Para os guatemaltecos, 2021 será marcado por um recrudescimento do desgoverno, a corrupção e a consolidação da cooptação de todas as instituições do Estado. O legado que deixaram as campanhas cidadãs de 2015 contra o então presidente Otto Pérez Molina e sua vice-presidente, Roxana Baldetti, foi truncado após a investida do agora ex-presidente Jimmy Morales e seu círculo de poder contra a CICIG e as instituições que lideraram esta luta.
A inversão do legado da CICIG
Com a ascensão de Alejandro Giammattei, a situação não melhorou. O atual presidente foi eleito em eleições que supostamente duas concepções político-ideológicas se enfrentavam, mas na realidade foi uma disputa entre dois grupos com as mesmas intenções desleais de converter o Estado em sua pinhata pessoal.
Apesar do contexto negativo, as investigações conduzidas pela CICIG (Comissão Internacional contra a Corrupção e a Impunidade na Guatemala) defenestrada e expulsa, continuaram contra todas as probabilidades sob a direção do promotor Juan Francisco Sandoval, da Promotoria Especial contra a Corrupção. Mas com o tempo, foram perdendo credibilidade devido à descarada cooptação do Ministério Público pelo grupo político-empresarial que acompanha Giammattei.
Foi assim que o discurso de apoio à luta contra a corrupção foi se transformando, gradualmente, em uma mera retórica vazia de conteúdo e intenções, mediante uma luta desleal contra a Procuradoria Especial contra a Corrupção e a Impunidade (FECI), o que a impediu de avançar. Especialmente quando os inquéritos dos promotores e seus auxiliares se aproximaram do presidente, de seu grupo íntimo e, sobretudo, de seus interesses profanos.
Os acordos secretos do presidente
De acordo com as declarações do ex-Procurador Sandoval, que está em autoexílio, a Procuradora Geral Consuelo Porras obstruiu suas investigações de todas as formas concebíveis, legais ou não. Mas a gota d’água, segundo especialistas, foi a investigação sobre a chegada de dois aviões privados na Guatemala com matrículas da Rússia e do Cazaquistão, que haviam transladado ao país empresários desses países para acordar “favores” mútuos com o próprio presidente Giammattei.
De acordo com fontes que preferem não revelar sua identidade, o fornecimento de vacinas Sputnik V foi negociado neste contexto. Entretanto, também haviam negociado licenças de exploração e direitos de mineração no leste do país, assim como a concessão em um dos principais portos do país.
Ironicamente, esses seriam contratos muito similares aos assinados durante a administração de Otto Pérez Molina, que resultaram em investigações sobre o pagamento de milhões em subornos através do ex-secretário particular do deposto e impichado Pérez Molina.
A greve plurinacional
O mal-estar de muitos guatemaltecos, indignados com a demissão do promotor Juan Francisco Sandoval, bem como com a má administração da pandemia, tem sido até agora visível principalmente em publicações nas redes sociais e de organizações da sociedade civil. Entretanto, o papel dos povos originários vem crescendo, levando à chamada Greve Plurinacional em 29 de julho.
A mobilização de mais de 200.000 pessoas, que levou a cerca de 90 bloqueios, foi liderada pelo grupo indígena 48 Cantones de Totonicapán. Seu secretário-geral de 35 anos, Martín Toc, está começando, segundo os líderes sociais guatemaltecos, a emergir como um ponto de referência dentro dos movimentos populares.
Até o momento, quem não adotou uma posição clara foram as câmaras que aglutinam o setor empresarial e que desempenham um papel importante na economia guatemalteca. Alguns acreditam que estão aguardando o curso dos eventos, enquanto outros acreditam que manterão seu habitual silêncio cúmplice diante dos desatinos dos políticos e dos funcionários do Estado.
A posição ambígua de Washington
O Departamento de Estado dos EUA emitiu comentários oficiais e não oficiais condenando o desprezo pela independência do Judiciário guatemalteco. No entanto, até o momento, Washington não levou o assunto adiante.
Com a desculpa de não poder atuar diretamente em questões internas de um Estado soberano, por enquanto os atuais ocupantes da Casa Branca parecem estar pesando até onde podem pressionar o único presidente do conturbado Triângulo do Norte que não é esquivo a eles. Enquanto o Departamento de Estado considera o salvadorenho Nayib Bukele como uma pedra no sapato e o hondurenho Juan Orlando Hernández como um presidente cessante, Giammattei é o único dos mandatários considerados como um parceiro que lhes resta na região.
O futuro imediato
No dia 9 de agosto ocorreu outra rodada de protestos e espera-se que os mesmos prossigam. Mas é de se esperar que a resposta do governo nacional continue na linha do entrincheiramento e dos ouvidos surdos enquanto consolidam seus interesses através de todos os tipos de corrupção.
Ademais, é de se esperar que o círculo do poder político-institucional se concentre em eliminar a figura de Jordán Rodas, Procurador dos Direitos Humanos, que é visto como o único grande obstáculo para a realização dos planos do grupo que co-governa com Giammattei.
Novas convocatórias das organizações sociais poderiam levar a um maior grau de instabilidade. Mas, por outro lado, isso também atrasaria ainda mais a chegada dos potenciais investimentos tão necessários para superar a crise econômica agravada pela pandemia da Covid-19.
*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima
Autor
Consultor e pesquisador. Diretor de Presagio Consulting em Guatemala.