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O (des)Tampão de Darién: a “outra migração”

A Colômbia é hoje muito relevante na região do ponto de vista migratório, devido principalmente a dois tipos de fluxos que ocorrem em seu território: o venezuelano e o menos conhecido “extracontinental”. Apesar de ambas migrações confluírem no mesmo território, seja como trânsito ou como destino, o fato é que a postura das autoridades colombianas frente a uma ou outra migração, assim como as medidas adotadas, são diametralmente distintas.

Duas migrações na Colômbia

A Colômbia é o país que mais recebe migrantes venezuelanos, entre outras razões, porque ambos os países compartilham uma fronteira terrestre extensa e porosa de mais de 2.219 km. De acordo com Migração Colômbia, em janeiro de 2021 havia no país cerca de um milhão e oitocentos mil venezuelanos.

Mas, por outro lado, a Colômbia é um país de trânsito da “outra migração”, conhecida como “extracontinental”, integrada por pessoas procedentes de países do Caribe, – principalmente Haiti e Cuba –, e da África e Ásia. Com o objetivo de cruzar o Panamá em seu caminho para a América do Norte, os migrantes devem atravessar o Tampão de Darién, a área de selva pantanosa localizada na fronteira da América Central e América do Sul que historicamente tem funcionado como uma barreira natural entre ambos subcontinentes.

Esta área, isolada e inóspita, também é extremamente perigosa devido à presença do narcotráfico e outras organizações criminosas. Entretanto, cerca de 650 pessoas cruzam diariamente essa zona, de acordo com o diretor da Migração Colômbia, Juan Francisco Espinosa.

A “outra migração”

Embora a migração de pessoas através do Tampão de Darién não seja uma ocorrência recente, ela é nova. Em 2015, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) observou que “na primeira década do século XXI, a migração extracontinental contemporânea da África e da Ásia para a América Latina era um fenômeno significativo”. Enquanto isso, segundo o Migration Policy Institute, os mais de 5.000 haitianos que foram recentemente expulsos ao chegarem aos Estados Unidos estavam em uma jornada de uma década, e muitos haviam atravessado a selva Darién.

Segundo a publicação da Liga Contra o Silêncio, a partir de dados da Migração Colômbia, no início de setembro de 2021 a composição desta “outra migração” era de 74,6% haitiana, 7,01% cubana, 1,5% do Senegal, Gana, Angola e Guiné, e os 16,8% restantes de outras nacionalidades. A rota migratória não só é difícil pelas condições adversas dos lugares que transitam, como o inóspito Darién e a precariedade em que têm de atravessá-lo, mas também devido a questões raciais e linguísticas.

Esta migração é nova, apesar do fato de acontecer há décadas, porque pouca atenção tem sido dada a ela e nenhuma medida foi tomada para enfrentar este fenômeno, além do acordo com o Panamá e outros países da região para autorizar o seu trânsito. Entretanto, a marginalidade e o desconhecimento quase total deste fenômeno migratório de longa data tem sido exposto pela Pandemia de Covid-19.

O fechamento das fronteiras, e o fechamento da fronteira entre a Colômbia e o Panamá em particular, tem gerado represamentos prolongados dessas pessoas. A situação enfrentada pelo município colombiano de Necoclí, onde milhares de pessoas ficaram “encalhadas”, ilustra a falta de resposta institucional sob a lógica de uma “vocação de trânsito” na qual a Colômbia supostamente não tem influência, de acordo com Espinosa.

Segundo o diretor da Migração Colômbia, esta é “uma migração que passa pela Colômbia, não se origina na Colômbia e nem tem destino na Colômbia”. Isto parece indicar que a Colômbia é apenas mais um passo na jornada destas pessoas e que, consequentemente, só se deve assegurar que os migrantes possam continuar seu trânsito para o Panamá, pois não é de seu interesse permanecer.

A migração venezuelana

Diferente desta migração, a migração venezuelana é notória, não apenas em termos quantitativos, mas também em termos da atenção que tem recebido das autoridades. As decisões tomadas nos últimos anos estavam orientadas para responder à chegada dos nacionais venezuelanos. Hoje, com a implementação do Estatuto Temporário de Proteção para Migrantes Venezuelanos (ETPMV), as autoridades reconhecem que esta migração tem vocação de permanência, apesar do fato de que durante muitos anos eles teimaram em insistir que essa migração era temporária.

Em todo caso, mesmo que sem consentimento para a permanência da migração da Venezuela, a verdade é que o Estado colombiano adotou medidas orientadas a responder a essa população, o que significa que a natureza transitória ou temporária da migração não indica de forma alguma inação institucional. Isto mostra que as narrativas oficiais – e a vontade política – são tremendamente relevantes para definir as políticas. A mudança de uma postura institucional de transitoriedade para uma vocação de permanência explica a adoção hoje do ETPMV, que permitirá que milhares de venezuelanos regularizem sua situação.

Os efeitos da distinção

Isto não quer dizer que “outras migrações” tenham que receber o mesmo tratamento. O importante é chamar a atenção para como o discurso das autoridades, que está se consolidando em torno de um ou outro fluxo migratório, é útil para desculpar ou justificar a ação ou omissão das instituições nesta área.

Entretanto, a natureza transitória da migração deixa a complexidade e heterogeneidade dos fluxos migratórios, assim como as particularidades dos projetos de vida dos migrantes, completamente invisíveis. Se trata de trajetos que duram meses, ou mesmo anos, nos quais as pessoas se expõem a cenários de exploração, risco e violência, que agravam sua situação.

Essas pessoas não são apenas “migrantes” que viajam com o desejo de chegar aos Estados Unidos. São seres humanos titulares de direitos, pelo fato de serem pessoas. Como Estado colombiano, e como sociedade, devemos pensar quais são as necessidades dessas pessoas em sua passagem, efêmera ou não, pela Colômbia.

Em sua jornada, esta população requer cuidados de saúde, alojamento, acesso a alimentos e meios de subsistência, proteção e segurança, serviços de intérprete, acesso à justiça, mecanismos de regularização, bem como proteção internacional, se necessário. Essas pessoas precisam suprir suas necessidades básicas e desenvolver um projeto de vida em condições dignas, especialmente levando em conta a grande quantidade de meninos e meninas que inclusive nasceram ao longo dessas rotas e cujos melhores interesses devem ser garantidos.

Finalmente, os governos locais, precários e com capacidade limitada, estão sobrecarregados com a situação. Para estas autoridades, que lidam diariamente com este fenômeno, a expressão “vocação de transitoriedade” resolve pouco ou nada, mas aumenta a brecha que pode existir entre os territórios e o Governo Nacional.

*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima

Autor

Abogada. Profesora de la Facultad de Derecho de la Universidad de los Andes (Bogotá) y Doctora por la misma universidad. Directora del Centro de Estudios en Migración (CEM) y co-fundadora de la Clínica Jurídica para Migrantes de la Univ. de los Andes.

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