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Guacamaya: hacktivistas do sul global 

O grupo hacktivista Guacamaya violou os sistemas de informação policial e militar de Chile, Colômbia, El Salvador, México e Peru, assim como os de empresas de minero-energéticas presentes em vários países da região até 2022. Até agora, eles revelaram informações governamentais e privadas de interesse público sobre violações de direitos humanos contra civis, ativistas, jornalistas, questões de segurança nacional e crimes ambientais. Estes ataques cibernéticos são ainda mais marcantes porque estão sendo realizados por aqueles que podem ser os primeiros hackers latino-americanos com um manifesto anticolonialista, que busca a libertação dos povos através do combate on-line ao “imperialismo”.

O comportamento de Guacamaya pode ser catalogado de diferentes maneiras, tais como ciberterrorismo, guerrilha de comunicação ou culture of jamming, vazamentos ou slacktivismo. Entretanto, o mais preciso é o hacktivismo, que consiste em um conjunto de ações intencionais e coordenadas na rede que podem ser legais ou ilegais para atingir um objetivo político, como atacar ou subverter uma estrutura de poder existente. 

Mas nem todo comportamento hacktivista tem sido igual historicamente; houve uma primeira onda na década de noventa, e uma segunda com o surgimento do Anonymous. Em relação à primeira onda, estes ataques cibernéticos lutavam principalmente pela liberdade de expressão e da Internet, e o fizeram por meio de duas táticas: a desfiguração (defacement), que consistia em atacar um site, modificando sua aparência estética, quase como um graffiti virtual. Enquanto isso, o net strike (ou virtual sit-in) foi uma ação coordenada para desacelerar o serviço de um site até que este estivesse saturado.   

Guacamaya faz parte da segunda onda, pois seus objetivos e táticas são equiparáveis aos do Anonymous, que, além de tender à liberdade de expressão, se preocupam com os sistemas de vigilância impostos por instituições privadas e governamentais aos cidadãos, em detrimento de sua segurança. Uma de suas táticas mais populares é o doxxing ou doxing, ou seja, a divulgação pública de informações na internet sobre uma pessoa ou organização.

Poetas da resistência e da programação?

Este grupo de hackers supostamente latino-americano se mostra na internet com um discurso poético anticolonialista. Busca justificar a liberdade de todas as comunidades de Abya Yala (denominação empregada pelos povos Kuna do Panamá e da Colômbia para se referir ao continente americano antes da chegada de Cristóvão Colombo) do extrativismo do norte global. Sua aparição na internet tem sido contundente, pois, além de seus vazamentos, também desenvolveu um conceito estético com quatro conteúdos web: um site, um vídeo, um comunicado e um poema. 

O primeiro conteúdo é o site, que é similar a um wiki e oferece vários serviços, tais como informações gerais sobre o grupo, uma compilação histórica de algumas de suas ações na internet, ferramentas de aprendizado para interessados em se tornar futuros hackers, um link para se comunicar com eles e alguns esclarecimentos; o mais marcante deles é a conta no Twitter @guacamayahacks, que é falsa e não os representa. O segundo conteúdo é um vídeo de curta duração com canções tradicionais e de rap com vozes femininas e letras que aludem à resistência e ao respeito pela mãe terra. Estas são acompanhadas por três imagens que representam os ideais e ações deste grupo, que se sobrepõem ao código que utilizaram em seus ataques cibernéticos.

O terceiro e quarto conteúdos são o comunicado e o poema onde manifestam de forma escrita e sintética seu propósito: lutar contra as formas herdadas e impostas do colonialismo e imperialismo norte-americano e europeu na região, ou seja, o extrativismo do norte global, junto com as atuais forças policiais e militares racistas do Estado-nação. Para isso, reivindicam o conhecimento e os saberes tradicionais dos povos originais, recorrendo a linguagem do cuidado e respeito pela pátria comum: Abya Yala e a temporalidade em espiral.       

O troiano anticolonial 

Apesar da aparente coerência entre suas ações e seu discurso anticolonialista, alguns jornalistas são cautelosos frente a Guacamaya porque o consideram um troiano a favor dos interesses geopolíticos dos Estados Unidos na região. Seus vazamentos foram localizados em países como Venezuela, Equador e Colômbia, que certamente se distanciaram do gigante. Ao atacar empresas minero-energéticas como Solway, Enami e Masarov Energy, presentes nestes países, que têm laços econômicos com China, Rússia e Irã, não prejudicam o “imperialismo norte-americano”, muito pelo contrário: eles o favorecem.

Se isto for comprovado, Guacamaya faria parte de uma operação de influência estatal, criada no “império” e amparada estrategicamente por um discurso “anticolonialista”, com o objetivo de desestimular o crescente apoio que China, Rússia e Irã ganharam no público latino-americano. A verdade é que esta conjectura poderia facilmente ser categorizada como uma “narrativa conspiratória” e, embora haja provas suficientes, permanecerá exatamente isso. No entanto, certamente nos lembra o fenômeno WikiLeaks, que já foi considerado um símbolo da liberdade de informação, e depois passou a ser acusado de recurso do governo russo para desestabilizar a legitimidade do governo dos Estados Unidos.

 #GuacamayaLeaksA suposta existência desses hacktivistas do sul global da América Latina é um marco não só por sua origem e objetivos anticoloniais, mas também eventualmente pelo alcance de seus vazamentos, o que abalaria mais de uma instituição estatal e privada. Ademais, suas ações indicam, por um lado, que na região há programadores qualificados e com grande experiência no campo da tecnologia, diluindo assim lugares comuns como a mão-de-obra pouco qualificada, com a qual Andrés Manuel López Obrador (AMLO) tentou marcar este ciberataque. Por outro lado, coloca os Estados violados e sua cibersegurança em alerta, pois esta foi contornada, e seus protocolos de gerenciamento de crises cibernéticas são fracos, se não inexistentes, como mostra o índice de cibersegurança 2022 e as reações governamentais.

Autor

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Estudiante del Máster en Gerencia del Desarrollo Global de la Universidad de East Anglia, Inglaterra. Máster en Estudios Internacionales de la Universidad de los Andes. Participante del Programa de Formación 360/Digital Sherlocks (DFRLab) del Consejo Atlántico para combatir la desinformación cohortes 2021-2022.

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