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Corrupção: O grotesco teatro na América Latina

Em uma ridícula tentativa de dissimular uma manobra desesperada, Pedro Chávarry, o procurador-geral da Justiça do Peru, destituiu em plena noite de 31 de dezembro os procuradores Rafael Vela e José Domingo Pérez de suas posições na equipe especial do ministério público que investiga o caso Odebrecht no país andino. Com isso, ele pretendia deter a investigação que tem sob uma lupa os ex-presidentes Alan García, Alejandro Toledo, Ollanta Humala e Pedro Pablo Kuczynski, assim como Keiko Fukimori, líder oposicionista e filha de outro ex-presidente já encarcerado. Pérez na verdade havia solicitado anteriormente que Chavárry fosse denunciado por suposta obstrução da justiça, em um caso que implicava Fujimori, então candidata à presidência, e o procurador-geral mesmo, que está sob investigação por integrar uma rede de juízes acusados de corrupção.

A destituição dos procuradores aconteceu assim que eles fecharam um acordo de delação premiada com a Odebrecht, que envolvia pagamento de uma multa pela empresa e sua colaboração nas investigações. Desde o mês de agosto, o procurador-geral Chávarry vinha bloqueando, com o apoio do bloco de Fujimori no Congresso, uma investigação fiscal contra ele, por supostamente integrar a rede de corrupção do sistema de justiça, conhecida como máfia dos “Colarinhos Brancos do Porto”.

César Hinostroza, juiz destituído da corte suprema peruana que liderava a trama e está preso em Madri, aguardando extradição, havia oferecido anteriormente a Keiko Fujimori a revisão de uma sentença, para evitar sua investigação por lavagem de ativos.

Pouco mais de uma semana depois da grotesca manobra, e sob imensa pressão da sociedade, Chávarry se viu forçado a apresentar sua renúncia, depois que os procuradores apelaram da decisão à junta suprema de procuradores peruana, e que o presidente Martín Vizcarra apresentou ao Congresso um projeto de lei para dissolver a junta de procuradores integrada por Chávarry.

O presidente Jimmy Morales, que surgiu como um humorista popular na televisão e pregador evangélico, usando o lema ‘nem corrupto, nem ladrão’, anunciou unilateralmente o fim do acordo ente o país e a Comissão Internacional Contra a Impunidade na Guatemala (Cicig)”

Enquanto no Peru o procurador-geral teve de apresentar sua renúncia, liberando o caminho das investigações de corrupção vinculadas ao caso Odebrecht, na Guatemala se vive hoje a situação oposta. O presidente Jimmy Morales, que surgiu como um humorista popular na televisão e pregador evangélico, usando o lema “nem corrupto, nem ladrão”, anunciou unilateralmente o fim do acordo ente o país e a Comissão Internacional Contra a Impunidade na Guatemala (Cicig), da ONU, que o acusa de corrupção, ainda que o mandato desta devesse se estender até pelo menos setembro deste ano.

Morales, que deu aos integrantes da comissão um prazo de 24 horas para que deixassem o país, justificou a decisão devido a uma suposta “violação grave das leis nacionais e internacionais pela Cicig”, e afirmando que Iván Velásquez, que comanda a comissão, “mantém uma cultura de confronto com os guatemaltecos”.

Ainda que em 2015, durante a campanha eleitoral, Morales tivesse prometido que estenderia o mandato da Cicig, desde setembro de 2017 a organização, que durante 10 anos denunciou casos de corrupção de alto impacto, vinha sofrendo ataques da parte do governo.

A postura do presidente mudou quando, no início daquele ano, os integrantes da Cicig denunciaram um caso de suposta corrupção que envolvia parentes do presidente, o que veio se somar a outras acusações do ministério público contra Morales mesmo, por suposto financiamento ilícito de sua campanha eleitoral. As acusações não foram adiante porque o Congresso negou autorização para que o ministério público e a Cicig investigassem o presidente.

Simultaneamente a essas manobras descaradas no Peru e na Guatemala, na Colômbia 2018 se encerrou com o surgimento de um novo caso de morte em que o corpo apresentava traços de cianureto, a segunda testemunha do caso Odebrecht a surgir morta em menos de dois meses.

No começo de dezembro, Rafael Merchán, que foi secretário da transparência no governo colombiano, havia sido autorizado a depor em uma das investigações sobre os subornos da construtora brasileira Odebrecht na Colômbia.

Assim como no caso de Jorge Enrique Pizano, que supostamente morreu de um enfarte, e do filho deste, que morreu três dias mais tarde, envenenado por cianureto depois de beber água de uma garrafa que estava no escritório de seu pai, o testemunho de Merchán tampouco poderá ser usado para esclarecer a investigação. ssa nova morte serviu para turvar ainda mais as investigações que giram em torno do financiamento das campanhas presidenciais colombianas de 2010 e de 2014.

Esses casos são apenas amostras da ação grotesca da corrupção na América Latina, que em alguns países se estende às mais altas esferas. Escândalos protagonizados por presidentes, congressistas ou juízes, representantes dos diferentes poderes que abusam da impunidade e se encobrem mutuamente, usando o Estado como guarida.

Autor

jeronimogiorgi@hotmail.com | Otros artículos del autor

Jornalista, mestre em Jornalismo pela Universidade de Barcelona e em Estudos Latino-Americanos pela Universidade Complutense de Madrid.

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