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Milei e a ruptura da ciência política

Em seis meses, Milei não conseguiu aprovar uma única lei no Congresso devido à sua esmagadora minoria parlamentar, mas também à sua comprovada incapacidade política de formar alianças.

A ciência política sempre se apoiou, como não poderia deixar de ser, na realidade histórica da evolução da política. Seus desafios intelectuais foram, e são, os altos e baixos permanentes pelos quais a política e os governos atravessam na história humana, já que, em última análise, a política é a arte humana de dar-se formas de organização. Portanto, o desenvolvimento da ciência política é sintomático da evolução das formas políticas de governo no processo civilizatório da humanidade.

Em tantos séculos de pensamento político, a ciência da política já estabeleceu certos acordos – quase leis – sobre as condições de possibilidade que todo governo democrático tem para poder avançar no programa que o levou à vitória eleitoral e, a partir daí, instituir-se como um governo legítimo. Assim, o acordo, a negociação, a maioria parlamentar, a produção de leis, a formação de gabinetes, a racionalidade administrativa e a consecução de objetivos socialmente justos e toleráveis são algumas das condições que todos os manuais e tratados de ciência da política estabelecem como o cânone indiscutível para o êxito relativo de um período governamental.

No caso atual da política argentina e do governo de Javier Milei, também pode-se considerar como um estado de coisas que desafiou, se não quebrou, grande parte dos considerados básicos mainstream da ciência política contemporânea.

O governo de Javier Milei está prestes a completar seis meses de mandato. Nesse período, não conseguiu aprovar uma única lei no Congresso devido à sua esmagadora minoria parlamentar, mas também à sua comprovada incapacidade política de formar alianças. O projeto de lei principal, a chamada Ley Bases, um conjunto de projetos de lei que significaria uma transformação estrutural e cultural da política, da economia e da vida social do país, foi apresentado ao Congresso, retirado, emendado, reapresentado, novamente retirado e emendado, e hoje sua aprovação é incerta, para não dizer difícil.

O PIB da economia argentina em março de 2024 mostra uma queda de mais de 8% em relação a março de 2023. O consumo caiu em mais de 10% ao ano. A pobreza aumentou, em um nível já intolerável, em mais de 10% nos últimos cinco meses. Os bancos informaram que, nos últimos três meses, deram baixa em 275.000 contas-salário, o que se traduz em uma queda igual nos empregos formais. O setor informal da economia conta com cerca de 45% da população economicamente ativa, a recessão econômica está cobrando seu preço.

A gestão política do governo parece ser similar à gestão de um consórcio de proprietários ou de uma associação esportiva. Há uma mudança permanente de funcionários tanto no gabinete nacional quanto na segunda e terceira linhas da administração estatal. Isso implica uma incapacidade estrutural no desenho e na implementação de políticas públicas, que são extremamente necessárias, seja pela crise que a Argentina vive, seja pelo discurso repetido do governo sobre a transformação histórica que deseja realizar no país.

Não obstante esse panorama nada alentador, todas as pesquisas de opinião pública concordam atualmente que o apoio ao governo de Milei – pois é vox populi entre seus seguidores que o governo não é de um partido, mas dessa pessoa – é bastante similar ao volume eleitoral que lhe permitiu ganhar a eleição presidencial: entre 50% e 55%. Esse apoio majoritário tem outras particularidades, como ser heterogêneo em termos de estrutura social, ou seja, transversal na escala de bem-estar econômico, mais pronunciado entre os jovens do que entre adultos mais velhos, mais inclinado à população masculina do que à feminina etc.

Enfim, dados interessantes para correlacionar com o estilo discursivo e cênico de Milei.O certo é que a relação entre a performance do novo governo, o apoio social e as modalidades e os resultados parciais alcançados até agora (numericamente quase nulos) desafiam, se não contradizem em alguns aspectos, os postulados básicos que a ciência política estabeleceu até agora como condição sine qua non para um governo que quer manter o apoio social e político e, assim, avançar em seu programa eleitoral.

Autor

Diretor da Licenciatura em Ciência Política e Governo da Universidade Nacional de Lanús. Professor da Faculdade de Ciências Sociais da Univ. de Buenos Aires (UBA). Formado em Sociologia pela UBA e em Ciência Política pela Flacso-Argentina.

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