá que enfrentar a partir de janeiro de 2023 serão enormes e exigirão múltiplos esforços e concessões de todos. As disputas geopolíticas e o complexo contexto econômico em que sua vitória está ocorrendo também preveem muitas dificuldades para alcançar seus objetivos. Entretanto, o triunfo da democracia e a possibilidade de reconstruir um projeto de convivência pacífica e justiça social para o Brasil são em si boas notícias.

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Cientista política. Professora de Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UNIRIO. Doutora em Ciência Política pela Universidade Complutense de Madri.

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