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O militarismo presidencial na América Latina

Por que presidentes democraticamente eleitos, uma vez no poder, se apoiam nos militares para governar? Diferente do que aconteceu no século XX, quando em vários países da América Latina os militares tomaram o poder e instalaram ditaduras de vários matizes políticos – muitas vezes apoiadas pelos Estados Unidos –, no século XXI os militares voltaram ao cenário político pelas mãos de presidentes democraticamente eleitos. Nas últimas duas décadas, viu-se uma militarização de vários setores da administração pública em países como Bolívia, Brasil, México, Nicarágua, El Salvador e Venezuela.

Embora constitucionalmente os militares se encarreguem da segurança do Estado, historicamente na América Latina também realizaram trabalhos sociais e intervieram em desastres naturais. Uma das características dos processos de democratização na região era estabelecer claramente suas funções e distanciá-las da política. Isso, no entanto, foi parcialmente cumprido ou não foi cumprido, sobretudo em temas relacionados à segurança pública e à luta contra o tráfico de drogas.

Mas na atualidade, preocupa a expansão da presença de militares, impulsionada por presidentes democraticamente eleitos, em tarefas alheias a suas funções e capacidades institucionais. Isso provocou uma maior opacidade na tomada de decisões de Governos, um aumento das violações dos direitos humanos e uma lenta politização das novas gerações de militares.

Uma caracterização do militarismo

Esse “militarismo presidencial” se caracteriza por substituir os civis por militares no controle de tarefas estratégicas da administração pública, para o qual não há necessidade de mediar ou consultar formalmente os outros poderes. Ademais, esses regimes favorecem as Forças Armadas com orçamentos maiores e reformas estruturais para ampliar e fortalecer sua presença.

Nesses regimes, há também uma instrumentalização política das capacidades técnicas das Forças Armadas para realizar tarefas de segurança pública em detrimento das polícias civis. E uma última característica é a ampliação gradual da presença militar na tomada de decisões de Estado que são essencialmente de natureza civil, como o controle da migração e inclusive a educação e a gestão de setores econômicos estratégicos.

Os governos de Evo Morales, na Bolívia, Jair Bolsonaro, no Brasil, e López Obrador, no México, são três exemplos em que os militares desempenharam um papel decisivo na implementação de políticas públicas. No México, eles foram encarregados da construção de um aeroporto, de um trem e de uma refinaria, do controle da Guarda Nacional e da operação da alfândega, entre outras tarefas.

Na Bolívia, as forças armadas se tornaram uma peça-chave do projeto do presidente Evo Morales desde sua chegada ao poder e suas funções se ampliaram quando a Constituição de 2009 foi promulgada e lhes atribuiu a tarefa de “participar do desenvolvimento integral do país”. Embora nunca tenham se afastado da política boliviana, sua presença foi fundamental para manter a ordem interna, não sem graves consequências, durante a crise que levou ao exílio momentâneo de Evo Morales.

O caso do Brasil é sui generis. No período de Jair Bolsonaro, os militares receberam o controle de oito dos 22 ministérios e, embora a maioria fossem pessoas aposentadas das forças armadas, sua incorporação foi parte de uma estratégia de campanha para reforçar seu discurso antipolítico na falta de um partido forte para apoiá-lo. O papel das forças armadas é muito diferente em El Salvador, onde os militares são a espinha dorsal da política de segurança do presidente Nayib Bukele, e na Venezuela desde a chegada de Hugo Chávez e com Nicolás Maduro.

As mudanças populistas prometidas por esses “presidentes militaristas” são limitadas por duas condições. Primeiro, os déficits institucionais dos Estados atrasaram os processos de implementação de políticas. Em segundo lugar, as democracias exigem que a implementação de políticas públicas se submeta a processos de avaliação e sigam procedimentos preestabelecidos que sejam vigiados por entidades alheias aos poderes executivos.

Apesar dessas limitações, os militares respondem constitucionalmente ao mando do presidente e contam com recursos humanos e econômicos que podem ser mobilizados rapidamente.

Efeitos e perspectivas

As consequências da expansão da presença militar em tarefas civis são graves para as sociedades, já que põe em risco as já fracas democracias da região. Na Bolívia, por exemplo, não se pode entender a relativa “calma” posterior à saída de Morales do poder sem a tutela dos militares sobre os atores políticos, e na Nicarágua e Venezuela sua presença é necessária para sustentar os regimes.

Em países como Brasil e México, as consequências da presença das Forças Armadas em âmbitos civis ainda são incertas. A nova presidência de Lula implicou em sua perda de influência nas grandes decisões do país. Enquanto no México, está cada vez mais claro que os militares têm um papel importante em sustentar a chamada “Quarta Transformação” e estão começando a mostrar uma postura preocupante em relação a instituições como o Congresso e o Judiciário.

As Forças Armadas são instituições que podem dispensar os controles democráticos. Não se sujeitam à justiça civil, não são obrigados a prestar contas ao Congresso e podem ocultar informações sob a lógica da “segurança nacional”. Dada a relativa autonomia dessa instituição, é preciso prestar atenção especial a esses processos de militarização dos âmbitos civis, já que podem condicionar o bom desenvolvimento dos processos democráticos.

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Cientista político. Professor da Universidade de Guanajuato (México). Doutorado em Ciência Política pela Universidade de Florença (Itália). Suas áreas de interesse são a política e as eleições na América Latina e a teoria política moderna.

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