Há certos detalhes na política que têm um grande impacto. Assim, pode-se entender e analisar a aparição do Presidente Milei no domingo, 15 de setembro, às 21 horas, para apresentar o Orçamento Nacional 2025 no Congresso. Na Argentina, o governo em exercício apresenta o orçamento do ano seguinte no final de setembro para que seja discutido em sua totalidade no Congresso. Em seguida, esse órgão, após emendas, mudanças e acréscimos, deve aprová-lo, pois é Lei Nacional, portanto não pode ser alterado quando for colocado em operação.
No domingo, houve duas novidades neste ato político tradicional e rotineiro: o dia e a hora de sua apresentação no canal oficial e o fato de ter sido apresentado pelo presidente, quando o normal, como ato econômico, é que seja apresentado pelo ministro da Economia.
No início do evento, o presidente apontou a razão pela qual ele apresentou e não seu ministro. Essa razão é tanto o cerne da questão quanto o problema: o presidente anunciou que esse orçamento será a estratégia inegociável de seu governo, acrescentando que essa estratégia mudaria 120 anos da história econômica e política da Argentina.
A estratégia é o déficit fiscal zero. O objetivo é dar prioridade absoluta ao pagamento da dívida. O instrumento é um superávit fiscal primário que garante o pagamento das dívidas. O custo é que qualquer outro tipo de gasto público é condicionado por essa estratégia.
Traduzindo à vida cotidiana, ou seja, para as condições e expectativas de vida da população, isso significa, e o presidente deixou isso claro para que não haja dúvidas (depois não digam que não avisei), que todo gasto estatal dependerá da existência de fundos fiscais após reservar o necessário para pagar as dívidas. Não importa se é investimento público, saúde, educação, ciência e tecnologia, programas sociais de combate à pobreza, segurança ou o sistema de segurança social. A equação é simples: se o Estado tem recursos após pagar dívidas, haverá políticas públicas. Se os recursos diminuírem, as políticas diminuirão na mesma proporção.
Em uma economia com uma taxa de inflação anual de 94%, com queda abrupta dos salários públicos, com quase 55% da população abaixo da linha da pobreza e 20% abaixo da linha da indigência, com gastos em educação, ciência e tecnologia reduzidos a limites mínimos, com regiões empobrecidas do país, propor um aprofundamento do ajuste econômico soa quase irreal. Ao mesmo tempo, o presidente exigiu que os governos provinciais cortassem os gastos em 60 bilhões de dólares até 2025, quando há províncias que não conseguem mais sustentar serviços mínimos de saúde e educação.
O cânone libertário (economia austríaca) defende a retirada do Estado, sobretudo econômica, e transferir toda necessidade social ao mercado. No extremo dessa abordagem, toda política impositiva – ou seja, recursos para gastos públicos – viola moralmente a propriedade das pessoas. O presidente disse neste domingo que, se a economia crescesse, os gastos públicos não seriam aumentados, mas os impostos seriam cortados. Obviamente, sem mencionar, para empresas e grandes propriedades.
Alguém escreveu que a política é a arte do impossível. Não sabemos se essa frase é poesia ou uma realidade de tempos históricos passados. Hoje, em qualquer país do mundo, a política é apenas a arte de fazer as menores coisas se houver um contexto de possibilidade que permita sua implementação.
A proposta de Milei, encorpada no Projeto de Lei Orçamentária Nacional 2025, mas entendida como instrumento de uma estratégia política de ajuste de choque, é uma política do impossível. No estado socioeconômico da Argentina, propor uma redução dos serviços públicos essenciais parece uma provocação que só pode desencadear um ciclo de protestos e conflitos sociais da mais alta intensidade.
Autor
Diretor da Licenciatura em Ciência Política e Governo da Universidade Nacional de Lanús. Professor da Faculdade de Ciências Sociais da Univ. de Buenos Aires (UBA). Formado em Sociologia pela UBA e em Ciência Política pela Flacso-Argentina.