O conflito armado colombiano deixou uma marca profunda na sociedade e no território. Embora houvesse muita esperança sobre o que poderia acontecer no país após a assinatura do Acordo de Paz em 2016 entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP), a verdade é que, desde então, houve um recrudescimento da violência em várias regiões. Essa situação afeta desproporcionalmente a população civil porque, entre outras coisas, a torna altamente vulnerável a violações do Direito Internacional Humanitário (DIH), como foi registrado pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) na Colômbia.
Crianças e adolescentes; comunidades rurais e étnicas; mulheres; e pessoas com orientações sexuais, identidades e expressões de gênero e características sexuais diversas são alguns dos grupos populacionais que sofrem os efeitos diferenciados do conflito armado. Além desses, há os migrantes que foram forçados a deixar seus países por diferentes motivos e que residem ou estão de passagem pela Colômbia. O fenômeno no qual esses últimos estão imersos ficou conhecido como dupla afetação devido à importância que o uso do conceito exigiu para tornar sua situação explicitamente visível. Mesmo assim, há uma diversidade de casos em que essas pessoas – no contexto da mobilidade internacional forçada, vítimas do conflito armado – vivenciam dinâmicas de afetação tripla e múltipla.
No nordeste colombiano, na zona de fronteira com a Venezuela, fica a região de Catatumbo, que é composta por vários municípios e reservas indígenas. Catatumbo é uma região fortemente afetada pela violência há várias décadas.
Em meados de janeiro de 2025, essa região foi manchete por causa da violência perpetrada por grupos armados não estatais ( GANEs), que forçaram a população local a se mudar para os municípios de Cúcuta, Ocaña, Tibú e Hacarí. De acordo com a Human Rights Watch (HRW), um desses grupos lançou uma campanha para retomar o controle de áreas de Catatumbo, o que resultou na morte, sequestro e desaparecimento de civis acusados de ligações com outro GANE presente na área que surgiu após a assinatura do acordo de paz de 2016.
A HRW relata que os confrontos entre esses grupos forçaram mais de 56.000 pessoas a fugirem de suas casas. Por sua vez, o ACNUR disse que, um mês após os eventos, os confrontos afetaram cerca de 80.000 pessoas, das quais mais de 52.000 foram forçadas a fugir de suas casas e comunidades. Outras 19.000 pessoas enfrentaram restrições em sua liberdade de movimento, enquanto mais de 8.600 permaneceram em confinamento sem possibilidade de movimento. Entre as pessoas afetadas estavam mais de 47.000 crianças e adolescentes, bem como cerca de 4.600 refugiados e migrantes venezuelanos. O ACNUR declarou que “desde que os dados oficiais estão disponíveis, esse é o maior deslocamento massivo na Colômbia gerado por um só evento”.
Isso corrobora o fato de que os venezuelanos forçados a migrar para a Colômbia, já vulneráveis por terem fugido de seu país, tornam-se vítimas do conflito armado. De acordo com os dados mais recentes da Migration Colombia, em janeiro de 2025 havia quase três milhões de migrantes da Venezuela no país. Entretanto, não está claro quantos deles sofreram pelo menos um evento de vitimização como resultado do conflito armado. Além do alto e generalizado nível de subnotificação de violações do DIH e do Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) na Colômbia, não há dados públicos oficiais sobre a situação.
No entanto, o relatório do ACNUR mencionado acima faz soar o alarme, não apenas porque alerta sobre o impacto do conflito armado sobre a população no contexto da mobilidade forçada internacional, mas também por causa de todas as barreiras que essas pessoas enfrentam em termos de reconhecimento de seus direitos fundamentais como vítimas (contemplados, entre outros, na Lei para as Vítimas).
A primeira das dificuldades é a falta de acesso a informações sobre rotas de atendimento e direitos. Nesse sentido, houve casos em que as pessoas que sofreram deslocamento forçado em Catatumbo (juntamente com os outros eventos vitimadores que vivenciaram) não sabiam por que haviam sido incluídas em um censo após os eventos. Também houve vítimas que não sabiam de seu direito à verdade, à justiça e à reparação integral, com tudo o que o reconhecimento desses direitos implica.
A segunda barreira tem a ver com os impedimentos que sofrem, derivados de sua nacionalidade e/ou status migratório, para apresentar a declaração dos fatos que sofreram perante as entidades que compõem o Ministério Público. Embora se saiba que, para o que aconteceu entre janeiro e fevereiro ( apesar de os atos de violência em Catatumbo não terem diminuído até março), foi ativada uma rota de atenção para declarações massivas, houve muitas pessoas que ficaram de fora. No entanto, é digno de nota o trabalho do Ministério Público no final de abril para garantir que, durante um dia, as vítimas do conflito armado pudessem apresentar suas declarações.
O terceiro obstáculo tem a ver com a falta de inclusão no Registro Único de Vítimas (RUV) pela Unidade de Vítimas (UARIV) e, consequentemente, a falta de reconhecimento legal ou formal de sua condição de vítima. Em todos os casos de que a Rede LEM teve conhecimento, isso se deve à condição migratória das pessoas e/ou a exigências desproporcionais para comprovar o fato, especialmente no caso de deslocamento forçado.
Os acontecimentos em Catatumbo, tão chocantes quanto preocupantes, somam-se a uma série de situações violentas que ocorreram em diferentes partes do território colombiano, com consequências adversas para as pessoas – como o deslocamento interno – de acordo com a Defensoria Pública da Colômbia. A escalada do conflito, sobre a qual já alertamos anteriormente, exige uma resposta firme e coordenada das autoridades colombianas. Essa resposta deve garantir os direitos das vítimas do conflito armado, inclusive daqueles que se encontram em contextos de mobilidade internacional forçada, como os migrantes venezuelanos vítimas do conflito armado em Catatumbo.
Tradução automática revisada por Giulia Gaspar.